Li com muito interesse o artigo do António Barreto “Da mentira como virtude política” – publicado no Público no passado dia 28 de Outubro – que nos obriga a reflectir sobre o que é hoje a mentira enquanto instrumento de estratégia de acção política e sobre o seu significado enquanto verdade.
A mentira é, ainda nos tempos que correm, pese embora o seu sentido tenda a ser banalizado, um comportamento reprovável e condenável quer no seio da família e nas relações de amizade quer no emprego e castigado pela justiça. Ao contrário, refere António Barreto, a mentira “Na política… É apreciada. Se um político mente para dar emprego aos seguidores, derrotar os adversários ou enganar parceiros, o seu gesto tem todas as probabilidades de ser elogiado”.
Acrescentaria que a intervenção política recorre também à mentira, por receio que a verdade traga consequências negativas ou perdas, ou pela necessidade de obter ganhos e vantagens que a verdade não permitiria obter.
Mas, se a mentira é uma arma de intervenção política para esconder erros ou para obter ganhos, inserida numa lógica demagógica e numa espiral de competição e radicalismo político partidários, e se a mentira é susceptível de ser castigada através do mecanismo das eleições pelos mesmos cidadãos que não toleram a mentira àqueles com quem tem uma relação mais próxima, impõe-se então perguntar porque razão a mentira dos políticos é tantas vezes desculpada: Memória curta dos cidadãos? Todos os políticos, da direita à esquerda, mentem? Indiferença e descrença face à mentira banalizada? Os “mentirosos” confessam a sua ignorância, confessam que foram vítimas da mentira dos seus adversários? “Branqueamento” da mentira? Ingenuidade cívica?
São clássicos de mentiras recorrentes de candidatos a primeiros-ministros as promessas de não aumentar os impostos ou, numa outra variante, de baixar os impostos, de aumentar as pensões, de aumentar ou criar benefícios fiscais.
Mas nesta matéria, novidade e inovação recentes encontramos na promessa do actual governo, antes de o ser, de criação de 150.000 empregos. Disse uma verdade ou uma mentira? Se disse uma verdade, a verdade é que já era uma mentira. Portanto, há uma mentira, embora para alguns seja uma “verdade”. Muito provavelmente, esta “verdade”, como muitas outras, será esbatida e esquecida no julgamento através das eleições.
A mentira parece transformar-se assim num comportamento normal, como se fosse normal não pugnar pela verdade!
António Barreto afirma mesmo que “Não fazer o prometido, deixar de o fazer ou fazer outra coisa é uma forma de sublinhar a mentira original. Mas também passa, na política, por benigno constrangimento”.
Seja a mentira um instrumento de estratégia política ou um traço de carácter ou de estilo pessoal, que também é frequente encontrar nos políticos de hoje, a verdade é que a mentira não deveria ser aceite impunemente como uma banalidade benigna.
Num contexto em que abanam os alicerces dos princípios e dos valores que fazem a sociedade mais forte, mais exigente, mais rigorosa e mais vigilante, deveria ser motivo de preocupação a corrosão da fronteira da ética e da moral no exercício da política e no julgamento popular, que tende a deixar os políticos em rota livre e cegos e complacentes quem os elege.
Este é, pois, mais um elemento negativo a contribuir para a descrença que hoje se vive na sociedade portuguesa em relação à classe política e à política em geral. [tema sobre o qual escrevi aqui no 4R, em "Pensamentos de mudança..." http://quartarepublica.blogspot.com/2007/10/pensamentos-de-mudana.html#comments].
A mentira é, ainda nos tempos que correm, pese embora o seu sentido tenda a ser banalizado, um comportamento reprovável e condenável quer no seio da família e nas relações de amizade quer no emprego e castigado pela justiça. Ao contrário, refere António Barreto, a mentira “Na política… É apreciada. Se um político mente para dar emprego aos seguidores, derrotar os adversários ou enganar parceiros, o seu gesto tem todas as probabilidades de ser elogiado”.
