terça-feira, 22 de julho de 2008

Políticos e mensageiros ou de como só o espectáculo é notícia

Há pouco, ao telefone com o Pinho Cardão, comentávamos esta tendência para o espectáculo dos nossos políticos que aprenderam que podem dizer as coisas mais sábias que se não forem temperadas com um qualquer gesto espectacular não passam como mensagem. Ou proferir as maiores imbecilidades que se derem um bom sound bite é seguro fazerem notícia que quase sempre se fica pelo título. E falávamos também de gente que pensa bem e tem razão nas análises que faz, mas que tantas vezes se desacredita porque sente necessidade de enfeitar a razão com o espectáculo, quase sempre qualquer coisa pouco elevada, anedótica ou então desprimorosa para quem se discorda.
Terminada a chamada fui ler as novas do dia, inacessíveis na sala de audiências de onde, por exigências do ofício, não saio há duas jornadas. E uma delas fez-me pensar que, afinal, têm os políticos razão na fuga para o espectáculo.
O texto tem este título em letras garrafais "Ministra aplaudida de pé por autarca social-democrata". Admiti que ali havia mesmo notícia, pois nos tempos que correm aplaudir um ministro é coisa verdadeiramente rara. Ainda para mais, de pé! E, suprema novidade, aplaudida nem mais nem menos do que por autarca social-democrata!
Satisfeita a curiosidade com a leitura do texto, a notícia afinal era outra. E bem mais interessante e relevante do que o fait divers que o título prenunciava. Trata-se do registo de um anúncio feito pela senhora Ministra da Saúde da futura criação, numa zona pobre do interior como é Vila de Rei, de uma unidade de cuidados continuados. Uma inflexão, pois, da política de saúde, a benefício do interior. A atitude da autarca não foi mais do que a natural reacção de quem gosta e se interessa pela sua terra e manifesta a sua satisfação pelo que acontece de bom às suas gentes.
O mensageiro preferiu porém para título o gesto emotivo ao assinalável facto que lhe deu origem.
Com mensageiros destes, é de admirar que alguns políticos apostem na manipulação das emoções, que proliferem as agências de comunicação ou que a cada passo se apresentem para resolver problemas de "má imprensa" os profissionais da mediação comunicacional?

2 comentários:

  1. Caro Ferreira de Almeida:
    As notícias e, sobretudo, os títulos, poucas vezes relatam o substancial, para referirem o sensacional. Muitos meios de comunicaçãosocial e jornalistas tomam a parte pelo todo, ou generalizam indevidamente para o todo a partir da parte, outros tomam o essencial pelo acidental, muitos outros a causa pelo efeito, alguns mais ignoram o conteúdo para falar da forma. Por vezes vejo relatos de acontecimentos em que estive, em que sou levado a duvidar se lá estive efectivamente, por ter visto ou ouvido coisa diferente do que aparece relatado.
    Infelizmente, cada vez mais as notícias são elaboradas nos Gabinetes de Imagem e cada vez é menor o rigor informativo. Claro que há excepções,mas cada vez menos...
    No meio de tudo isto, ai de quem ousar criticar o que quer que seja publicado e logo se invoca a liberdade de imprensa, a questão sagrada do critério jornalístico, a censura, etc, etc.
    Distinguir a informação isenta da informação processada nos laboratórios de composição de imagem é tarefa difícil, mas cada vez mais temos que estar atentos, sob pena de comermos gatopor lebre...

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  2. Efectivamente, caro Dr. JM Ferreira de Almeida, é cada vez mais difícil encontrar uma notícia no panorama nacional que tenha uma estructura não-pro-show. Aliás, o espectáculo ainda é um problema de somenos importância, comparativamente com a ausência de rigor. Pegando na mesma notícia que sublinha, lemos no segundo parágrafo que a Sr. Ministra Ana Jorge, refere que no concelho existem seis lares para 4.000 habitantes. Tanto quanto sei, 4.000 é o número de habitantes recenseados... não me diga que estão todos internados... que grandes instalações devem possuir os 6 lares, ou será que funcionam em regime de lata de conserva?
    Esta coisa da prestidigitação tem muito que se lhe diga.
    Em minha opinião, mais valera que tivessem notíciado a XIX Feira de Enchidos Queijo e Mel que irá decorrer entre 26-7 e 3-8, com a participação de diversos artistas.
    E uma vez que os jornalistas apreciam tanto a manipulação e os trocadilhos, até podiam divagar e referir que nos festejos irão actuar o Jorge Palma que encostado à Agata, irá no final do concerto com o padre pá Borga...
    Ai aqueles enchidos que não me saem da lembrança...

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