Uma vez ouvi um empresário bem sucedido comentar a questão dos aumentos salariais com uma frase brutal: “Se dão amendoins, só podem ter macacos” e passou a explicar quais eram os sectores em que queria garantir capacidade de recrutar os melhores, o que pretendia dos planos de formação e qual a política de promoções e prémios que assegurassem que as pessoas não iam procurar emprego noutro lado.
Esta sabedoria encontrei-a também na Mercedes, uma peruana analfabeta, de meia idade, que contratei para mulher a dias no ano em que estive na América. Ela pediu 30 dólares por dia, o que me pareceu uma exorbitância, naquela altura, e depois de uma longa conversa ela aceitou ficar por 25 dólares.
Esta sabedoria encontrei-a também na Mercedes, uma peruana analfabeta, de meia idade, que contratei para mulher a dias no ano em que estive na América. Ela pediu 30 dólares por dia, o que me pareceu uma exorbitância, naquela altura, e depois de uma longa conversa ela aceitou ficar por 25 dólares.
Era uma excelente pessoa, tratava com carinho as minhas filhas, ia fazendo as coisas, mas com uma lentidão que me exasperava. Fazia mais ou menos metade do que eu conseguia fazer no mesmo tempo e, quando chegava a hora dela, largava as coisas exactamente no ponto em que estivessem e saía, de modo que quando eu chegava nunca sabia bem o que ia encontrar. Tinha ainda a particularidade de não aprender absolutamente nada que saisse das suas práticas estabelecidas, como o modo de dobrar as meias aos pares ou as camisas, e ficava a olhar para mim com um ar de quem não percebia nada do meu espanhol improvisado, mesmo que eu lhe mostrasse, fazendo, como é que queria as coisas. Ao fim de poucos meses resolvi, com pena minha, porque realmente simpatizava imenso com ela, pôr um ponto final naquilo e disse-lhe que acabava por ser um desperdício ela trabalhar, eu gastar o dinheiro, e a seguir ter que ser eu a fazer tudo outra vez, de modo que o melhor era ela procurar outro trabalho.
A Mercedes dessa vez percebeu o meu espanhol. Ouviu-me com a complacência de quem ouve um filho que fez asneira depois de ter sido avisado e agora estava a sofrer as consequências, e disse: “Siñora, si quieres por 25, tienes 25. Pero se me dás 30...” , e olhava-me com ar de quem me desafiava para uma aposta.
Resolvi arriscar a teoria dela e aceitei a proposta, se era uma questão de justiça então havia de se tirar a limpo. Pois a verdade é que, por mais 5 dólares, a Mercedes parecia ligada ao turbo, ganhou uma ligeireza de rapariga nova, dobrava a roupa melhor que eu, passava a ferro sem mácula e já nem precisava que eu lhe destinasse as tarefas, ela própria tomava a iniciativa e várias vezes me surpreendeu com as melhorias que introduziu na ordem doméstica. Quando nos viémos embora pediu-me insistentemente: “Leva-me contigo, siñora, já vês que eu sou uma pessoa justa”.
Às vezes já não tenho paciência para ouvir sempre as mesmas ladainhas à volta da questão dos aumentos salariais, se tivesse trazido a Mercedes ainda a punha aí a fazer umas conferências...
A Mercedes dessa vez percebeu o meu espanhol. Ouviu-me com a complacência de quem ouve um filho que fez asneira depois de ter sido avisado e agora estava a sofrer as consequências, e disse: “Siñora, si quieres por 25, tienes 25. Pero se me dás 30...” , e olhava-me com ar de quem me desafiava para uma aposta.
Resolvi arriscar a teoria dela e aceitei a proposta, se era uma questão de justiça então havia de se tirar a limpo. Pois a verdade é que, por mais 5 dólares, a Mercedes parecia ligada ao turbo, ganhou uma ligeireza de rapariga nova, dobrava a roupa melhor que eu, passava a ferro sem mácula e já nem precisava que eu lhe destinasse as tarefas, ela própria tomava a iniciativa e várias vezes me surpreendeu com as melhorias que introduziu na ordem doméstica. Quando nos viémos embora pediu-me insistentemente: “Leva-me contigo, siñora, já vês que eu sou uma pessoa justa”.
Às vezes já não tenho paciência para ouvir sempre as mesmas ladainhas à volta da questão dos aumentos salariais, se tivesse trazido a Mercedes ainda a punha aí a fazer umas conferências...
Sabedoria! Sabedoria...
ResponderEliminarMas há os que ganham 100 vezes mais do que merecem e borram a escrita, não a deles, mas, das "Mercedes" que andam por esse mundo fora. Eu punha-a não a fazer conferências mas sim à frente de muitas instituições públicas e privadas. A Economia agradeceria, e eu também...
Também já encontrei pessoas assim, que só trabalhavam se colocasse a moeda na ranhura. Quando faltava a moeda era certo e sabido que a máquina parava. E também havia Mercedes: o que eu, com as minhas moedinhas, ajudei a pagar ;)
ResponderEliminarSó com uma diferença em relação à Mercedes da entrada da Suzana. Ao invés da justiça que significou dar valor adequado pelo trabalho pretendido, no meu caso a injustiça drenou sempre para este lado, porque cada vez que pagava despertava o apetite não pelo trabalho mas por um novo aumento...
Pois é caro amigo Ferreira de Almeida.
ResponderEliminarEsses são os tais que acabam por ganhar 100 vezes mais do que merecem! Não são Mercedes mas adoram "mercedes topo de gama"!
