sexta-feira, 25 de julho de 2008

Desendividem-se? Mas como?!

A propósito da recente divulgação de um desempenho muito abaixo do esperado da economia portuguesa no corrente ano e dos factores que condicionam o nosso crescimento, ouviram-se diversas vozes de recomendação quanto à necessidade de reduzir o endividamento ao exterior.
Entre todos, cabe referir o comentário do Presidente da República, cheio de sensatez, sobre a necessidade de vivermos mais de acordo com os nossos recursos.
Estes comentários e recomendações dirigem-se sobretudo ao endividamento excessivo das Famílias, embora tanto o Estado (em especial se considerarmos o conceito de SPA – Sector Público Alargado) como as Empresas mostrem também elevados índices de endividamento.
A economia portuguesa precisa, ou diz-se que precisa, de uma cura a que os ingleses chamariam de “deleveraging” – redução dos níveis de dívida.

Poderei dizer, em relação a estas tomadas de posição, o seguinte: muito bem, é preciso reduzir o endividamento, mas como é que isso se faz?
Esta interrogação é justificada pois, dos vários pronunciamentos conhecidos, não encontrei um só apontando o caminho para a redução da dívida – apenas sabemos que tal é necessário...
E é bom que se diga que aquilo a que estamos a assistir e vamos continuar a assistir é precisamente o contrário: estamos até a acelerar o ritmo de endividamento ao exterior, este ano e no próximo pelo menos, com o considerável alargamento do défice corrente.
A dívida externa entrou já no caminho da auto-alimentação, não pode parar de crescer. Isto é de fácil conclusão quando verificamos que a dívida aumenta este ano cerca de 6% do PIB só por efeito dos encargos que ela própria gera...
Como por outro lado nós não somos capazes de exportar bens e serviços em valor equivalente – bem longe disso – ao que importamos, temos aí mais um factor de crescimento da dívida...
Tudo junto, estamos a falar de qualquer coisa como 15% do PIB este ano e também no próximo.
Temos depois para amenizar a situação as transferências correntes e de capital, susceptíveis de gerar uma entrada líquida de pouco mais de 3% do PIB.
A dívida cresce assim cerca de 12% do PIB/ano, no actual contexto.
O cenário irá repetir-se nos próximos anos, apesar dos apelos patrióticos ao desendividamento que vamos ouvir porventura com intensidade e frequência crescentes.
Decisões como a de lançar o Programão de obras públicas contribuirão para agravar – e de que maneira – este cenário.

O maior problema colocar-se-á provavelmente em 2013, se não for antes, quando terminar o Quadro de Apoio em vigor e já não pudermos contar com os capitais disponibilizados pela U.E.
Nessa altura, os apelos ao desendividamento vão provavelmente tornar-se quase lancinantes...
Tal como hoje, caberá perguntar aos autores desses apelos: desendividem-se? Mas como?!

16 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderEliminar
  2. Caro Tavares Moreira
    Estou há três anos a estudar um modelo de "desenvidamento" das familias, que visa reduzir para 1/3 os custos com habitação e educação e ainda tem o mérito de dinamizar o interior do território português.
    Tenho o projecto publicado em http://iregions.org opção "Novos Povoadores"
    Gostava muito de ter o seu contributo.
    O meu mail consta no meu perfil.

    Aceite um abraço


    Frederico

    ResponderEliminar
  3. "Poderei dizer, em relação a estas tomadas de posição, o seguinte: muito bem, é preciso reduzir o endividamento, mas como é que isso se faz?"

    "os apelos ao desendividamento vão provavelmente tornar-se quase lancinantes...
    Tal como hoje, caberá perguntar aos autores desses apelos: desendividem-se? Mas como?!"

    Caro Amigo,

    As suas perguntas são também as minhas dúvidas.

    E, no entanto, segundo o último relatório do FMI, a banca portuguesa tem uma situação sólida e o supervisor tem realizado bem as suas funções. Mas os portugueses estão há muitos anos a viver acima das suas possibilidades, ainda segundo o mesmo FMI.

