sábado, 18 de agosto de 2007

O mito e a realidade

Por estas alturas de estio, em que a leitura é entretenimento indispensável mas as notícias escasseiam, entre os habituais artigos sobre o melhor shampoo para o cão ou as notícias sobre mais uma facadinha no matrimónio da actriz de telenovela que se descobre que afinal sempre vivera amancebada, aparece recorrentemente publicado e actualizado o ranking dos portugueses mais ricos.
E durante dias alimenta-se o mito de que somos um país de nababos.
Não somos, infelizmente. Somos uma nação de demasiados pobres. E a pobreza explica muito desta congénita propensão para a mitificação.
O Expresso de hoje retrata bem o contraste entre o que somos e o que julgamos ser.
De um lado artigos e opiniões condenando a riqueza e o privilégio - que alegadamente se torma imperioso perseguir porque é ela responsável pela escassez de meios financeiros do Estado -, artigos e opiniões assinados por alguns que todavia não renegam (eu sou testemunha) sentar-se à mesa dos ricos a enfardar-se com os seus privilégios...
De outro lado, no caderno de economia, uma análise lúcida de Nicolau Santos a partir do diagnóstico da realidade portuguesa traçado com base nos dados recolhidos pelo Fisco no ano passado.
E que realidade é essa?
É aquela que tristemente nos revela que metade dos agregados familiares, quatro milhões de portugueses, não paga IRS. Simplesmente porque não aufere rendimento para o fazer.
Recorde-se que o limiar de isenção anda pelos 4500 euros, o que representa uma média de proveitos mensais por família rondando os 375 euros (75 contos em moeda antiga)!
Mas seremos nós um país de classe média?
Também, infelizmente, não somos. Entre 10 milhões de habitantes, somente 440 mil pertencem aos vários escalões de remediados.
Todavia, é esta escassa minoria e as empresas, quem paga os impostos que sustentam este Estado também ele convencido que é rico.
Esta é a verdadeira estrutura da sociedade portuguesa. Poucos ricos ganham muito. Mas o que é mais relevante é a imagem do imenso mar de pobreza sem solução e de uma classe média que cabe toda em dois ou três bairros de Madrid.
Observado Portugal sem o habitual nevoeiro dos mitos, percebem-se melhor as dificuldades do presente mas também como é complicado confiar num destino melhor...

6 comentários:

  1. Creio estar sem dúvida aí a razão do nosso atraso crónico, cultural, social e de mentalidades, e logo se reflecte na dimensão económica da nossa comunidade, desqualificando-a, repercutindo-se em mais atraso crónico, cultural, social e de mentalidades. Um autêntico efeito pescadinha de rabo na boca. Somos um país de pobres, logo somos um país de pobres de espírito, e nem a promessa do céu nos acalenta, somos um país de pobres em audácia, somos um país de pobres em esperança, somos um país de pobres em confiança. E já não basta que nos peçam para confiar, precisamos é de razões para ter confiança, mas muitas, porque já desconfiamos militantemente. O cepticismo tornou-se uma religião, já nem os Messias conseguem galvanizar estas massas. Os portugueses precisam desesperadamente de ser menos pobres, para se poderem sentir um pouco mais ricos, para acreditarem e conseguirem ser de facto mais ricos.

    Bruno Simão

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  2. Caro JMFA,

    O estado não é ninguém. É uma entidade abstracta, supostamente da nossa propriedade e gerida por aqueles que nós entendemos, para atingir os objectivos públicos. O resto são interesses privados, de funcionários, de partidos, de empresas, de pensionistas, de sindicatos, de deputados, etc... Falar em estado rico é, por isso, outra abstracção. Falemos dos bois pelo nome deles.

    De resto faz sentido que a nossa classe média caiba em três bairros de Madrid. Deverá ser essa a quantidade de pessoas que continua a receber o mesmo valor nominal de euros independentemente do facto do país ser rico ou ser pobre, isto é, que vive como se estivesse em Espanha...:)

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  3. Também li e fiquei a fazer as contas mais ou menos como o Ferreira d'Almeida, mas depois olho à minha volta e não vejo 50% de pobres, pelo menos tão pobres assim, que se distingam tanto dessa minoria de 2% que será a classe média. Há não muitos anos, há 3 ou 4, creio eu, também houve um estudo muito divulgado que falava em 30% de economia paralela, que em Portugal 1 em cada 4 portugueses tinha 2 casas próprias (o que não quer dizer vivendas ou mansões, mas ainda assim), que somos recordistas em telemóveis, que as viagens para destinos exóticos se esgotam, etc. etc. Também será uma forma de pobreza, termos essas coisas e não termos outras mais importantes, como taxas de sucesso escolar ou assitência na saúde e na velhice. Mas 50% de pobres com esse rendimento anual ou menos, também me custa a crer...

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  4. Muitos que não pagam impostos são ricos,classe média alta ou classe média. De outra forma, pese o crédito bancário mal parado,não se poderia verificar a situação que a Suzana descreve.
    Ainda bem que assim acontece. Com efeito,a situação do país seria bem pior se não houvesse muitos "patriotas" a consumir ou a investir os dinheiros que seria suposto deverem entregar ao Estado.
    Por mim, confesso o pecado de não ser "patriota" e de continuar a entregar ao Estado, e até ao último cêntimo, todos os impostos que ele me exige e que tão gritantemente desbarata. Pago assim com língua de palmo a minha "cobardia" e o meu sossego...

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  5. Há uns anos tive de começar a apresentar, juntamente com a declaração do IRS, a cédula dos meus filhos. Quando pergintei ao funcionário da repartição porquê, respondeu-me que tinham sido feitas umas verificações e que dois terços dos contribuintes verificados tinha menos filhos que os declarados (estou a vender o peixe que me venderam na altura), daí que perceba estes 50% de pobres.

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  6. Acrescentaria a tudo o que já foi dito mais alguns apontamentos. Primeiro, é um facto inegável, que as famílias – em particular da classe média – estão a viver acima das suas possibilidades. Não pagam impostos mas estão altamente endividadas. Nuns casos para terem acesso a bens de primeira necessidade que o seu nível de rendimento deveria ser capaz de financiar de forma estável e duradoura. Noutros casos para terem acesso a bens de segunda necessidade que não condizem com o seu nível de rendimento, a demonstrarem ausência de "educação financeira".
    Segundo, há muito rendimento gerado pela economia paralela que contribui para o rendimento disponível das famílias, mas que não é declarado.
    Terceiro, a classe dos trabalhadores por conta de outrem continua a pagar impostos pelo seu rendimento e o de outros que "fogem" aos rendimentos declarados ou ao pagamento de impostos. Ora a classe média e a classe média baixa são constituídas essencialmente por trabalhadores por conta de outrem. Estas classes de contribuintes estão cada vez com mais dificuldades, estão a empobrecer, a hipotecar o seu futuro com a "bola de neve"
    do endividamento.
    Quarto, os pensionistas vivem com rendimentos em média muito baixos, com grandes privações, no limiar da pobreza ou em situação de pobreza efectiva, na dependência das "esmolas" do Estado, das ajudas das suas famílias, e da "caridade" alheia. Uma situação chocante!
    Perante esta realidade, não podemos negar a evidência de que o País está a empobrecer, com uma classe alta que vai enriquecendo e com um nível de vida e um poder de compra cada vez mais distantes dos rendimentos que auferem as classes médias e os pobres!
    Não se trata de um retrato! Trata-se, sim, de uma tendência que se tem vindo a acentuar...

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