A manicura que de vez em quando consegue fazer milagres das minhas mãos de jardineira-domingueira era, quando a conheci, uma jovem brasileira muito bonita, morena, de sobrancelhas grossas e cabelo preto, que destoava das suas colegas loirinhas e pálidas também por ser um tanto gorducha, ainda mal resolvidas as formas da adolescência. Quando fui lá uns largos meses depois ela estava com um ar muito abatido, a mexer-se com dificuldade na sua cadeirinha baixa e com uma faixa branca atada à volta do queixo, a dar um nó no alto da cabeça, como se tivesse um dor de dentes à moda antiga, quando se queria prender o cubo de gelo em cima da dor horrível. Perguntei-lhe a medo o que tinha, se tinha caído, parecia-me aquele aparato todo uma coisa bem estranha e além disso era impossível estender a mão com indiferença e deixar que trate de nós alguém que aparenta tanto sofrimento.
- Fiz umá lipó..., disse ela baixinho.
- Uma quê?, perguntei alarmada, aquilo soou-me a uma coisa grave, talvez lhe tivessem tirado os dentes, sei lá, mas pelo menos os da frente tinha, ou então tinha partido o queixo e havia um tratamento qualquer que eu desconhecia, pelo menos com esse nome.
- Umá lipó, insistiu ela carregando nas vogais, admirada como se eu tivesse caído da lua. -Vôcê sabe, não é?, tirei umas gordurinhas, aqui no queixo, também nas costas e nas cadeiras, uns retoques, ah, mas custa muito, não deu prá ficar em casa até passar, tive que trazer o pano por causa da cicatriz, ainda tá fresca, e aqui com o ar condicionado e os secadores não faz bem.
- Uma lipoaspiração? Tão nova? Mas não era gorda, uma dieta talvez fosse suficiente para se sentir melhor... , arrisquei eu, ainda abismada.
- Ai, isso não, ia levar um tempão, já viu, talvez um ano, assim foi melhor, custa um pouco mas é rápido!
Alguns meses depois, quem puxou a cadeirinha baixa para se sentar a tratar-me das unhas foi uma mulher magrissima, com óculos de massa escura e um ar de suburbana mal amanhado, a pele baça, madeixas no cabelo descolorado e uns brincos horríveis. Perguntei pela outra, a que costumava atender-me, e só quando vi o seu olhar espantado é que percebi que era ela, a brasileira pouco mais que adolescente que tinha feito a lipo.
- Não mi conhéce?, perguntou ela a rir, é por causa dos óculos, eu não usava, mas este trabalho cansa muito a vista.
Perguntei-lhe se estava contente com a sua nova imagem, assim tão magra, tinha ficado assim só com a operação? e ela suspirou fundo.
- Sim, é bom, mas não foi só da lipo, não, agora tenho que fazer uma dieta rigorosa p’rá não voltar a engordar, sabe? a lipó custa uma nota preta, tem que render, não dá para estragar...
Lembrei-me da manicura escanzelada e sofredora quando vi hoje num jornal um anúncio de uma clínica que promete vencer as marcas do tempo, “o que parecia impossível está agora ao alcance de todos”, perder duma penada as gorduras malditas, até nos joelhos!, mas desta vez sem cortes, nem dores, nem nada. Pim!, um ultra som e evapora-se tudo que é uma beleza. O mesmo jornal tinha um artigo algures a dizer que os investigadores brasileiros descobriram que a abominável e inútil gordura afinal tem muitas células estaminais, uma mina de ouro para outras aplicações médicas. É só uma questão de ser lipoaspirada para poder ser aproveitada, creio que na regeneração de tecidos...uma espécie de reciclagem, se bem entendo, não tarda nada começa a ser uma obrigação cívica ir aspirar gorduras para doar ao banco de células estaminais.
Há quem queira matar os sinais do tempo e quem não tenha tempo a perder, mas quem viu e quem vê a rapariguinha brasileira passar de morena gorducha a loiraça esquelética há-de concordar que às vezes era melhor que o tempo voltasse para trás!
- Fiz umá lipó..., disse ela baixinho.
- Uma quê?, perguntei alarmada, aquilo soou-me a uma coisa grave, talvez lhe tivessem tirado os dentes, sei lá, mas pelo menos os da frente tinha, ou então tinha partido o queixo e havia um tratamento qualquer que eu desconhecia, pelo menos com esse nome.
- Umá lipó, insistiu ela carregando nas vogais, admirada como se eu tivesse caído da lua. -Vôcê sabe, não é?, tirei umas gordurinhas, aqui no queixo, também nas costas e nas cadeiras, uns retoques, ah, mas custa muito, não deu prá ficar em casa até passar, tive que trazer o pano por causa da cicatriz, ainda tá fresca, e aqui com o ar condicionado e os secadores não faz bem.