    Há nestas conclusões do FMI, parece-me, uma contradição insanável a menos que se admita que os credores das famílias endividadas não são, sobretudo, os bancos.

    Se não são os bancos, quem são?

    Se são os bancos, admitindo que o FMI mais uma vez está a ver mal, parece que deveria competir ao supervisor tomar medidas.

    Ou não?

    ResponderEliminar
  4. Pois... ainda hoje, ao final da tarde, ouvi uns comentários (de Luís Delgado)na Antena 1 que sugeriam a possibilidade de falência de um banco português.
    .
    Sugestão grave que não deveria ser mencionada de ânimo leve.
    .
    ccz

    ResponderEliminar
  5. Caro Tavares Moreira,

    Até ver, as famílias endividam-se para aquilo que acham que precisam. Quando deixam de pagar, torna-se um problema para o credor resolver que já está a contar, no seu negócio, com a forma de resolver. Neste aspecto estamos a falar de um mercado livre, com a alavancagem limitada e, por isso, não vejo que por aí venha mal ao mundo.

    Caro CCz,

    Os bancos em Portugal não vão à falência, são absorvidos. E aquilo que o Delgado diz, se se está a referir àquilo que eu estou a pensar, é uma grotesca estupidez. Coisa que também não admira niguém, acho.

    ResponderEliminar
  6. Caro Tavares Moreira,

    Aqui ficam umas humildes sugestões:

    1) Retirar das deduções ao IRS os juros do crédito à habitação.

    2) Reduzir a duração máxima dos empréstimos à habitação para 25 anos.

    3) Pôr em todos os testes de matemática do ensino obrigatório uma perguntinha sobre empréstimos, juros, etc...

    Cumprimentos,
    Paulo

    ResponderEliminar
  7. Caro frederico Lucas,

    É muito louvável o seu esforço de busca de um modelo de desendividamento.
    Infelizmente, meu Caro, o crescimento do endividamento prosseguirá sua marcha triunfal até ao dia em que o mercado decidir, de forma abrupta como é habitual, colocar-lhe um travão que nos vai deixar perfeitamente "às aranhas"...

    Caro Rui Fonseca,

    Nessa matéria, o FMI é habitualmente "biassed"...e mais não digo.
    Para viverem, os bancos, por muito difícil que seja, tentarão sempre aumentar o crédito, aceitando riscos crescentes.
    Não comento o trabalho do chamado "supervisor".

    Exactamente, Tonibler, mas não esqueça que por trás dos credores das Famílias Portuguesas existem os credores desses crdores...para os quais não é indiferente a qualidade dos activos detidos pelos seus devdores directos...

    Caro Paulo, suas sugestões não são apenas humildes, são sensatas, mas repare que está a ser feito tudo exactamente ao contrário do que sugere!

    ResponderEliminar
  8. Caro Dr. Tavares Moreira,
    Acredito que temos todos que fazer algo, ainda mais para quem queira sair do ciclo de endividamento.
    Por outro lado, as assimetrias regionais - tão típicas dos países subdesenvolvidos - merecem a nossa atenção.

    Pretendo dizer com isto que não aceito que reste, à sociedade portuguesa, aguardar pelo momento de ausência de liquidez.

    Faltou-nos, em todos os momentos da história recente, a capacidade de olhar a médio prazo. E ambos sabemos o que vai suceder.

    Será que deveremos começar hoje a trilhar um caminho no sentido do reequilibrio económico das familias e, no momento crítico que se aproxima, apresentar uma solução para quem a quiser agarrar, ou deveremos deixar esse assunto para resolver no apogeu da crise?

    O diagnóstico está feito. Não alinho na tendência de ficar por aí.

    ResponderEliminar
  9. O problema do desendividamento é muito sério. As pessoas adquiriram certos vícios, alguns deles só atingíveis, através do recurso ao crédito. É muito difícil fazer com que as pessoas percam esses hábitos.

