As virtudes do vinho têm sido, nos últimos anos, divulgadas à exaustão. Não há dia que não surja uma notícia sobre os efeitos benéficos na saúde, apontando como responsáveis, entre outras, substâncias como os polifenóis e o resveratrol.
As doenças cardiovasculares são a principal atracção desta campanha, a que não devem ser alheios muitos produtores e industriais. Quanto mais venderem, mais lucram, além de oferecerem à população um meio profiláctico de preservar a saúde e prolongar a vida! Enriquecem as economias nacionais e evitam doenças. Nada mau.
Mas não se pense que esta ideia de o vinho fazer bem à saúde é de agora. Qual quê! Já tem muitos anos.
A este propósito, não queria deixar de comentar um interessante ensaio sobre “O Vinho na Medicina” da autoria de um português,
O autor, que era médico, dedicava-se à etnografia, facto que o levou a escrever um ensaio com o objectivo de demonstrar que o vinho é um importante elemento terapêutico em diversas doenças, chegando ao ponto de considerar esta hipótese como “revolucionária”.
Descreve exemplos curiosos, sobretudo das pessoas do Minho, que usavam, segundo o Padre
O ensaísta continua na sua longa lista de efeitos benéficos. Para aumentar a diurese, vinho verde e muito! Para tratar as diarreias e a obstipação, vinho. Para combater as dores do tubo digestivo, vinho. Para curar furúnculos e feridas exteriores, vinho. Em certos tipos de doenças cardíacas, nalgumas doenças infecciosas, incluindo blenorragias e enterites (!), nas bronquites e nas anginas, e sei lá que mais, vinho. Não há praticamente doença nenhuma que, na perspectiva de antanho, não possa ser tratada com vinho, excepto, talvez, as úlceras gastro-duodenais e o cancro do estômago, afirma o autor. No entanto, até nas úlceras, se o vinho for fraco ou traçado com água, os efeitos benéficos manifestam-se quase de imediato.
A apologia ao vinho é de facto extraordinária. O autor recomenda que toda a gente devia beber vinho, inclusive até as crianças. Deveria ser um imperativo nacional! Obviamente que descreve alguns cuidados a ter com a ingestão que deve ser moderada e adequada a cada caso e a cada tipo particular de afecção. Muitas vezes preconiza o uso de vinho fraco ou então misturado com água, em proporções adequadas.
A este propósito, vinho misturado com água, recordo que, em miúdo, nos decursos das brincadeiras com os meus amigos, ficar, naturalmente, com muita sede. Batia à primeira porta e pedia um copo de água. – Água? Nem pensar nisso meu menino! Espera um pouco que eu faço-te um refresco. Passados alguns minutos, era presenteado com uma generosa caneca de barro cheiinha de uma mistura de água e vinho a que juntavam um pouco de açúcar. Vinha mesmo a matar. Sabia tão bem! Noutras casas não me davam este tipo de refresco, mas sim um à base de groselha ou de capilé. Pessoalmente preferia o outro, mais saboroso e mais energético…
Daqui a alguns anos, quando os seres humanos andarem cheios de próteses, de fios, de mecanismos nanotecnológicos, implantes e órgãos artificiais, é provável que apareçam artigos, e as correspondentes notícias, a afirmarem que está provado, cientificamente, que as próteses duram mais, os fios não fazem curto-circuitos, os dispositivos nanotecnológicos são muito mais eficientes, enfim, que os doentes, para não falar dos sãos, viverão muito mais anos, caso bebam vinho! Espero que não digam: - Mas só do tinto!
Também fiquei a saber que o famoso professor Portman, que presidiu ao “Primeiro Congresso do Comité Internacional para a propaganda do vinho” (Lausanne, 1935), citou, na abertura do congresso, a seguinte frase de Mussolini: “O homem doente que bebe vinho chega a mais velho que o médico que lhe proíbe”. Nem mais. Não sei se o dito bebia vinho! Pelo menos não evita mortes violentas! Deve ser por isso que, ainda hoje, depois de muitos conselhos dietéticos, higiénicos e farmacológicos, lá vem, no final da consulta, a pergunta sacramental: “Senhor doutor, eu posso beber um copito de vinho?”. Ou não fôssemos portugueses e…portuguesas!
