Tem dominado as atenções dos mercados nas últimas horas – tendo contribuído ontem para uma forte recuperação das cotações de acções de bancos e de construtoras, já parcialmente corrigida... – a notícia, divulgada no Domingo, da decisão do Governo americano de assumir o controlo dos dois principais intermediários do mercado de crédito hipotecário nos USA – a Federal National Mortgage Association e a Federal Home Loan Mortgage Corporation, mais conhecidas pelos “nick-name” de Fannie Mae e Freddie Mac respectivamente.
Trata-se de duas Organizações que não concedendo crédito à habitação - ao contrário do que as notícias divulgadas entre nós erradamente sugerem - ocupam uma posição central no sistema de crédito à habitação americano, pois adquirem em grande escala créditos hipotecários aos financiadores de 1ª instância (bancos e instituições financeiras similares) e depois os vendem “às fatias” no mercado, através dum dos mais antigos processos de titularização, garantindo aos investidores finais o recebimento dos rendimentos e do capital – sendo “responsáveis” por mais de 50% dos créditos hipotecários concedidos nos USA
Quer isto dizer que os créditos hipotecários adquiridos aos bancos financiadores da habitação pela Fannie e pela Freddie , sujeitos às vicissitudes dos incumprimentos que estão atingindo escala gigantesca nos USA, constituem o suporte fundamental do serviço de dívida dos títulos que estas entidades colocam no mercado.
Os títulos emitidos por estas agências são basicamente de dois tipos: “Participating Certificates” (PC’s) e “Collateralized Mortgage Obligations” (CMO’s).
É evidente que, com a crescente deterioração dos créditos hipotecários que servem de garantia aos títulos emitidos pela Fannie e pela Freddie, estava-se mesmo a ver que em breve tanto uma como outra acabariam por não ter condições para assegurar o reembolso tempestivo do capital e dos juros aos titulares de PC’s e de CMO’s.
Exactamente por isso os custos de financiamento das duas Entidades tinham vindo a subir significativamente, propagando-se logicamente ao próprio mercado hipotecário primário.
A eventualidade de entrada em incumprimento por parte da Fannie e da Freddie teria repercussões provavelmente catastróficas para o sistema financeiro americano – e para o sector imobiliário em especial – pelo que o Governo americano acabou por ficar sem alternativa face à iminência de tal evento...
Tratando-se de empresas cujo capital social se encontra cotado em bolsa, tendo a cotação sofrido pesadas perdas nos últimos tempos, esta operação de controlo por parte das Autoridades americanas equivale de certo modo a uma quase-nacionalização pois vai induzir uma enorme diluição das posições detidas pelos accionistas privados...
Moral da história: quando se trata de salvar a pele, até nos USA e no Reino Unido (Northern Rock) a nacionalização é bem-vinda...
Acabou-se as férias e voltamos aos comentários.
ResponderEliminarPenso que esta tomada de posição por parte destas potências económicas foram importantes. Forma medidas de curto-prazo que injectam confiança no mercado, algo que vale mais do que dinheiro, pelo menos na crise que atravessamos.
Espero que os reguladores financeiros meditem, e legislem de modo a evitar uma nova recessão.
"Moral da história: quando se trata de salvar a pele, até nos USA e no Reino Unido (Northern Rock) a nacionalização é bem-vinda..."
ResponderEliminarVale a pena, no entanto, perceber as razões que levaram a este resultado.
Permita-me, Caro Tavares Moreira, que transcreva a opinião de Robert Reich, professor em Berkeley, secretário de estado do trabalho na administração Clinton.
http://robertreich.blogspot.com/2008/09/fannie-and-freddie-and-why-accounting.html
Fannie and Freddie, and Why the Accounting Gimmicks Continued
Accounting gimmicks first came to light at Fannie and Freddie in 2003, at which time Fannie's and Freddie's former CEOs were sacked. Why, then, did they continue for another five years, even under new CEOs, even after policymakers first learned of them? Three reasons: (1) Top executives and shareholders continued to profit from them so there was no incentive to stop them, (2) everyone involved kept expecting home values to continue to rise -- or, when they fell, rise again soon enough -- to make up for the accounting shortfalls, and (3) Fannie and Freddie continued to be in bed with Congress and the administration. Democrats and Republicans alike have been complicit in this outrage.
