quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

BdeP: comportamento exemplar

Um dos episódios mais curiosos da novela em torno da “débacle” do Conselho de Administração do Millennium BCP terá sido o anúncio, feito em grandes parangonas pelos media habituais, de uma suposta “decisão” do BdeP (em versão Unipessoal, como vem sendo hábito) de impedir todos os membros do Conselho de Administração daquele Banco, em exercício, de se candidatarem a novo mandato.
Estaríamos assim perante uma figura de “pré-inibição”, sanção aplicada sem que se encontre concluído qualquer processo de contraordenação como a lei impõe.
Não é preciso ser jurista especializado para se perceber que tal “decisão” (a ter existido, como parece) é totalmente ilegal, não tem o menor fundamento na legislação aplicável a este tipo de situações: o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo DL 298/92, de 31 de Dezembro, na nova versão que lhe foi dada pelo DL 201/2002, de 26 de Setembro.
Esse diploma estabelece um processo próprio para a aplicação de sanções pela prática de ilícitos financeiros penais ou de mera ordenação social (contraordenações), que se encontra regulado nos artigos 213º e seguintes.
Esse processo tem uma fase inicial de instrução, que conclui pela acusação ou pelo arquivamento.
Em caso de acusação, os visados têm o direito de apresentar defesa por escrito, juntando os meios de prova e arrolando as testemunhas que entenderem.
Depois de apresentada a defesa, são realizadas novas diligências de instrução, que sejam justificadas pela apresentação da defesa, e só depois disso é que o processo pode ser presente ao órgão que tem competência legal para decidir – o Conselho de Administração do BdeP.
Proferida a decisão, se for condenatória – incluindo a famosa inibição – os visados (arguidos), podem recorrer para os Tribunais, embora este recurso não seja suspensivo da inibição.
Nada disto aconteceu – se existe processo, ele está apenas no seu início, como resulta claro das duras críticas ainda ontem feitas publicamente pelo Presidente Executivo do BPI à autoridade de supervisão.
Sendo assim, a comunicação feita pelo BdeP a Accionistas do BCP sobre a impossibilidade de os actuais membros do CA deste Banco se candidatarem é totalmente ilegal.
É claro que na situação de enorme fragilidade em que se encontram, os visados não têm a menor possibilidade de reagir à aplicação desta sanção sem processo.
Cabe aqui perguntar se esta suposta decisão não será, por estranha ironia, uma confissão de má consciência – o BdeP já sabia de tudo, mas nada fez...
E, quando se viu “apertado” pela comunicação social e pelas iniciativas de alguns Accionistas do BCP – maxime a visita de Joe Berardo ao Procurador Geral – tomou esta brilhante “decisão”, passando por cima da lei de que é suposto ser o principal guardião, para tentar calar as vozes mais críticas.
Comportamento exemplar o do BdeP - não acham?

17 comentários:

  1. Quando, com a entrada do Euro, o Banco de Portugal se viu afastado de metade das suas funções, a de autoridade monetária, seria de esperar que se concentrasse na outra metade, a de autoridade reguladora do mercado bancário. Dizem as más línguas (injustamente, de certeza) que se o Vitor Constâncio percebesse ou quisesse perceber alguma de banca era o que teria acontecido, como aconteceu com o Jaime Caruana no Banco de Espanha.
    Acho muito injusto que se venha dizer que o BCP emprestava a empresas off-shore, às escondidas, para a compra de acções próprias. Na realidade, o BCP publicitava a todos os seus clientes, off-shore e in-shore, que emprestava dinheiro para compra das suas acções e as aceitava como colateral do empréstimo. Portanto, não venham dizer agora que era uma coisa escondida. Nunca foi. E para quem sabe os mínimos dos mínimos de banca, tal situação é pura arbitragem de capital que, não violando nenhuma lei à data, seria exactamente para o qual serve o poder do BdP, para manter a solvência do sistema.
    Se este comportamento é, como diz bem, exemplar é porque é o perfeito exemplo daquilo no que o Banco de Portugual se tornou desde o euro, num grande e caro zero!

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  2. Anónimo15:52

    Caro Dr. Tavares Moreira, ao ler o seu post o pensamento fugiu-me rapidamente para a Luanda de 1991, o ano de paz. Nessa altura o governo angolano aboliu a pena de morte e suavizou bastante a moldura penal da generalidade dos crimes contra as pessoas. Simultâneamente estes mesmos crimes aumentaram bastante, sobretudo os roubos na via pública que se tornaram, efectivamente, banais, mas também os assassinatos pelos motivos mais futeis, incluindo para levar a cabo assaltos. À memória de há tantos anos já escapam alguns pormenores portanto eu não me lembro exactamente se foi o comandante da polícia, se foi o governador provincial de Luanda, mas foi um destes dois, deu uma ordem brilhante. Ora, já que os tribunais não podiam mais decretar a pena de morte, tinha que se contornar esse obstáculo portanto nada mais fácil. Os policias podiam matar, fosse na rua, fosse nas esquadras, e não se levavam os detidos a tribunal. Fácil, rapido e expedito.

