quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Contado, ninguém acredita


Muitos acharão que é uma manifestação de grande transparência e enorme coragem deste governo.
Ao invés eu penso que é da mais pura e refinada demagogia. Refiro-me à resolução que o Conselho de Ministros aprovou hoje, com a qual pretende reduzir em 15 a 25% os prazos de pagamento aos credores do Estado em 2008, achando o senhor Ministro das Finanças que não é razoável admitir que o Estado relapso e mau pagador se regenere tão cedo.
Estes prazos vão, em média, para lá dos 150 dias (5 meses!). Note-se, porém, que quando se diz que o Estado e demais entidades públicas pagam para lá dos 150 dias, quer-se dizer que pagam com um atraso de mais do que 150 dias, sem qualquer encargo adicional.
Isto é, o Estado, boa pessoa por definição e natureza, incumpre o dever contratual de pagar pontualmente e de compensar pela mora, pagando os juros legais ou contratuais. Que o mesmo é dizer, enriquece injustamente à custa de quem o serve ou de quem o fornece. E quando assim não acontece, porque o prestador avisado faz logo repercurtir no preço o sobrecusto da mora, lança sobre todos nós mais um imposto que corresponde à soma de todos estes adicionais de custo.

Esta atitude do governo, para além de mandar às malvas as directivas comunitárias, as tais incondicionais e imediatamente preceptivas que fixam prazos de pagamento muito inferiores, acaba por configurar uma legitimação política do incumprimento.

Mais. Ao que parece, a dita resolução prevê incentivos a outras entidades públicas fora do controlo do Executivo, para que reduzam as suas moras, não para acabar com elas!

Contado, dificilmente se acredita que se aprovam medidas não para acabar com os incumprimentos mas para ... se incumprir menos!

Por isso, esperemos pelo Diário da República para ver se o absurdo se confirma.

Não seria dificil acabar com o Estado-Caloteiro.
Bastariam duas medidas, honestas.
Primeira. Que o Estado aplicasse a si próprio as mesmas regras que aplica aos seus devedores, sobretudo aos contribuintes.
Segunda. Só fosse, por lei, permitido adquirir quando a entidade pública adquirente cativasse no momento da contratualização da prestação, as verbas necessárias ao pagamento.
E não me objectem que as regras de transferência duodecimal e a disciplina da contabilidade pública o não consentem porque, nem umas nem outras serão consideradas vacas sagradas, intocáveis, se se entender que a boa-fé pública deveria prevalecer acima de tudo.

14 comentários:

  1. O Estado, melhor, os Governos,mais precisamente, a generaliidade dos governantes, actuam sem qualquer ética. Exigem para si todos os direitos,e esquecem todos os deveres. O que o Ministro diz é louvável, mas lembro-me que muitos já antes disseram o mesmo. Deveremos dar-lhe o benefício da dúvida? Creio que não, porque não referiu nenhuma medida, género das que o Ferreira de Almeida muito bem sugeriu. Assim, a coisa não passará de uma boa intenção, que entra por um ouvido e sai por outro.
    Falando mais sério, o pagamento atempado das dívidas do Estado constituiria, só por si, um excelente incentivo a alguma retoma económica. As empresas credoras ficam em dificuldades e atrasam pagamentos aos seus fornecedores, instalando-se um círculo vicioso de falta de liquidez que trava muitas iniciativas empresariais.
    Mas que importa isso aos todo poderosos Ministros, apenas preocupados com reuniões com os seus assessores de imagem, para saber o que vão dizer de manhã, à tarde e à noite na televisão.

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  2. Caro Dr. Ferreira de Almeida:
    O Estado não paga a tempo e horas porque os vários Ministérios e Organismos contraem encargos superiores aos seus próprios orçamentos.
    Por lei, os Organismos só devem contratar depois da despesa ter cabimento nos respectivos orçamentos; a realidade é que, devido à míngua dos orçamentos, fazem vista grossa a este princípio e é sempre a ir em frente que depois alguém há-de resolver…
    O melhor exemplo para ilustrar o que acabo de escrever é, sem dúvida, o da CML que como se sabe ultrapassou o seu orçamento.

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  3. Caro Ferreira de Almeida,

    Concordo consigo quanto à análise mas discordo das medidas. As "suas" medidas são de carácter técnico para um problema que não tem nada de técnico, reside antes no carácter e seriedade dos senhores que servem o estado. E isto só se resolve com mais (alguma) vergonha na cara.
    Por isso, proponho apenas a obrigatoriedade da publicação, todos os anos, dos prazos médios das dívidas no final desse ano.
    Ah, não dá, as dívidas não podem transitar de ano, por isso não há dívidas no final do ano!...

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  4. aPost ao comentário anterior:
    É claro que a lista, na internet, teria os prazos por organismo...

    Já temos os caloteiros das finaças, do Segurança social que, diz-se, deram resultados...

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  5. -Com tal práctica, não estará o estado a obrigar os seus fornecedores, a constituirem uma espécie de sindicato bancário, sem fins lucrativos, porque não cobram juros nem encargos, que permitem o estado financiar-se? Mais, ao emitirem facturas, não estão ainda por cima, a pagar IVA, sobre verbas facturadas mas não cobradas, por responsabilidade única do beneficiário do imposto em causa? Caso a emprega não consiga liquidar IVA ou outro imposto, culpa do estado, aceita esse mesmo estado tal justificação? Só uma pergunta, isto ainda é Portugal, ou já foi anexado pela Sicília?

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  6. Anónimo23:11

    Esta referência do António de Almeida à liquidação de IVA que incide sobre montantes não pagos pelo Estado é tão real que já fui dela vítima!
    É uma verdadeira violência ser compelido a pagar ao Estado o que se não cobrou do Estado!
    Aliás, já é uma injustiça não se poder compensar os montantes devidos por contribuições e impostos, com créditos sobre o Estado...

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  7. Só DOIS artigos, caro Ferreira d'Almeida? DOIS? Não o sabia um revolucionário...

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  8. Cara Suzana:
    Revolucionário, com dois artigos? Parece-me um exagero!...
    Veja o Tonibler: quase sempre reduz tudo a um, isto é, à expressão mais simples!...

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  9. Há um aspecto aflorado que verifiquei ser da maior importância.
    Os fornecedores, como sabem que só receberão cerca de um ano depois, aumentam logo os preços, para compensar a espera.
    Por outro lado, prosperam empresas, que considero parasitas, de "facturing", que compram as dívidas aos credores em maior necessidade, por valor muito inferior.
    Fui testemunha de casos em que, porque houve compromisso de pagar a 30 dias, o preço baixou 40%.
    Com esta medida, o governo pode baixar substancialmente a despesa...

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  10. Anónimo11:31

    Quase anarquista, Suzana, quase anarquista. Com vontade, por vezes de reduzir isto a um só artigo. De loja chinesa... ;)

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  11. A míngua de artigos tem a ver com a formação do legislador que, provavelmente, fará parte da nova escola "simplex". Quero com isto dizer que apenas consegue escrever duas linha e ponto final...

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  12. P.S
    Obviamente que o legislador nunca poderia ser o caro Drº Ferreira de Almeida, nada de confusões...
    :))

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  13. Anónimo12:30

    Ah bom! Impunha-se este último esclarecimento de Invisível. É que ate agora ninguém tinha reclamado da minha actividade legiferante. Nem mesmo o Tonibler! ;)

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  14. A minha pergunta para o ar é: para quando a lista de credores ao Estado?

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