Acrescentaria que a intervenção política recorre também à mentira, por receio que a verdade traga consequências negativas ou perdas, ou pela necessidade de obter ganhos e vantagens que a verdade não permitiria obter.
Mas, se a mentira é uma arma de intervenção política para esconder erros ou para obter ganhos, inserida numa lógica demagógica e numa espiral de competição e radicalismo político partidários, e se a mentira é susceptível de ser castigada através do mecanismo das eleições pelos mesmos cidadãos que não toleram a mentira àqueles com quem tem uma relação mais próxima, impõe-se então perguntar porque razão a mentira dos políticos é tantas vezes desculpada: Memória curta dos cidadãos? Todos os políticos, da direita à esquerda, mentem? Indiferença e descrença face à mentira banalizada? Os “mentirosos” confessam a sua ignorância, confessam que foram vítimas da mentira dos seus adversários? “Branqueamento” da mentira? Ingenuidade cívica?
São clássicos de mentiras recorrentes de candidatos a primeiros-ministros as promessas de não aumentar os impostos ou, numa outra variante, de baixar os impostos, de aumentar as pensões, de aumentar ou criar benefícios fiscais.
Mas nesta matéria, novidade e inovação recentes encontramos na promessa do actual governo, antes de o ser, de criação de 150.000 empregos. Disse uma verdade ou uma mentira? Se disse uma verdade, a verdade é que já era uma mentira. Portanto, há uma mentira, embora para alguns seja uma “verdade”. Muito provavelmente, esta “verdade”, como muitas outras, será esbatida e esquecida no julgamento através das eleições.
A mentira parece transformar-se assim num comportamento normal, como se fosse normal não pugnar pela verdade!
António Barreto afirma mesmo que “Não fazer o prometido, deixar de o fazer ou fazer outra coisa é uma forma de sublinhar a mentira original. Mas também passa, na política, por benigno constrangimento”.
Seja a mentira um instrumento de estratégia política ou um traço de carácter ou de estilo pessoal, que também é frequente encontrar nos políticos de hoje, a verdade é que a mentira não deveria ser aceite impunemente como uma banalidade benigna.
Num contexto em que abanam os alicerces dos princípios e dos valores que fazem a sociedade mais forte, mais exigente, mais rigorosa e mais vigilante, deveria ser motivo de preocupação a corrosão da fronteira da ética e da moral no exercício da política e no julgamento popular, que tende a deixar os políticos em rota livre e cegos e complacentes quem os elege.
Este é, pois, mais um elemento negativo a contribuir para a descrença que hoje se vive na sociedade portuguesa em relação à classe política e à política em geral. [tema sobre o qual escrevi aqui no 4R, em "Pensamentos de mudança..." http://quartarepublica.blogspot.com/2007/10/pensamentos-de-mudana.html#comments].
"Sucede que tenho precisamente aquelas qualidades que são negativas para fins de influir, de qualquer modo que seja, na generalidade de um ambiente social.
ResponderEliminarSou, em primeiro lugar, um raciocinador, e, o que é pior, um raciocinador minucioso e analítico. Ora o público não é capaz de seguir um raciocínio, e o público não é capaz de prestar atenção a uma análise.
Sou, em segundo lugar, um analisador que busca, quanto em si cabe, descobrir a verdade. Ora o público não quer ver a verdade, mas a mentira que mais lhe agrade. Acresce que a verdade - em tudo, e mormente em coisas sociais - é sempre complexa. Ora o público não compreende ideias complexas. É preciso dar-lhe só ideias simples, generalidades vagas, isto é, mentiras, ainda que partindo de verdades; pois dar como simples o que é complexo, dar sem distinção o que cumpre distinguir, ser geral onde importa particularizar, para definir, e ser vago em matéria onde o que vale é a precisão - tudo isto importa em mentir.
Sou, em terceiro lugar, e por isso mesmo que busco a verdade, tão imparcial quanto em mim cabe ser. Ora o público, movido intimamente por sentimentos e não por ideias, é organicamente parcial."
Fernando Pessoa
Cara Margarida Aguiar.