Vinismo – termo utilizado no Estado Novo em contraponto ao alcoolismo: “vício benigno e salutar”!!!...
Chegando ao capítulo XX do livro "Medicina Theologia" do qual possuo um exemplar que me foi gentilmente oferecido por um amigo muito querido, encontro no resumo do mesmo o seguinte: A bebedice he huma grande enfermidade, que nunca se cura com grandes remedios moraes, e difficilmente com os fysicos.
ResponderEliminarÉ ainda referido no inicio deste capítulo que é de lamentar o facto de a medicina apontar o vinho como o remédio capaz de curar muitas enfermidades, pois o autor encontra no vinho variadíssimos e letais venenos. Refere tambem que os autores de medicina aconselham u uso moderado do "tintol", citando Grillus que atribuia a sabedoria grega nos campos das artes e ciências, ao uso de vinhos de "bondosa" qualidade, tal como o superior engenho dos europeus, comparativamente ao dos povos setentrionais.
Bom, o capítulo é demasiado longo para que o transcreva na íntegra, contudo, no seu percurso, vão sendo apontadas citações e opiniões quer contra, quer a favor da ingestão deste licor-veneno-remédio.
Em minha opinião e dos velhotes lá da aldeia onde resido, um ou dois copitos acompanhando a refeição, não criam rãs na barriga, que é o que acontece se se optar por beber água... blahg, não deve ser nada simpático estarmos a conversar com alguem e saltar-nos da boca uma rã... verde... com aqueles olhos enormes e a língua de dois palmos a colar-se a uma mosca que eventualmente esteja poisada na testa do nosso interlucotor...
;))
Bebido quando o corpo "pede" e na justa medida é um bom antídoto para muitos males...
ResponderEliminarUm amigo meu escreveu assim uma das suas memórias:
"O meu pai era agricultor, trabalhava as terras habitualmente só, excepto nas cavas e colheitas em que rogava homens para o ajudarem.
Lembro-me que estes homens rogados trabalhavam de sol a sol, num esforço titânico, só possível devido ao efeito “analgésico” que o vinho servido, generosamente, de hora a hora, sempre no mesmo copo e a começar invariavelmente no homem mais velho, num sinal de respeito, tinha sobre os corpos doridos e cansados, de tanto se vergarem sob o sol abrasador a cavar a terra ou a ceifar o centeio imenso da seara grande."
Meus caros amigos
ResponderEliminarSubscrevo o Padre António Vieira, quando afirma: “aquele cordeal simples, medicado pela natureza para alegrar o coração humano”.
Já agora caro Jotac: é possível partilhar as memórias do seu amigo? É que pela amostra apetece lê-las tal como apetece saborear um copo de um bom vinho!
Caro Massano Cardos, a esse refresco de vinho, água - pouca!, só para "baptizar" - e açúcar, chamava o meu avô "sopas de cavalo cansado"...Gente rija, era o que era!
ResponderEliminarMeu caro Massano Cardoso,
ResponderEliminarAcabou de descobrir a solução dos problemas do médio oriente. Exportar vinho para arrefecer os tórridos ânimos...
Cumprimentos,
Paulo
PS: Cara Suzana Toscano, as sopas de cavalo cansado não levam água... são nacos de pão (ou migas) regadas com vinho e açúcar -- uma autêntica bomba calórica.
Caro Professor Massano Cardoso:
ResponderEliminarEstou-lhe muito grato pela atenção que dispensou ao meu comentário.
Vou convencer o meu amigo a juntar-se a este espaço e a revelar-nos mais algumas das suas memórias…