Concorda?
A hipocrisia vê-se bem nestas horas de aperto. Agora já querem intervenção estatal, quando há bem pouco tempo, tudo o que era banqueiro ou parecido, fugia da regulação como o diabo da cruz. Raparam o tacho e agora outros que o limpem...
ResponderEliminarE convém ter em conta que este plano de "conservatorship" não resolve o problema, é apenas um "stop gap", para aliviar o fim da administração Bush, e adiar a bronca a sério para o próximo ocupante da Casa Branca.
É estranho este capitalismo dos nossos dias...
Caro Rui Fonseca,
ResponderEliminarA citação que faz é capaz de não andar longe da verdade, nomeadamente no que se refere à crença na valorização contínua e perene dos imóveis...e por cá como estaremos com todo o secretismo que rodeia o correspondente mercado? Que lhe parece?
Ao menos nos USA os problemas emergem, são revelados, geram falências, há responsáveis, tomammedidas melhores ou piores...cá, com o sobre-endividamento dos diferentes sectores institucionais, em especial das Famílias,a caminhar para uma implosão em grane estilo não se passa nada, nem há informação...não acha estranho o arguto comentador Fonseca?
Caro rxc,
Welcome on board of 4R!
Tem toda a razão, é estranho de facto, sobretudo nos universos em que parece que tudo vai bem, não há informação, estamos no melhor dos mundos...e vamos de mal a pior, aparcebemo-nos disso nos escassos intervalos de lucidez!
Caro Tavares Moreira
ResponderEliminarApenas duas notas:
a) Realmente, ambas as isntituições nunca foram completamente, privadas. O estatuto jurídico era equivalente, mas não igual, a uma epe nacional.
O que se passou nos últimos anos, com os bónus chorudos auto concedidos pelas administrações, face aos resultados calamitosos, das duas instituições; este comportamento está a chocar a América, mesmo a mais liberal.
Lá, como aqui e em outras paragens, também se privatizou o lucro e nacionalizou-se o prejuízo.
Vamos ver se não estamos perante o início de uma nova onda moralista, anti capitalista e anti propriedade privada.
b) Como muito bem notou Soros, estamos num ciclo do capitalismo em que o "risco moral" é assumido pelo Estado por conta e à custa do contribuinte.
No séc XIX foi a insensibilidade social que se transformou num caldo de cultura para os movimentos marxistas, agora parece ser a "insensibilidade moral"
Cumprimentos
João
Mas, quer esta intervenção estatal americana, quer a inglesa da Nothern Rock, são intervenções contra a irracionalidade (estupidez!) do mercado. Se, agora em Portugal, houvesse uma corrida aos financiamentos de locadoras automóveis só porque são locadoras automóveis, havia de ser o bom e o bonito. Como não podem captar depósitos de clientes, todas as empresas de crédito estão sujeitas a este tipo de irracionalidade onde basta haver um estúpido que diga que "hipotecas é mau" e vai tudo atrás. As carteiras continuam a valer aquilo que valiam, apesar de cada um dos colaterais ter baixado de valor. Mas foi apenas um. O mais valioso, o nome do credor, esse continua lá.
ResponderEliminarSe os estados não servem para este tipo de intervenção, então servem para quê?
Tonibler, então mas os mercados não são livres? Os banqueiros não gastaram milhões de dólares a fazer lobbying para reduzir ao mínimo a regulação estatal? É que se as instituições financeiras privadas (e incluo aqui a dupla de GSEs Fannie/Freddie) não podem correr o risco de ir à falência, então têm de se enquadrar num cenário de forte regulação e transparência (dado que o Estado, como se tem visto pelo exemplo, é quem fica com o risco no fim do dia).
ResponderEliminarDigo eu, que ainda estou para perceber o que se anda a passar. Se calhar devia tirar um curso Novas Oportunidades para a área da Economia, visto que a qualidade deles todos deve ser excepcional (ler isto com tom irónico).But I digress...
Caro Tonibler
ResponderEliminarO comportamento irracional foi do mercado?