ResponderEliminarDecorre da leitura deste texto que a mentira é socialmente reprovável aos cidadãos em geral, excepto aos políticos.
Então qual a razão desta dualidade de critérios em relação a quem diz a mentira?
Será porque, as mentiras dos políticos, de tanto se repetirem, são já entendidas por nós como fazendo parte de um jogo de poucos - “o jogo dos que vivem da política?".
Cara Margarida,
ResponderEliminarLendo atentamente o seu post, conclui-se naturalmente que a verdade tem múltiplas faces, tal como a mentira.
"The opposite of a correct statement is a false statement. But the opposite of a profound truth may be another profound truth." disse Niels.
Porem, citando Bartolomeu, direi : "For a lie is credible, it must have a genuine background"
Resta-me colocar uma questão, em jeito de conclusão...será a mentira o oposto da verdade?
Sendo a mentira um instrumento de estratégia política ou um traço de carácter ou de estilo pessoal, não podemos contornar a evidência que essa estratégia é dia para dia mais aprefeiçoada e ganha uma dimensão que abranje seguramente todos os quadrantes políticos, tornando-se, (ou fazendo por isso) numa verdade universal.
A mentira pode começar por ser apenas uma ilusão, ou a vontade de a criar. É uma forma de combater o pessimismo, de levantar o ânimo, colocando alta a fasquia para que o esforço se realize. Gorada a ilusão, o cenário que a permitiu assume o rosto medonho da mentira. Por isso é arriscado estimular ilusões, mas a verdade é que elas são necessárias,é preciso acreditar que algumas hão-se ser realidades. As ilusões também têm nomes mais técnicos, como perspectivas de desnvolvimento, igualdade social, paridade, amor ao próximo como a si mesmo, etc. Também se chamam ideais, se forem acompanhadas de uma crença profunda em que serão realizáveis.Por isso, nem tudo o que se promete enão se realiza pode ser arrumado como mentira, até porque essa generalização pode tornar esta tolerável, como a Margarida refere. Os velhos do restelo nunca mentiram, mas também nunca as ñaus teriam largado...A política é uma fazedora de ilusões, abusa disso e o povo gosta, as mais das vezes, de ser iludido, embora depois não perdoe a desilusão. Mas está pronto a acreditar de novo, por isso a democracia sobrevive, ~porque precisa que as pessoas acreditem que os que escolhem são os melhores para lhes concreizar os sonhos. Que se abuse dessa confiança, mentindo, aí é que está o grave.
ResponderEliminar"Politica é a arte de governar iludindo o povo".
ResponderEliminarNunca gostei desta frase, e não sei explicar porquê!
Será por este povo estar a atingir a "maturidade" que cada vez mais se está a distanciar daqueles que o enganam!? Mesmo pesando o facto de a democracia ser o mal menor?
Cara Suzana, o seu comentário, lembra-me um jogo de sedução, uma romântica conquista, em que os argumentos se apresentam nobres, apesar de suspeitos, mas aceites por verdadeiros, até que, pressionados pela suspeita, se revelem falsos. Algo próximo do efeito ilusório que a lua exerce sobre a terra, influênciando-lhe as marés, agitando os loucos, e aproximando os corações dos apaixonados. Não creio que o povo goste de ser manipulado pela mentira que os políticos lhe impinjem, não creio tambem que o povo acredite nessas mentiras, mas sim na esperança que a mentira, de tão abjecta e tão obsoleta, se venha a transformar na verdade que todos desejam que aconteça.
ResponderEliminarSim, eu sei, muitas das verdades que se desejam, teriam de ser milagres, mas, não fomos ensinados de tenra idade a acreditar em milagres? A nossa História está repleta deles desde as fantásticas lutas de Viriato.
Fui para fora passar o fim-de-semana. Levei comigo o 4R mas sem computador, sem fios e sem ligações à internet. Mas cá estou, de novo, a retomar as nossas conversas.