- Uma lipoaspiração? Tão nova? Mas não era gorda, uma dieta talvez fosse suficiente para se sentir melhor... , arrisquei eu, ainda abismada.
- Ai, isso não, ia levar um tempão, já viu, talvez um ano, assim foi melhor, custa um pouco mas é rápido!
Alguns meses depois, quem puxou a cadeirinha baixa para se sentar a tratar-me das unhas foi uma mulher magrissima, com óculos de massa escura e um ar de suburbana mal amanhado, a pele baça, madeixas no cabelo descolorado e uns brincos horríveis. Perguntei pela outra, a que costumava atender-me, e só quando vi o seu olhar espantado é que percebi que era ela, a brasileira pouco mais que adolescente que tinha feito a lipo.
- Não mi conhéce?, perguntou ela a rir, é por causa dos óculos, eu não usava, mas este trabalho cansa muito a vista.
Perguntei-lhe se estava contente com a sua nova imagem, assim tão magra, tinha ficado assim só com a operação? e ela suspirou fundo.
- Sim, é bom, mas não foi só da lipo, não, agora tenho que fazer uma dieta rigorosa p’rá não voltar a engordar, sabe? a lipó custa uma nota preta, tem que render, não dá para estragar...
Lembrei-me da manicura escanzelada e sofredora quando vi hoje num jornal um anúncio de uma clínica que promete vencer as marcas do tempo, “o que parecia impossível está agora ao alcance de todos”, perder duma penada as gorduras malditas, até nos joelhos!, mas desta vez sem cortes, nem dores, nem nada. Pim!, um ultra som e evapora-se tudo que é uma beleza. O mesmo jornal tinha um artigo algures a dizer que os investigadores brasileiros descobriram que a abominável e inútil gordura afinal tem muitas células estaminais, uma mina de ouro para outras aplicações médicas. É só uma questão de ser lipoaspirada para poder ser aproveitada, creio que na regeneração de tecidos...uma espécie de reciclagem, se bem entendo, não tarda nada começa a ser uma obrigação cívica ir aspirar gorduras para doar ao banco de células estaminais.
Há quem queira matar os sinais do tempo e quem não tenha tempo a perder, mas quem viu e quem vê a rapariguinha brasileira passar de morena gorducha a loiraça esquelética há-de concordar que às vezes era melhor que o tempo voltasse para trás!
Excelente! Excelente!
ResponderEliminarUma bela nota que refere as mudanças absurdas que estamos a viver.
Loucuras atrás de loucuras. Novos valores, novas vaidades, novos negócios e sempre a velha estupidez humana! Sempre...
Suzana
ResponderEliminarVivemos tempos muito complicados. Às vezes assustadores...
A ideia de que a beleza tem uma marca e que é preciso andar à moda leva muita gente a fazer coisas impensadas, correndo riscos que não são devidamente avaliados e com custos que se revelam tantas vezes insensatos.
É natural que mulheres e homens queiram sentir-se bem, bonitos aos seus olhos e aos olhos dos outros.
É aqui que entra o negócio. Depois é um ciclo vicioso, não se sabendo quem comanda o quê. Vivemos tempos perigosos! Será que vale mesmo a pena?
Cara Dra. Suzana Toscano:
ResponderEliminarO objectivo desta sua manicura imigrante é um pouco estranho, quando comparado com os objectivos dos seus compatriotas que, regra geral, economizam para ajudar a família que ficou na favela… Bem, o que importa agora é que o corpo “danoninho” da moçoila não se desmanche quando o namorado lhe puser as manápulas em cima…
Temos que concordar que não é fácil resistir ao apelos dos escultores de “beleza”, como aquela clínica de nuestros irmanos que permanentemente nos entra portas adentro…
:)
Apesar de a argila que nos forma, apresentar texturas, densidades e cores diferentes, no fundo, não deixamos de ser mais um tijolo que compõe a grande parede... antes de nos desfazermos, é necessário que já esteja um novo no nosso lugar.
ResponderEliminarhttp://uk.youtube.com/watch?v=-bbQUDFkdsU&feature=related
Caro Bartoloumeu não imagina como, me soube bem, ouvir esta música. Fantástica !!!
ResponderEliminarMuito obrigada.
Mêmo bakana né cara pézinhos!?
ResponderEliminarE hoje, tantos anos depois, continua a fazer-nos crer que o mundo, as sociedades podem ser melhorados.
Não me esqueço de ouvir os ralhos da minha mãe porque a música estava alta demais e, que o meu quarto parecia uma casa de loucos...
hehehehehe
um "báráto", mêmo.... Bartolomeu...
ResponderEliminareheheheheh...
bejocas
Dizem que a música produz magia e aproxima as pessoas, a esta e ao Sr. Roger Waters, fico a dever este presente em forma de beijo que lhe retribuo com muito carinho, cara Pézinhos.
ResponderEliminar