Então o comportamento das instituições norte americanas e britânicas não era de risco? Emprestando como emprestavam?
O risco no sistema capitalista tem uma sanção: falência. Se evitarmos essa sanção, deixa de existir entraves ao risco e deixa de existir capitalismo como o conheço.
O mesmo se está a passar com a construção urbana. As seguradoras assumiam o risco ( com um prémio menor, viabilizando a obra) da construção, mesmo em locais perigosos, porque é (era) suposto o Estado assumir a reconstrução (total) em caso de catástrofe. Lucro para a cadeia de valor, prejuízo para o contribuinte.
Sem óptimo climático e com a construção em leito de cheia, tornou-se muuito caro esse comportamento, porque o custo real não é assumido pelo(s) que agiram perigosamente.
Diga-me onde está a irracionalidade do mercado?
O comprtamento do Estado propicia e encoraja (por vezes) ocomportamentos com um risco demasiado elevado.
Cumpriemntos
João
Oportuna sua observação, caro João.
ResponderEliminarSe aqueles que assumem riscos - ainda que mal calculados o que é aliás próprio do mercado - se aperceberem de que em caso de sinistro ou de perda têm um Estado protector que segura os prejuízos, temos aí um incentivo a uma menos exigente avaliação dos riscos do negócio...
É o chamado efeito de "moral hazard" que, se facilitado, tenderá a induzir custos maiores para os contribuintes...
Admito no entanto que em casos extremos como os da Fannie e da Freddie, face à imensidão das consequências por efeito do risco sistémico, o Estado americano não tivesse outra solução - mas impondo custos aos responsáveis, de outro modo teremos um(muito) mau exemplo.
Caro João,
ResponderEliminarQue comportamento de risco está a atribuir a estas empresas? Emprestar? Repare que aqui não estamos a falar do subprime. Aliás, segundo penso, o subprime correspondia a devedores que não tinham sido aceites no sistema da Fannie e do Fredie. Aqueles que são aceites neste sistema não constituem negócio para mais ninguém. A única razão pela qual estas empresas estão a sofrer falta de financiamento é o facto de se dedicarem ao crédito hipotecário e, como não são bancos, só podem viver de outras formas de financiamento que não depósitos. E atribuir um risco a uma empresa só por causa do nome do negócio, é irracional.
E, respondendo também ao rxc, para esse tipo de considerações filosóficas de tentar fazer uma lei porque o "capitalismo tem uma sansão" ou porque "regulação é mau", não dou. As medidas são, em cada instante, certas ou erradas sabendo nós que a liberdade só consegue existir num sistema humano se este não colapsar. A liberdade é condicionada sem segurança civil, sem segurança social, sem salubridade pública, sem sistema financeiro, sem....Portanto, se o estado americano não intervisse numa situação que é, economicamente, passageira o que aconteceria é que os princípios filosóficos se mantinham intactos, mas a sociedade colapsava numa era glaciar financeira e toda a liberdade de facto ia às urtigas. Logo "capitalismo tem uma sansão" é uma frase bonita para usar na zona linear da curva, fora disso não tem fundamento matemático.
Caro Tonibler
ResponderEliminarAlgumas precisões que me pareçem importantes:
a) O Sunday Times, já depois de se ter verificado a corrida aos depósitos do Northen Rock, através de um repórter comprovou que, com um mero telefonema, podia conseguir um crédito imediato de 30.000 libras, mesmo declarando um rendimento anual 25.000; isto sem qualquer elemento de garantia ou mesmo investigação perfunctória da sua capacidade de endividamento.
Nos EUA, nos créditos hipotecários, no final, já se tinha entrado na estratosfera.
Quer-me definir, o comportamento do Northen Rock como algo menos que temerário?
b) Fannie e Freddie, jogaram forte e feio no mercado hipotecário e nos futuros financeiros, tanto que, no ano anterior, os lucros foram chorudos e, os seus gestores de topo, (que têm os salários indexados às performances) pagaram-se, - cada um- um bónus de +/- USD$ 8/10 milhões. Para uma instituição equivalente à nossa CGD ou ao Montepio, convenhamos que é muito bom.
