domingo, 17 de fevereiro de 2008

Diz-me o que lês, ...

A ausência prolongada do 4R não foi por falta de leitura. Leituras houve e muitas. Compras de livros também houve, a um ritmo e a um custo de fazer chorar os saldos da conta bancária. O problema que eu colocava era o de saber qual o interesse dessas leituras para os meus caros amigos que se habituram a frequentar este espaço de opinião e debate. Arriscando, porque o silêncio poderia ser mal entendido, aqui vão em dose tripla.


É uma das mais lidas e mais influentes obras de Guizot no liberalismo europeu do século XIX. Redigida sobre as suas lições na Faculdade de Letras de Paris em 1828, 1829 e 1830, foram livro de cabeceira da intelectualidade europeia de oitocentos e fonte de inspiração para homens como, entre nós, Alexandre Herculano. Ousar falar de uma civilização europeia e a partir da sua história encontrar um sentido para a compreensão do seu lugar no mundo foi, para a época, como que um grito ouvido do Atlântico aos Urais, quando os estados europeus já fervilhavam de nacionalismos e de revoluções e a industrialização ganhava uma expressão tão generalizada que o idealismo da paz, da ordem e do progresso, não poderia ser mais que uma utopia. Hoje, com a declaração de independência do Kosovo, a leitura de Guizot e da sua Histoire Générale de la Civilisation en Europe, depuis la chute de l' Empire Romain jusqu'a la Revolution Française, poderá ser tanto uma atitude de refúgio, quanto de inquietude perante os desafios que o futuro continua a colocar à União Europeia.



Precisamente na altura em que Guizot proferia as suas lições no Quartier Latin, um jovem engenheiro saído da Escola Politécnica iniciava a sua colaboração no jornal Le Globe que veiculava as grandes ideias dos herdeiros do Conde Saint-Simon, entre eles o pai do positivismo, Auguste Comte. Michel Chevalier acabou por ser preso no rescaldo da Revolução de 1830 e de alguns dos seus escritos que afrontavam a ordem estabelecida. Saído da prisão o jovem engenheiro decidiu-se a fazer uma visita aos Estados Unidos, entre finais de 1833 com regresso em 1835. Das suas crónicas e apontamentos de viagem resultou esta obra em dois volumes cujo título, Lettres sur l'Amérique du Nord, não deixa revelar a visão de um engenheiro e, ao mesmo tempo, de um economista perante o desenvolvimento que a sociedade americana demonstrava. A descrição é de uma extrema riqueza e constraste com o que se passava na Europa, mas também com o descrito na mesma época por Alexis de Toqueville na sua já famosa obra, De la Démocratie en Amérique (1835 e 1840). Depois de ler as duas, percebe-se melhor o que representa essa América para dois visitantes europeus de formações tão distintas e de quanto é longínqua essa imagem de terra de promessas e de liberdade.
As cartas da América raramente foram referenciadas em Portugal. Porém, quando em 1842 Michel Chevalier publica o seu Cours d'Économie Politique sobre as lições proferidas no Collège de France em 1841, as suas ideias são discutidas no nosso país (Oliveira Marreca é um dos primeiros a citar e a promover o autor e a obra) e foi com os escritos desse autor - "debaixo do braço" escrevia mais tarde Anselmo de Andrade - que Fontes Pereira de Melo entrou em 1852 no Governo e no novel Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, inaugurando o primeiro programa económico liberal que a história nem sempre destaca. São histórias para serem contadas mais tarde e com mais detalhe do que o adequado a um postal que já vai longo.
Até lá...

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