Vou com demasiada frequência a Lisboa. Apesar de gostar imenso da cidade, começo a ficar cansado e mesmo irritado devido ao corrupio meio enjoativo e, sobretudo, à obscena força centrípeta que aumenta de ano para ano. Tudo, ou quase tudo se passa na capital e, por dá cá aquela palha, um sem número de problemas requer a deslocação, não obstante todo o aparato e força das novas tecnologias. Muitos serviços continuam a ser sugados pelos vorazes aspiradores da cidade de Ulisses.
Sempre que posso vou e regresso no mesmo dia. Quando tenho que ficar de um dia para outro, aproveito a oportunidade para conviver com alguns amigos.
Um deles, sabendo que não ia regressar nesse dia, convidou-me para jantar e discutir alguns assuntos de trabalho. Perguntou-me se queria peixe ou carne. Nem hesitei e quase que lhe gritei: - CARNE! Olhou para mim, mas antes que dissesse alguma coisa expliquei-lhe o porquê de tão intempestiva resposta. Ao almoço tinha comido uma espetadazita de tamboril entremeada com dois minúsculos camarões e como já eram quase 21 horas estava mesmo esfomeado. Foi então que pilotou o carro em direcção a um excelente restaurante.
“Arroz de pato” e “cabrito”, verdadeiramente deliciosos, proporcionaram-nos uma excelente refeição.
Enquanto esperávamos pelos pratos, comecei com o meu velho hábito de “análise” das pessoas. A três mesas à nossa frente, dois senhores bem aparentados, distintos, mas já idosos regalavam-se com a comida, bebendo champanhe, “Moet & Chandon”. Nada de especial, a não ser o comportamento de um deles que revelava sinais de alguma demenciação. A postura, a forma como comia e utilizava os utensílios, desastradamente, levou-me a pensar sobre quem seria a pessoa e quem é que o tratava. O seu companheiro de mesa, apesar de não ter os mesmos sinais, pouco ou nada se incomodava, estando mais preocupado em despejar flûte atrás de flûte revelando um estranho prazer a que não seria estranho uma eventual dependência. De repente, o “demente” pega na “lamparina”, que estava apagada, à sua frente, levanta a parte de cima com o pavio e retira uma pequena botija de “petróleo”, ou lá o que era, que estava no seu interior, e começa a despejar como se fosse um recipiente de azeite gotas atrás de gotas para o prato temperando-o. Fiquei de boca aberta, porque o seu amigo não fez nada perante este quadro, não sei se por distracção – estava a despejar mais um –, ou por pensar que aquilo era o azeite ou o vinagre. Agarrei na lamparina que estava à minha frente, retirei a botija do seu interior e verifiquei se aquilo largava gotas. Largava mesmo e não era pouco. Fiz sinal ao gerente e expliquei-lhe o que tinha acontecido. Respondeu-me que eram clientes de longa data mas o tal senhor andava muito mal com problemas da cabeça. - Isso vi logo. - Olhe, o melhor é ir lá e retire-lhe o prato a pretexto de qualquer coisa. E assim foi. O gerente ficou agradecido e começou a conversar connosco sobre o senhor, que conhecia há mais de vinte anos. Contou-nos que era dono de uma fortuna incalculável e de vastíssimos terrenos junto a Lisboa e não tinha filhos. - Tanto dinheiro e com uma cabeça assim! - Pois é!
Passado algum tempo, o senhor pede um palito, tira a placa, coloca-a em cima da mesa e começa a palitar os dentes que lhe ainda restavam.
Quando dou por ela, já tinham ido embora. Foi quando o simpático gerente nos disse: - Sabem? O senhor vive para os lados de Loures e foi a conduzir sozinho. – O quê? Aquele homem conduz?! Mas como é que pode ser? Mas como é que vai conseguir dar com o caminho? Eu pensava que estava com o amigo!
Confesso que fiquei perturbado e um pouco incomodado com esta forma de “pobreza milionária”…
Sempre que posso vou e regresso no mesmo dia. Quando tenho que ficar de um dia para outro, aproveito a oportunidade para conviver com alguns amigos.
Um deles, sabendo que não ia regressar nesse dia, convidou-me para jantar e discutir alguns assuntos de trabalho. Perguntou-me se queria peixe ou carne. Nem hesitei e quase que lhe gritei: - CARNE! Olhou para mim, mas antes que dissesse alguma coisa expliquei-lhe o porquê de tão intempestiva resposta. Ao almoço tinha comido uma espetadazita de tamboril entremeada com dois minúsculos camarões e como já eram quase 21 horas estava mesmo esfomeado. Foi então que pilotou o carro em direcção a um excelente restaurante.
“Arroz de pato” e “cabrito”, verdadeiramente deliciosos, proporcionaram-nos uma excelente refeição.
