Não sendo determinista, nem fatalista, reconheço que muitas pessoas nascem e vivem sem sorte. Hoje, a minha mulher mostrou-me uma fotografia de uma senhora empunhando orgulhosamente um bebé. Via-se que era uma reprodução de uma foto com mais de meio século. Senhora trigueira, mas bonita, com cabelos ondulados à época segurando uma criança de poucos meses, ricamente vestida, provavelmente tirada no dia do baptizado. A foto conseguiu captar um momento mágico em que o olhar da mãe, cheio de amor, de carinho e de alegria captava a atenção de um petiz com um olhar meio-esbugalhado. Perguntou-me: - Sabes quem é? – Não. Respondi. É a minha tia Ilda. – E a pequena? Não é uma rapariga! É um rapaz, o meu primo José Luís. Subitamente fiz uma revisão sobre o assunto. A senhora tinha falecido muito nova, há uns sessenta anos, durante a segunda gravidez. A história familiar revela que não foi bafejada pela sorte e muito menos pela felicidade, a que não foram alheios os maus tratos. O pai refez a vida, mas, incompatibilizado com os familiares, impediu qualquer relacionamento do miúdo com os seus parentes mais chegados. Quer o pai, quer a madrasta, nunca revelaram afectos por uma criança com grave problema de visão, traduzido no uso de óculos com as lentes mais grossas que já vi em toda a vida. Quando era miúdo cheguei a conviver com ele, apesar de ser “muito” mais velho do que eu. A memória que guardo dele é de um jovem muito triste, que falava baixinho e que andava sempre cabisbaixo, isolando-se de tudo e de todos. Não conhecia o seu passado, nem nada da sua família. Gostava muito de jogar dominó e ping-pong com ele, à noite, na Casa do Povo, porque era um dos poucos a quem conseguia ganhar, facto a que não devia ser estranho a sua péssima visão, já que não era uma grande espingarda no uso das raquetes. Ao fim de alguns anos deixei de o ver. Saiu da vila na companhia do pai, da madrasta e do meio-irmão. Sei que se casou e que vive para as bandas de Tábua numa pequena aldeola. Nunca houve qualquer aproximação com os familiares da mãe, apesar de alguns esforços nesse sentido. Mágoas antigas aliadas à privação já denunciada deverão explicar a situação. Enquanto congeminava nestes factos, a minha mulher explicava-me que a madrinha lhe tinha perguntado se não teria uma foto da tia Ilda. É que um grande amigo, o Só, pediu-lhe se não arranjaria uma foto, porque o Zé Luís tem uma grande mágoa em não ter conhecido a mãe, nem através de uma fotografia! Este lamento levou-a à procura de uma foto. A única que encontrou em casa foi tirada há mais de 60 anos em Nova Lisboa, na altura do baptizado. Fotografia pequena, mas que graças às técnicas de computorização, aumentou substancialmente de tamanho, sem perder qualidade, facto que irá permitir ser melhor observada por quem está praticamente quase cego. Ao fim de mais de sessenta anos o filho vai ver pela primeira vez a mãe, num momento íntimo, em que os dois olhavam um para o outro. Estou convicto que deverá ser a maior alegria da sua vida, porque poderá ver a mãe a acarinhá-lo e a dar-lhe amor. Amor que nunca sentiu, mas que agora vai ver pela primeira vez, antes que a escuridão chegue…
Caro amigo,
ResponderEliminarHá tempo que não lia algo tão triste. Só anseio que Deus faça justiça, se possível ainda neste mundo.
as lágrimas pairaram nos olhos e fez-se um "nó" na garganta.
ResponderEliminarHoje tocou-me, mais do que nunca, Prof. Salvador.
Há pessoas que não têm (mesmo) sorte nenhuma, nem felicidade.
É verdade.
Fico por aqui.....
Estou muito sensibilizada com o tema que propôs.
Bem Haja, Professor.
Ora bem... Eu sei que eu tenho um jeito, meio estúpido de ser e de dizer, coisas que podem magoar e ofender, mas cada um tem seu jeito...
ResponderEliminarhttp://www.youtube.com/watch?v=pREDswBOdeA
Socorri-me deste início de poema de Maria Bethânia, cantora que me atrai imensamente, pela força que brota da sua personalidade, porque aquilo que desejo comentar acerca deste seu post, caro prof. Salvador, pode à partida parecer estúpido.
A história, penso que real, nele retratada, lembrou-me aquela escrita ha 128 anos, pela escritora suíça Johanna Spyri, sobre a vida de uma menina orfã, Heidi. Esta menina simples, amiga de Marco, tinha apenas um familiar, o avô, rude que não a queria aceitar. Também fez uma amiga, Clara, uma rica menina da cidade, de 12 anos que era paraplégica. Clara, era rodeada de imensos cuidados e recebia uma educação aristocrática, Heidi, corria livremente pelos Alpes Suíços, na companhia de Marco e das cabrinhas e quando Clara a visitou e passou algum tempo na sua companhia, aconteceu o imprevisto (vamos lá, esquçam-se falsos pudores e chamemos-lhe milagre) e Clara soltou-se da cadeira de rodas e ensaiou os primeiros passos.
A força do amor e da amizade são incomensuráveis, quem poderá confirmar ou negar se o facto de as vontades da madrinha e do Só, não se conjugaram para satisfazer o desejo de uma alma amargurada por não ter podido embalar nos braços aquele filho amado?
Quem não estará desejoso que aconteça a recuperação milagrosa da visão do Zé Luis, quando lhe apresentarem a imágem da mãe, trocando de bom grado a cegueira do filho pela sua visão? Quem sabe se lá no assento etério onde Ilda aguarda pela reunião, não lhe tenha sido concedida essa graça?
Quem sabe...
A criança, pediu à mãe para ver Jesus Cristo e Ele apareceu...
Já vai a caminho...
ResponderEliminarEspero que ainda a receba hoje, Dia de Páscoa.
Bom Domingo de Páscoa para todos.
Caro Professor:
ResponderEliminarBelo presente de Páscoa, para nós e para o Zé Luís.
Boa Páscoa, caro Professor!...
Caro Professor Massano Cardoso
ResponderEliminarBem haja pelo gesto tão bonito e ainda mais bonito num tempo de Páscoa.
Já deve ter chegado! Não consigo imaginar o que poderá ser, depois de sessenta anos passados e de uma vida tão triste, o encontro do Zé Luís com a sua Mãe. Nunca estamos preparados para estas histórias de vida...
Tocante, meu caro Professor. São estes casos que nos permitem relativizar os nossos insucessos, as nossas tristezas...
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