    Quanto ao crédito habitação, não julgo que deva ser prejudicado. Penso que a solução deve passar por benefeciar arrendatários. O principal flagelo, éo crédito ao consumo. São os carros, as televisões, os cartões de crédito. Esse sim são os verdadeiros problemas. Não são "necessary goods", no entanto adquiriam esse estatuo na nossa sociedade super endividada. A solução passa por restringir anuncios publicitários, considerando-os como indesejáveis e só podendo ser anunciado fora do horário nobre das televisões, obrigar a tornar mais claros os modos de prestação, etc...

    Quanto ao governo, penso que o exemplo deve partir de cima. O TGV não faz falta nenhuma e o PM que se deixe de conversas. A agenda das pessoas não se altera por meia hora a menos no comboio. Esse senhor que se deixe das conversas das cooperações estratégicas, do choques tecnológicos e da mania das grandezas. Como diria Medina Carreira " Somos um país de pobres, com vícios de ricos"

    ResponderEliminar
  10. Caro Frederico Lucas,

    "N�o alinho na tend�ncia de ficar por a�...o que quer significar com isso, exactamente?
    Sabe que a nossa boa vontade, sendo positiva num plano asc�tico, de nada vale para contrariar esta tend�ncia feroz para o endividamento?
    Digo-lhe que "ficar por a� at� j� seria muito bom, porque a d�vida n�o vai ficar por aqui...

    Caro Andr�,

    Medina Carreira � das poucas pessoas que analisa este tema com alguma lucidez.
    Os respons�veis pol�ticos, como sempre, s� reagir�o quando chegar o momento de tocar rebate...
    Curioso, a este respeito, um artigo recente de Wolfgang Munchau no F. Times, a prrop�sito da crise em Espanha, que ele considera que est� a� para durar...

    ResponderEliminar
  11. Caro Dr. Tavares Moreira,
    Pretendo dizer que o diagnóstico não é suficiente para resolver o problema.
    E acho que nos cabe a todos procurar soluções.

    A proposta para salvar a Fannie Mae e Freddie Mac através de capital público, apesar de “louvável” não creio que tenho um final feliz: Parte-se do pressuposto de que o pior já passou.

    Nem todos os portugueses sobreendividados tem responsabilidades obvias na sua actual condição: Uma familia numerosa, com uma casa de 3 quartos e 3 infantários para pagar, como consegue reagir à queda de 30% do vencimento de um dos conjugues que vive da produtividade, no actual momento de desacelaração económica?
    É apenas um exemplo comum, muitas vezes confundido com consumo irresponsável.
    Para além disso, depois dos grandes investimentos em equipamento no interior do país, deitar tudo a perder parece-me derrotista.

    Por isso lancei o projecto “Novos Povoadores” apoio a todas as famílias, que por natureza da sua actividade (funcionários de organizações de âmbito nacional, empreendedores em actividades suportadas pelas TICs (Contabilistas, Tradutores, Consultores etc.) possam deslocalizar-se para o interior, e ainda para apoiar projectos de transferência de serviços para esses territórios como está a ser protagonizado pela PT e pela EDP.

    Não duvido que o projecto esteja ainda numa fase tosca, mas até agora não conheço melhor solução.

    Assim sendo, e independentemente de se reverem numa vida numa cidade do interior, tenho pedido para lerem o projecto e comentarem-no. Este projecto não tem condições para contratar o Dr. Tavares Moreira nem outros talentos de outras áreas da sociedade portuguesa que já dedicaram algumas horas a sugerir melhorias ao mesmo.

    Por isso lancei-lhe o desafio de o comentar.
    Podemos ou não explorar as oportunidades dos territórios lowcost nacionais?
    Quem entraves temos à aplicação em Portugal do conceito nearshoring?

    Aceite um abraço


    Frederico

    ResponderEliminar
  12. Caro Frederico, tenho muita pena mas o seu discurso sobre o inevitável (esvaziamento óbvio do interior do país) faz-me lembrar a luta de D. Quixote com os moinhos de vento...!

