quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Os olhares da história

À procura de uns textos que precisei de consultar, deparei-me com um livro que li há uns anos e que me chamou de novo a atenção, “A Riqueza e a Pobreza das Nações”, de David S. Landes.
No epílogo, escrito já em 1999, o autor refere que, entretanto, os “pequenos tigres asiáticos”, a Tailândia, Indonésia e Malásia, tinham entrado em crise, arrastando o Japão, a Coreia do Sul, Taiwan e outros países regionais “que acabaram por sucumbir às dúvidas e receios dos investidores. No Japão, houve um forte abalo e estagnação de sectores da economia como a banca e o imobiliário."
Sobre as razões desta grave crise, o autor diz o seguinte:
“Como os historiadores muito bem sabem, quanto mais nos aproximamos do presente, mais incerto e falível é o nosso olhar sobre a história. (…) De certo modo, o problema residia no excessivo sucesso. Estas economias tinham crescido com demasiada rapidez, levando a inebriantes taxas de lucro e espectaculares aumentos de capital (…). Mas os lucros elevados acarretam riscos elevados e um homem de negócios que se preze deve desconfiar dos lucros espectaculares tanto quanto teme os grandes prejuízos. A regra básica da economia, bem como da física, é a lei da conservação da massa e energia: nada é de graça. Outra lei fundamental, toda e qualquer acção dá origem a uma reacção, não há ascensão sem queda. O fracasso esconde-se na sombra do sucesso, na inevitável cupidez humana.”
Segue-se o relato do que então foi feito para enfrentar a crise. Enquanto o “FMI aconselhou a Malásia a abrandar o ritmo acelerado da sua economia e aos outros apelava à prudência (…) em 1997, o Banco central da Tailândia declarou insolventes dez empresas financeiras, o que implicava uma pequena multidão de devedores em apuros.(…)Assim que a comunidade empresarial tomou consciência dos riscos, o infindável fluxo de fundos enfraqueceu, os especuladores estrangeiros abandonaram o navio e os empresários nacionais transferiram os fundos para porto mais seguro e adiaram compromissos, criando desemprego, descontentamento e instabilidade política. (…)As autoridades locais tentaram suavizar as tensões expulsando os trabalhadores indonésios. (…) De início, os tigres mais velhos sentiram-se superiores à situação e limitaram-se a criticar os novos-ricos, mas por fim também eles sentiram o apertão. A Coreia, em especial, sofreu o síndroma do crédito fácil e as empresas que tinham estado a funcionar à custa de empréstimos em breve viram os recursos financeiros à beira da exaustão. O pânico converteu-se em recessão, com as empresas a fechar e o drama do desemprego. Em Dezembro de 1997, um banco de investimento americano reconhecia que as empresas estavam paralisadas, limitando-se a tentar obter liquidez.”
O autor conta ainda como se reagiu. O FMI acudiu com muitos milhões e muitas condições para a sua utilização, algumas consideradas inaceitáveis. Na década de 90, outros países tiveram que ser socorridos, como o México e o Brasil, e “o Japão atolou-se num pântano estrutural(…)".
O autor conclui que “a intrepidez económica nunca isentou ninguém dos altos e baixos do ciclo económico, o sucesso é o pior inimigo de si próprio, um convite à cupidez e à ganância. A rectificação de um erro é sempre dolorosa.”
Este brevíssimo olhar sobre a história recente só reforça a perplexidade perante a aparente surpresa com o estalar da crise actual. Suponho que estes acontecimentos da década de 90 devem ter dado origem a milhares de análises, estudos e teses de doutoramento e teriam servido de lição a muitas instituições que governam o mundo económico e financeiro.
Então, como foram apanhadas de surpresa? Será que, também aqui, num mundo global, na era da informação, da electrónica e do trabalho em rede, o pior cego é o que não quer ver?