ResponderEliminarCaro Arnaldo Madureira
Excelente escolha a sua. Retiro dos pensamentos do texto de Fernando Pessoa algumas "verdades" bem actuais, talvez mesmo intemporais, mas agudizadas pela política dos nossos tempos:
- "...o público não é capaz de seguir um raciocínio, e o público não é capaz de prestar atenção a uma análise."
– "... o público não quer a verdade, mas a mentira que mais lhe agrade. (...) o público não compreende ideias complexas..."
– "... o público, movido intimamente por sentimentos e não por ideias, é genericamente parcial."
Um "público" assim descrito, será que merece outra coisa que não seja a "mentira"?
Caro invisivel
Acha mesmo que o "povo" – o nosso, que somos nós – está a atingir a "maturidade"?
Não sei se a "Política é a arte de governar iludindo o povo"!?
Que a política é uma arte é, que deve ser gerida em benefício do povo também e que cria muitas ilusões e desilusões também!
Caro Bartolomeu
A mentira também se aprende. Sendo um instrumento de estratégia política, a mentira é uma técnica que, como todas as técnicas, pode ser aperfeiçoada de modo a que se obtenham os melhores resultados.
A mentira não é para principiantes ou curiosos, mas para profissionais.
Isto é, a mentira deverá ser tão verdadeira que deve ser capaz de criar uma realidade, uma verdade ilusória. A mentira deve cumprir um tempo útil e manter-se como tal sem que seja "destapada a careca" antes de tempo. Cumprida a sua missão, ainda que não tenha passado de uma verdadeira mentira, outra mentira surgirá ou uma verdade poderá fazer esquecer a mentira que não passou disso mesmo, uma mentira!
Suzana
Não me parece que o povo goste de ilusões ou mentiras, assim como não me parece que depois perdoe a desilusão.
Diria talvez que o povo vai dando o benefício da dúvida, ora a uns ora a outros, mas não tempo de mais. Há promessas em que quer acreditar porque tem a noção que seria bom que se realizassem, porque dizem respeito a problemas ou a necessidades que sabe precisam de ser resolvidos ou satisfeitas.
Estou de acordo com o nosso Caro Bartolomeu quando não crê que "o povo acredite nessas mentiras, mas sim na esperança que a mentira (...) se venha a transformar na verdade que todos desejam que aconteça".
Pois eu tenho muita relutância na generalização da palvra "mentira" com essa amplitude. O facto de se falhar o que se propunha alcançar, não é uma mentira, é um falhanço, ou uma derrota. Além disso, há que reconhecer que muitos dos ideais políticos, ou ilusões, acabaram por se concretizar, nomeadamente na objectiva melhoria das condições de vida, em geral, na paz duradoura, no progresso científico ao serviço das populações, etc. Não eram mentiras, mas são consideradas como tal na parte em que ainda não se realizaram. Mentir é afirmar o que já se sabe que não corresponde aos factos, ou prometer o que não se vai fazer, ou induzir em erro para disfarçar o resultado. A mentira, na política,não é diferente da mentira na versão doméstica, ou nos negócios, ou na relação com os outros. Mesmo que seja muito mais usada, não se pode confudir com a tal sedução, de que fala com toda a razão (como sempre) o caro Bartolomeu e que é parte integrante da conquista, quando não se usa o domínio pela força.
ResponderEliminarA mentira pode não ser a palavra, mas a atitude vertical de um homem que, infelizmente, se vem a revelar incompetente. A maioria das vezes sem consciência disso ...
ResponderEliminarPor exemplo, se a Administração Pública portuguesa é um monstro, não terá Cavaco Silva contribuído para isso? E contudo, ele não é certamente o que consideramos uma pessoa mentirosa!
Caro Tudovaleapena
ResponderEliminarSeja muito bem vindo.
A sua perspectiva da mentira política não coincide propriamente com a mentira que trato no texto, em que a mentira tem essencialmente uma conotação manipuladora.
No caso concreto do "monstro", a promessa do governo de dispensar 75.000 funcionários públicos, julgo que é este o número, poderá ser catalogada de mentira. Veremos...