Por outro lado, o comportamento desses gestores tem um sabor famaliar, de tão equivalente que se pareçe com algumas das nossas instituições de referência.
A questão, como coloca o Dr Tavares Moreira é que, no caso destas duas instituições (que sempre contaram com o suporte jurídico e oficial do Governo Federal), o colapso das mesmas teria repercussões mundiais, porque andaram a vender a meio mundo e aqui não se trata de figura de estilo.
Ora se eles conseguiram vender, foi porque tinham e têm o apoio explícito e implícito do Governo Federal. Nesse sentido, não podem deixar de ser salvos.
c)Capitalismo sem liberdade, se bem que seja teorica e na prática possível (veja-se o caso da China actual), não está provado que seja, sem liberdade, um regime estável e sustentável. Estamos ainda a terminar a primeira geração que iniciou a nova economia chinesa e vamos ver como se comporta a segunda geraçao.
O controle tem custos e esses podem, a prazo serem incomportáveis ou muito pouco eficazes. Mas, de todos os modos, liberdade termina, grosso modo, na liberdade de cada um.
Dito isto, porque raio um pacato depositante tem de partilhar o lado mau do risco para o qual não foi, nem tido nem achado e que retirará, como benefício, apenas a percentagem que lhe cabe na menor das aplicações oferecidas pelo banco (depósito à ordem)? Quando, ao mesmo tempo, não lhe é permitido partilhar o lucro da actividade?
Se o é assim, porque será que o depositante deve suportar, enquanto contribuinte, os custos do risco de uma actividade, sem participar nos lucros da mesma?
d) Compreenda que a desregulação, tal com foi entendida e praticada nos últimos anos comporta riscos sistémicos que não são partilhados na mesma medida e na mesma proporção por todos os intervenientes, activos e os passivos. Ora não se pode pedir desregulação, que significa, quando estamos a ganhar, "não se metam no meu lucro" e, quando estamos a perder significar: "ajudem-me a não ficar na ruína".
Cumprimentos
João
Caro João,
ResponderEliminara) Quer pegar no jornal de hoje, escolher uma notícia ao calhas e garantir-me da veracidade daquilo que diz o jornalista? Era esse de facto o comportamento do Nothern Rock? Repare que não há nenhuma lei que se aplique aos bancos portugueses que não se aplique aos bancos ingleses (que tenha impacto significativo no assumir de exposições creditícias) e sabe que nos bancos portugueses também lhe dizem que sim, mas antes de lhe meterem o dinheiro na mão a coisa fica segura.
b) A Freddie e o Fannie faliram? Isto é, os spreads dos créditos não compensam as perdas por incumprimento ou, pura e simplesmente, as MBS deixaram de se vender e, por isso, ficaram sem liquidez? Este é um ponto importante na questão da racionalidade.
c) "porque raio um pacato depositante tem de partilhar o lado mau do risco para o qual não foi, nem tido nem achado e que retirará, como benefício, apenas a percentagem" - porque, nesse caso, é tão mau a avaliar a quem empresta o dinheiro como o banco que está a acusar, certo?
d)Não entendo o que quer dizer com "desregulação do últimos anos". Há mais de dez anos que o negócio da banca vem vindo a ter uma regulação crescente.
Caro Dr. Tavares Moreira
ResponderEliminarNão deixa de ser curiosa esta forma de "nacionalização" e a sua defesa pelas supostamente liberais ou ultra liberais instituições americanas. E como a Europa aplaude,diria quase religiosamente, tal decisão.
Mandou-se neste caso o liberalismo à fava para minorar ou corrigir os disparates pelos excessos antes cometidos. Enfim, não se perde tudo.
Como já li antes escrito por parte de um dos comentadores da nossa praça "não se deve nacionalizar a asneira".
Caro Mario de Jesus,
ResponderEliminarEm relação à citação que faz, eu limito-me a discordar quanto à forma de exprimir a ideia.
Com efeito, não me parece que valha tampouco a pena admitir a nacionalização da asneira: pela razão simples de que a que existe em mãos "nacionais/oficiais" é de tal modo abundante que nacionalizar mais seria ceratmente um acto totalmente inútil...