Enquanto esperávamos pelos pratos, comecei com o meu velho hábito de “análise” das pessoas. A três mesas à nossa frente, dois senhores bem aparentados, distintos, mas já idosos regalavam-se com a comida, bebendo champanhe, “Moet & Chandon”. Nada de especial, a não ser o comportamento de um deles que revelava sinais de alguma demenciação. A postura, a forma como comia e utilizava os utensílios, desastradamente, levou-me a pensar sobre quem seria a pessoa e quem é que o tratava. O seu companheiro de mesa, apesar de não ter os mesmos sinais, pouco ou nada se incomodava, estando mais preocupado em despejar flûte atrás de flûte revelando um estranho prazer a que não seria estranho uma eventual dependência. De repente, o “demente” pega na “lamparina”, que estava apagada, à sua frente, levanta a parte de cima com o pavio e retira uma pequena botija de “petróleo”, ou lá o que era, que estava no seu interior, e começa a despejar como se fosse um recipiente de azeite gotas atrás de gotas para o prato temperando-o. Fiquei de boca aberta, porque o seu amigo não fez nada perante este quadro, não sei se por distracção – estava a despejar mais um –, ou por pensar que aquilo era o azeite ou o vinagre. Agarrei na lamparina que estava à minha frente, retirei a botija do seu interior e verifiquei se aquilo largava gotas. Largava mesmo e não era pouco. Fiz sinal ao gerente e expliquei-lhe o que tinha acontecido. Respondeu-me que eram clientes de longa data mas o tal senhor andava muito mal com problemas da cabeça. - Isso vi logo. - Olhe, o melhor é ir lá e retire-lhe o prato a pretexto de qualquer coisa. E assim foi. O gerente ficou agradecido e começou a conversar connosco sobre o senhor, que conhecia há mais de vinte anos. Contou-nos que era dono de uma fortuna incalculável e de vastíssimos terrenos junto a Lisboa e não tinha filhos. - Tanto dinheiro e com uma cabeça assim! - Pois é!
Passado algum tempo, o senhor pede um palito, tira a placa, coloca-a em cima da mesa e começa a palitar os dentes que lhe ainda restavam.
Quando dou por ela, já tinham ido embora. Foi quando o simpático gerente nos disse: - Sabem? O senhor vive para os lados de Loures e foi a conduzir sozinho. – O quê? Aquele homem conduz?! Mas como é que pode ser? Mas como é que vai conseguir dar com o caminho? Eu pensava que estava com o amigo!
Confesso que fiquei perturbado e um pouco incomodado com esta forma de “pobreza milionária”…
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarA "pobreza milionária" que nos relata, confesso que às vezes me dá que pensar.
ResponderEliminarTenho um vizinho, mais ou menos de oitenta anos, que sofre de alucinações (eu chamo-lhe alucinações, não sou médico) e vive sózinho, apesar de ter uma filha.
Todos os dias, invariavelmente, oiço-o a "berrar" ao genro: não fazes nada, vai trabalhar malandro...e um pouco depois diz, estás a rir de quê?
De tanto o ouvir já interiorizei que, prefiro a morte, a um estado de demência. Assim pudesse eu optar!
Caro Professor M. Cardoso,
ResponderEliminarPenso que não subsitem dúvidas acerca de quanto o estimo e aprecio os seus textos e o conteúdo humanístico com que os recheia.
Posto isto, com toda a minha sinceridade, permito-me, num registo absolutamente de brincadeira, hironizar um pouco.
Colecença, (até porque suspeito que aforma como por vezes comento, levará os nossos autores e comentadores a atribuir-me algum grau de loucura, no problem a all, ao longo de 52 anos de existência habituei-me ao facto).
"São os loucos de Lisboa", permita-me a inconveniência, acho que devia ter sido este o título do post.
Segue-se uma questão:
O caro Professor termina com a frase; Confesso que fiquei perturbado e um pouco incomodado com esta forma de “pobreza milionária”…
Pois olhe, eu pensei que fora a falta de capacidade para gerir os actos que fariam perigar a segurança do "louco" e/ou de terceiros, que lhe tivessem gerado a perturbação, pois meu caro Professor, apesar de demente, o caro senhor do restaurante, ainda possuía a capacidade económica que lhe permitiam alimentar-se bem e "regar-se" ainda melhor, contrastando com uma larga fatia dos idosos do nosso país que não sendo, ou sendo portadores de demência, não possuem os proventos necessários para alimentar os débeis corpos. Isto, sem considerarmos a hipotese de num futuro próximo, provávelmente, acabarmos todos por sofrer de demência, mais ou menos profunda, sem que, seguramente tenhamos um Moet-zinho, para nos refrescar a cavidade bocal.
Uma ultima observação... carne ao jantar, caro Professor?
Ai...ai...ai...
;)))