Eu não concordo. Se fosse comigo essa Mercedes, após dar essa justificação, não mereceria uma segunda oportunidade. A menos que fosse boa como o milho, caso em que tudo se compreende e se aceita.
ResponderEliminarPelo que vejo, o caro Jorge Oliveira, leu o texto em sentido enviosado. Pois que, mesmo que o tivesse lido no sentido ascendente, teria concluído que a autora concordou aumentar o salario da Mercedes, precisamente porque ela provou ser boa. A menos que os seus padrões de qualidade se restrinjam ao sabor dos cereais...
ResponderEliminarContudo, fica provada a sapiência contida na velhíssima máxima: "Da discussão nasce a luz" ou, como se diz cá pelo burgo... "A falar é cagente sentende". Para tanto, basta que as razões se conjuguem.
;)
Não, não, caro Bartolomeu, a Mercedes só provou ser boa depois do aumento. E isso é inadmissível. Primeiro devia provar que era boa e só depois é que levava o aumento. Antes do aumento andava a arrastar os pés. Não se faz.
ResponderEliminarA sua Mercedes, Suzana, era uma mulher duplamente sábia, porque conhecia as regras do mercado e porque percebeu que estava a lidar com uma pessoa justa e capaz de dar segundas oportunidades. Também tive a minha sábia «Mercedes». No dia em que negociámos as condições, disse-me, à saída, que tinha tirado referências a meu respeito e que começava a trabalhar no dia seguinte. Fiquei desconcertada com a sua franqueza, satisfeita por ter passado no exame, mas sobretudo agradada com a sua sensatez. Porque acho que não são só os patrões que têm de tirar referências acerca dos empregados… :-)
ResponderEliminarJorge Oliveira,
ResponderEliminartrabalho há 20 anos em multinacionais. Em Portugal nunca são recebidos aumentos após o vestir da camisola - é indigno de uma audiência inteligente e experiente vir argumentar em favor do contrário.
Abraços
Vim ontem de Barcelona. E o que vi nos cafés já tinha visto há trinta anos. Um funcionário a atender onde no mesmo local três Portugueses seriam precisos. E é por isso que o funcionário voava! Alimentava-se a três ordenados em vez dos 430€ de ordenado mínimo Português que já é bonzinho para nós ... os que ganhamos 10 vezes mais e gastamos issso no supermercado!
ResponderEliminarCaros amigos, como está à vista, a conferência da Mercedes seria uma animação!O facto é que a relação trabalho-custo tem que ser justa, nem acho que uma pessoa tenha que provar primeiro, como diz o caro Jorge, para depois então se ajustar, nem que tenha que se se pagar os cargos, independentemente da sua real valia. A avaliação de um posto de trabalho devia ser relativamente fácil, assim como um patrão deve ter uma noção de quanto beneficará com o desempenho do trabalhador. Agora, o que me parece é que há uma tendência para se considerar o pagamento como um favor, toma lá o mínimo e é uma sorte, em contrapartida sente-se a legitimidade de se pedir o máximo esforço e dedicação, e isto distorce tudo. E, caro Jorge, se revi o meu contrato com a Mercedes foi porque me convinha, claro, era muito pior ir à procura de outra, arriscar-me a ter uma pessoa desonesta ou pouco limpa e ainda por cima se calhar pagar-lhe o mesmo. Não é com "orgulhinhos" que se resovem as relações de trabalho, é com uma avaliação justa do que cada um pode ganhar e merecer....
ResponderEliminarCara Susana Toscano, colocou o dedo na ferida.
ResponderEliminarUma boa parte dos gestores portugueses esperam que o trabalhador (agora com a denominação pós-moderna de colaborador) dê tudo, ganhando o mínimo...
É óbvio que o trabalhador não dará tudo e estará sempre a concorrer para outros lados.
Depois desse trabalhador abandonar a empresa e todo o known-how entretanto adquirido ainda leva umas "bocas" muito produtivas do "gestor"...!
E o que dizer dos recibos verdes? Será que alguém acredita que um trabalhador ambicioso e pró-activo ficará muito tempo nessa organização? É óbvio que não. Continuará à procura de trabalho, porque para ele, esse emprego é apenas algo temporário.
E os horários de trabalho? O que dizer desta pouca vergonha? Em Portugal, todos os trabalhadores sabem a que horas começam a trabalhar, mas raramente sabem a que horas podem ir tratar da família. Alguém considera que estes trabalhadores dão tudo pela empresa? É óbvio que não. Assim que surgir uma oportunidade, ala que se faz tarde.
Na Segunda-Feira, uma colega de trabalho contou a sua admiração pelo facto de na Sexta-Feira anterior ter assistido a algo que a deixou de boca aberta. Num mesmo espaço de exposição de empresas, estava a empresa onde a sua filha trabalha (holandesa) e mesmo ao lado uma firma portuguesa bem conhecida. A sua filha sabia exactamente tudo aquilo que deveria fazer nesse dia e a empresa fechou as suas portas às 16:30 horas com tudo feito. A empresa portuguesa fechou perto das 19:40 horas e com alguns detalhes por fazer...
A minha colega perguntou a um dos funcionários da empresa nacional se no dia anterior (Quinta-Feira) sabia exactamente tudo aquilo que iria fazer nesse dia (Sexta-Feira) ao que ele retorquiu: "Mais ou menos". Passado algum tempo perguntou ao gestor, porque a empresa ainda não tinha fechado se a firma holandesa já o tinha feito há quase duas horas atrás, e a resposta foi elucidativa: "Não queira comparar um trabalhador português com um holandês"....
Pois é, caro fartinhodasilva, o princípio é sempre o mesmo: as pessoas reagem aos estímulos!
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