11 comentários:

  1. E não seremos TODOS um pouco cegos? E se alguém NOS chamar à atenção não o consideraremos pouco ousados, um obstáculo ao desenvolvimento e à "criação de riqueza"? Penso que ninguém está isento de pecado. E mesmo assim vejo demasiadas energias gastas na procura do culpado, como se a CULPA não estivesse suficientemente espalhada.

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  2. Sobre esta confusão em que o mundo está atolado toda a gente opina mas em concreto ninguém diz nada, nem mesmo aqueles que é suposto saberem destas coisas.
    Só nos resta recitar a máxima: o futuro a Deus pertence…

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  3. Acho que tem razão, caro Manuel, não teria servido de nada ter razão antes de tempo, ser "arauto das desgraças" é sempre um papel muito ingrato. Provavelmente, é mesmo inevitável que se cumpram estes ciclos de ascensão e queda...
    Caro Jotac, o que parece é mesmo que ninguém sabe, resta-nos confiar que é possível suster ainda alguns efeitos.

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  4. Cara Suzana,
    Não sei se se trata do caso em que "o pior cego é o que não quer ver". Talvez, mais prosaicamente, se trate do caso em que o "cego" foi apenas de uma desonestidade e avidez sem limites.
    Quando hoje se escutam grandes teóricos da finança (se calhar os mesmo que anos a fio defendiam menor regulação) a dizer que é a economia real que vai pagar se Wall Street cair, penso nos utilizadores da economia real (eu, por exemplo) que, quando lhe anunciavam valorizações das casas de 80% em 5 anos - pelo menos é o que diziam as agências imobiliárias, com os bancos a financiar (são números reais do Parque das Nações) - sentiam vontade de rir.
    Talvez os Representantes em Washington não estivessem apenas a defender os seus lugares para a próxima eleição como foram acusados, mas apenas a expressar uma profunda repulsa pela ligeireza com que os banqueiros e amigos na Administração americana solicitavam a cobertura pública dos desvarios privados.
    No entanto, muito brevemente, havemos de ver estes gurus a dar palpites sobre como sair da crise... alguém quer apostar?

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  5. Caro Jorge Lúcio, seja muito bem regressado ao 4r!, já tínhamos saudades de o ver por aqui.Ouvi uma vez uma pessoa dizer que, se devesse dez mil contos ao banco, não dormia descansado. Mas, que se devesse 10 milhões, era o banco que ficava com a preocupação.Talvez se tenha passado o mesmo, se o fenómeno fosse pequeno, ou pontual, todos ficaríamos desconfiados, mas foi um movimento global, a valorização sucessiva das casas, os empréstimos baratos e fáceis,aquela pressão de que, se não se aproveitasse, ou se era mau gestor ou um bocado burro.E o comum dos mortais, em que o meu amigo se inscreve, e eu também, engoliam o cepticismo e pensavam que era impossível que TODOS estivessem enganados.Ganância de alguns e confiança de muitos, sem dúvida. Houve certamente quem fizesse fortuna entretanto e certamente seremos todos a pagá-lo.

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  6. Há uns tempos a hoje classificada "ganância" era referida como "ambição" e "arrojo". Com o tempo passámos a actuar de acordo com estados de espírito. Aliás, os mercados financeiros (onde trabalho) são cada vez mais influenciados por estados de espírito. Tendo todos nós alguma bipolaridade, imagine-se ...

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  7. Caro Manuel, seria muito interessante um estudo (já que há estudos sobre tudo e mais alguma coisa)sobre a "reconversão" activa de muitas palavras e conceitos, quer para tornar atraente o que antes era medíocre, quer para contornar aquilo a que dantes se tinha como "valores" e que impediam certas atitudes. Não foi só neste âmbito que as palavras foram "remodeladas", também no campo da família, da sociedade ou da relação no trabalho nasceram imensas "novidades" e outras tantas teses que mais não fazem do que liftings, na melhor das hipóteses ou transfigurações, nas piores.