    Ora, as autoridades intermédias, rudimentares, claro, de Angola darem uma ordem destas, ainda que insólito, absurdo, demonstrativo da mais perfeita falta de noção sobre o que são a lei e os principios do estado de direito, ainda que triste na essência, não pode deixar de fazer aflorar um sorriso condescendente. Já o Banco de Portugal fazer exactamente o mesmo - actuar ao arrepio da lei, condenando e aplicando a sentença sem hipotese de defesa e processo justo - é algo imperdoavel e que raia o surreal. Ou então não. Se calhar não é surreal, sendo tão só e apenas mais um dos muitos sinais que demonstram o manicómio gigante em que este país se tornou.

    Portugal estar na Europa não é, realmente, mais do que um mero acidente geográfico da mãe natureza.

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  3. Eu diria mais:

    Há coisas fantásticas não há?!

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  4. Conhece um execrável panfleto, promotor do desrespeito pelo trabalho, em que o personagem Snoopy, vai variando de comportamento e emoções, em função do dia da semana?

    Jorge Coelho no Quadratura do Círculo de ontem, acerca do BCP, parecia o Snoopy à sexta-feira. (sem intenção de ofender ninguém)

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  5. Conheço o Snoopy mas mal, caro CCz, e não sou espectador habitual do programa televisivo que refere...nãp posso ajudar muito, assim, mas imagino as acrobacias que terão sido feitas para tentar justificar o injustificável...

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  6. Nesta enorme trapalhada em que se transformou o ,durante muitos anos respeitabilissimo,BCP o BdeP tem vindo a assumir um indesejável protagonismo.
    A situação descrita pelo Dr Tavares Moreira remete-nos ,de facto,para um sistema bancário tipico dos tempos do farwest americano,tão bem tratado na b.d. do Lucky Luke,em que para além do heroi e dos Dalton também existe a figura mitológica do juiz Roy Bean.
    Um magistrado de b.d.,mas inspirado em factos reais,que tinha uma concepção muito particular de justiça.
    Que aplicava á sua maneira e conforme as circunstâncias.
    O problema é que o BCP não é o farwest,Berardo não é Lucky Luke (embora tenha muita sorte)e Jardim Gonçalves,Filipe Pinhal e outros administradores não são os irmãos Dalton,embora Constâncio esteja convencido que é o juiz Roy Bean !
    E dai os disparates proferidos,as decisões ilegais( e injustas) e o BdeP a ser jogador onde devia ser árbitro isento.
    Constâncio,que na politica foi um fracasso,tem passado os ultimos anos a actuar como comissário politico do PS no BdeP.
    Basta recordar a forma como avalia crises e déficits consoante o governo é do PS ou do PSD.
    Nunca,na sua secular História,o BdeP terá tido um governador que em tão pouco tempo prejudicasse tanto uma instituição conhecida pela sua respeitabilidade e indepêndencia.
    Mais um problema que o PSD um dia terá de resolver..

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  7. Caro Tonibler,

    Apenas para seu esclarecimento, a concessão de crédito por um Banco para compra de acções emitidas por esse mesmo Banco é tipificada no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras a que me referi neste post como "realização fraudulenta de capital social".
    E constitui mesmo a 3ª infracção mais grave no elenco das 18 infracções especialmente graves tipificadas nesse normativo.
    Pode consultar o artigo 211º, alínea (c) do mencionado Regime Geral.
    De facto, nesse caso não existe qualquer capital realizado, pois é o próprio Banco que fornece os fundos para a sua suposta realização.
    Creio que não será esta a melhor solução, no plano técnico, para essa situação mas é a que a lei consagra...
    E por causa dela posso informa-lo de que muitos dirigentes de PEQUENAS instituições de crédito foram punidos, duramente, pelo Banco de Portugal - por concederem alguns escassos milhares de euros de crédito a sócios/associados para subscreverem capital social...
    No caso do BCP a concessão de crédito para essa finalidade, atingiu todo o País, abrangeu milhares de clientes, centenas de milhões de Euros, totalmente publicitada...e o BdeP não reparou?!...