    Meu caro, faça algo muito simples, pergunte a quem por aí ainda sobrevive o que quer para os seus filhos...! A realidade não é como nós a sonhamos, é como é!

    ResponderEliminar
  13. Caro FS,
    Foi essa atitude que nos trouxe onde estamos.
    Se está do lado daqueles que nada fizeram deixe-me dar-lhe os parabéns: Conseguiram.

    ResponderEliminar
  14. Caro Frederico Lucas,

    É talvez altura de lhe dizer que nesta matéria do excesso de endividamento me sinto particularmente à vontade pois já há 9 anos,dei início a uma sucessão de intervenções públicas - que mantive durante mais de 4 anos - chamando a atenção para os tremendos erros de política económica que estavamos a cometer e que se reflectiam num desequilíbrio das contas com o exterior e que iriam condicionar gravemente o desempenho futuro da economia.
    E sabe que até o Gov/BP ironizou, de forma sarcástica, com esse tipo de preocupações (em seu discurso de posse, Fev/2000)? Dizendo que discutir o desequilíbrio da balança com o exterior, numa zona monetária como a zona Euro, era a mesma coisa que discutir a Balança de Pagamentos do Mississipi em relação ao resto dos USA?
    Poetanto, meu Caro, tivesse sido dada atenção ao problema em 1999/2000, não nos encontraríamos na situação em que nos encontramos.
    Mas, como vê, até a nível oficial a política de endividamento era não só prosseguida como defendida estrenuamente.
    E cotinua sendo prosseguida e defendida: quer melhor exemplo que o Programão, que o Gov/BP acaba de vir a terreiro para lhe oferecer seu aval técnico-financeiro?
    A convicção do erro e as cumplicidades de toda a ordem pesam demasiadamente nos hábitos/decisões desta gente, meu Caro, para que as coisas possam mudar...
    E isto é mesmo assim por muito boa vontade que exista da sua parte e de mais alguns cidadãos honestos, conscientes da gravidade do problema!

    ResponderEliminar
  15. Caro Dr. Tavares Moreira,
    Agradeço-lhe a resposta.

    Julgo que a falta de liquidez dos portugueses não pode ser vingada por actos menos nobres de alguns ex governantes.

    Sobre as funções do BP enquanto regulador, pouco ou nada posso dizer-lhe, por reconhecer a minha ignorância total sobre o tema.
    Suspeito no entanto da boa fé da banca ao sobrevalorizar sistematicamente os valores dos imóveis a financiar:
    - obtendo dessa forma um compromisso ad eternum de responsabilidade financeira com o seu cliente;
    - aumentando artificialmente o valor das suas garantias;
    - consequentemente, colocando o imobiliário a valores insustentaveis com o rendimento médio sobre o trabalho

    Foi impossivel para o regulador prevenir esta situação?!

    Sobre a nossa divergência: As famílias portuguesas têm o direito de atingir o equilíbrio económico. E neste momento, em Portugal, é difícil que o consigam.
    O rendimento médio das famílias é incompatível com os custos habitacionais e educacionais nas áreas metropolitanas. E é nessas áreas metropolitanas que existe trabalho. Logo, estamos a falar de um modelo de vida sem futuro, mas também sem aparente alternativa em território português.
    Por outro lado, as empresas precisam de reduzir custos para ganharem competitividade global.

    Se concordar com a sintese do meu diagnóstico, deduzirá o meu empenho na criação de um modelo de dinamização/exploração do território lowcost português.

    E pedi por isso ao cidadão Tavares Moreira, cuja experiência e a visão está muito além da capacidade de um colectivo alargado de economistas pelas funções e estudos em que participou, para me criticar nesse singelo modelo.

    Resta-me respeitar a sua indisponibilidade.

    Aceite um abraço de gratidão pelo tempo que me dedicou.

    Frederico

    ResponderEliminar