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  8. “A regra básica da economia, bem como da física, é a lei da conservação da massa e energia: nada é de graça. Outra lei fundamental, toda e qualquer acção dá origem a uma reacção, não há ascensão sem queda. O fracasso esconde-se na sombra do sucesso, na inevitável cupidez humana.” Adorei que tenha “esbarrado” esta singela frase. Para alguém como eu, com formação de engenharia, estas ideias são tão naturais como respirar.


    A sua interrogação e perplexidade é a minha. Também não consigo compreender, de maneira nenhuma, como é que tantos especialistas, académicos, economistas e “gestores” com “milhares de horas de voo” não se supreenderam por verem violados todos os dias os princípios fundamentais isomorficos, que se aplicam tanto na física como na economia. Não pode ser. Alguém tinha que saber o que estava a acontecer e quais as consequências. Alguém enriqueceu fabulosamente com esta situação. A Dona Branca ou o Caldeira não fizeram desaparecer o dinheiro que lhes confiaram. Simplesmente, alguém se apropriou dele. Afinal o pior (ou mais perigoso) cego é o “que não quer ver” ou aquele que “finge que não vê”?


    Há momentos em que me tento afastar da intensidade dos noticiários e tento, o mais emocionalmente gelado que posso, analisar o conteúdo do que escuto. Por exemplo, Brown diz que a crise financeira é um problema mundial, global, está a acontecer em todos os países. Do Bush, nem se fala. Se relatassem uma epidemia mundial ou de uma invasão de extraterrestres a frase seria igualmente apropriada. Estamos portanto, na opinião destes “líderes”, a assistir a um cataclismo de proporções globais ao qual ninguém ainda sabe muito bem como resolver. Surpreende-me os “encontros e desencontros” dos estados nos processos de intervenção no sistema financeiro. Como gracejava alguém, numa situação de verdadeira crise, se for necessário, até moeda os governos irão cunhar. Até parece que, com a pretensa descoordenação e indecisão, se pretende que as pessoas fiquem mesmo assustados, a tal ponto, como dizia um entrevistado nos EUA - “eu faço o que for preciso para acabar com esta crise” - aceitarem que se faça “o que for preciso”. Por exemplo que as pessoas fiquem com tanto panico da exposição aos mercados (a maioria mas não todas, porque alguém continua a comprar) que desatem a vender ao desbarato, que as bolsas batam mesmo no fundo, para que alguém compre as empresas muito, muito baratinho. Tenho pena de não ter liquidez neste momento para comprar qualquer coisinha.


    Basta que nos lembremos no que aconteceu no pós-11/9 em termos nas liberdades e privacidade individual e não só nos EUA, sob a complacência e aceitação passiva de todos.

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  9. Sobre a essência da presente crise, Naomi Klein ilustra a actuação da administração Bush desta forma:

    "They spend seven years just transferring public money into private hands, [and] their final act is taking private debt and transferring it into public hands."

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  10. Caro politicoacidental, espero que o 4r tenha ganho mais um excelente comentador, seja muito bem vindo! O que diz é assustador, bem na linha dos que defendem que a verdadeira crise ainda não chegou, como diz Ballmer isto é só um problema. Esperemos que haja sabedoria para não deixar que a crise chegue e que o quadro que aqui nos traça possa ser evitado. Também creio que muitas oputras questões hão-de ser suscitadas, como a que conduziu aos estados débeis, tecnicamente desqualificados em recursos humanos, ao desprezo pela política e pelos políticos, dissuadindo pessoas competentes e afastando os jovens de se prepararem para um dia assumirem responsabilidades na política.Talvez também se reabilitem alguns valores, bem menosprezados na era em que a filosofia, a história e as ciências humanas eram já matéria em decrepitude. Talvez seja possível um novo equilíbrio.

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  11. Ser pobre um dia não custa nada. O que custa é sê-lo todos os dias.

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