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  8. Caro Tavares Moreira,

    Por isso disse que estarem a falar de off-shores agora é injusto. O BCP fê-lo às claras para todos os seus clientes, por carta assinada pelo próprio Jardim Gonçalves, ao que me lembro. Não sabia se na altura já haveria legislação para impedir tal coisa, mas isso seria irrelevante porque o BdP tem poder para, em caso de suspeita de perigo de insolvência, fazer o que lhe dá na gana. Não o fez porque não percebe nada disto e isso é o que toda a gente neste caso, aparentemente, ainda não quis dizer.

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  9. Caro Tonibler,

    Como terá reparado pela informação dada no post, a legislação já existia, é de 31.12.92, embora não se possa dizer que seja impeditiva destas práticas - é punitiva, ou devia ser punitiva.
    O que se conclui agora é que nalguns casos a punição foi aplicada, noutros - porventura muito mais graves, notórios e perfeitamente verificáveis à vista desarmada - a punição ficou esquecida...
    Critérios insondáveis,que só os Deuses entenderão...

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  10. Os Deuses devem estar loucos, Caro Tavares Moreira.....:-))) ...(há muito tempo !)

    Pouco sei de Gestão do Conhecimento. Mas a propósito destas "andanças" CGD-BCP, lembrei-me desse conceito.
    Fica a ideia ....

    os meus cumprimentos.

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  11. CAro Tavares Moreira,

    A ouvir hoje o telejornal soube que o BdP abriu hoje processos de ordenação aos membros da administração do BCP e argumentou que o caso dos off-shores é novo. Não só são burros, como fazem questão de se orgulhar disso.

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  12. Caro Tonibler,

    A procissão ainda vai no adro, vai verificar, como eu, que grande parte dessas infracções, que eram do conhecimento público e agora adquirem o estatuto de NOVAS, se encontram prescritas.
    Encontrando-se prescritas, significa que o procedimento contraordenacional agora anunciado não tem suporte legal, sendo forçoso o arquivamento respectivo quando chegar o momento de decidir entre acusar ou arquivar.
    Apercebo-me que nos encontramos perante um exercício de cinismo de proporções dificilmente imagináveis...

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  13. Querer saber os fundamentos desse cinismo, talvez seja ambicioso ou indiscreto ...

    Mas pergunto, num País Democrático, em que se verifique o rigoroso cumprimento das leis, pelas instituições, o que aconteceria ao responsável, que deixou prescrever este tipo de infracção ?

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  14. Pèzinhos n'Areia,

    Eu não estou certo do que vai acontecer ao(s) personagem(ens) que refere, estou certíssimo...nada, mas mesmo nada.
    Talvez tenham um prémio de gestão anual reforçado, porventura, mas não mais do que isso.
    Admito que Tonibler tenha resposta mais eloquente a essa questão.

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  15. A situação da interferência governamental do socratismo socialista no BCP não tem de ser consentida sem luta:

    http://doportugalprofundo.blogspot.com/2007/12/revolta-dos-accionistas-e-clientes-do.html


    A luta por um Portugal mais livre e mais próspero deve motivar o nosso empenhamento.

    Em vez das palavras, o caso pede acção...

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  16. Caro António Caldeira,

    A forme de "luta" que propõe em seu blogue, com o devido respeito afigura-se-me ineficaz.
    Poderão aderir 1/2 dúzia de cidadãos a esse movimento e depois?...fica tudo na mesma.
    Sabe que os nossos concidadãos de há muito que aprenderam a separar o coração e a carteira, não são muito receptivos a tomar iniciativas que envolvam movimentos de carteira por motivos afectivos...
    Compreendo o vosso estado de espírito, mas julgo que haverá formas porventura mais eficazes de exprimir esse descontentamento no caso vertente.
    E por aqui me fico, com os melhores e amigos cumprimentos bloguísticos.

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  17. O Dr.Tavares Moreira fala que sabe e sabe muito. Contudo o que se está a passar no BCP é fruto da imcompetência do Goernador do BdP. De facto desde o inicio se sabia da forma irregulra como ocorreu o aumento de capital do BCP. Claro que teve a cobertura iplicita do bdP. Quando uma grande instiuição tem um problema de cumrimento de rácios o BdP tem um problema . No caso de uma uma pequena instituição incumprir, a instituição e os seus administradres têm um prolema com o BdP.
    Voltemos so BCP.
    A ida de Carlos Santos Ferreira da CGD para o BCP pode não ser compreendida. Mas será compreensivel que o admnistrador de um banco saia pra govrnador do BdP. Não seria normal, para evitar conflito de interesses que

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