Tenho participado em várias reuniões por esse mundo fora, mas uma delas provocou-me sensações muito agradáveis. Recordei-me da pequena cidade francesa, Divonne-les-Bains, junto da fronteira suíça, por causa da ribeira das Hortas.
Princípio de Outono. Uma cidade encantadora, pequena e rica em jardins, com uma frondosa floresta multicolor, banhada por um sol morno a meio da tarde que, rapidamente, era substituído por um anoitecer frio mas confortável. Hospedaram-me, amavelmente, num castelo transformado em hotel, afastado do centro, no meio da floresta. Confesso que senti um certo desconforto, devido à distância, que foi ultrapassado pelo prazer de caminhar por veredas e pela margem de uma pequena ribeira. Apaixonei-me por ela. Durante o percurso, que chegava a durar uns bons três quartos de hora, admirava e falava com o correr alegre e suave de uma água cristalina que umas vezes saltitava, outras quase que parava, escondendo-se de súbito, para logo à frente surgir com um olhar malandro como se estivesse a jogar às escondidas. Quando começava a rasgar a pequena cidade, envaidecia-se com as atenções que lhe davam; pequenos e belos pontões, luzes devidamente colocadas nas margens para realçar a sua beleza nocturna, pequeninas e bem conseguidas cascatas que a obrigavam a emitir sons deliciosos, margens bem cuidadas, numa perpétua homenagem da flora local, como que agradecendo o bem que lhe passava aos pés e que nunca se entristecia mesmo quando os ataques de raiva caudalosa a submergia. A ribeira era amada, até pelos seres humanos. Ao longo do trajecto, durante aqueles dias, nunca vi nada que a conspurcasse, nem um saco de plástico, uma garrafa, uma embalagem de pastas dos dentes. Nada. A água limpa era uma constante com um cheiro suave e fresco que contrastava com a tepidez do sol e o frio da noite. Uma ribeira com personalidade e muito respeitada. Uma ribeira alegre. Quando a percorria recordava-me da ribeira da Hortas que, naquele local, deveria sentir-se a ribeira mais feliz do mundo, não lhe ficando atrás em beleza, pena os maus tratos que recebe ao longo do seu trajecto.
Quando percorro as margens da ribeira das Hortas, recordo-me sempre da outra: bela, alegre, bem cuidada, amada pelos habitantes, vaidosa e com razão. Quando penetro na intimidade da ribeira das Hortas vejo uma beleza triste, não cuidada, não respeitada, suja, não amada, humilhada e que só as raivas das invernias, gritando alto e em bom som, lhe permitem limpar as ofensas que lhe fazem, provando que pode ser tão bela e até muito mais do que a sua irmã de Divonne-les-Bains.
Agora, começa a ser objecto de algumas atenções que lhe permitem restaurar, pelo menos em parte, a sua velha auto-estima, mas é preciso muito mais, sobretudo respeito por parte daqueles que não são capazes de desfrutar e de amar uma das mais belas veias que a Natureza nos dotou. Lançar objectos e lixos é o mesmo que tentar cortar as veias do pulso num arremedo suicida.
Tenho grande dificuldade em compreender o desprezo a que votam um património tão belo. É fácil invocar a falta de sentido cívico e de respeito que não se esgota na agressão à ribeira, passando mesmo pela barbárie da destruição. É preciso educar os mais jovens, que, sendo, em princípio, mais receptivos, poderão no futuro fazer a diferença. Mas também sou adepto de castigos exemplares. Quem fosse apanhado a conspurcar a ribeira deveria ser punido com coima respeitável ou com a obrigatoriedade de a limpar. E, com toda a sinceridade, a ribeira bem merece que a respeitemos. Tão fácil...
Princípio de Outono. Uma cidade encantadora, pequena e rica em jardins, com uma frondosa floresta multicolor, banhada por um sol morno a meio da tarde que, rapidamente, era substituído por um anoitecer frio mas confortável. Hospedaram-me, amavelmente, num castelo transformado em hotel, afastado do centro, no meio da floresta. Confesso que senti um certo desconforto, devido à distância, que foi ultrapassado pelo prazer de caminhar por veredas e pela margem de uma pequena ribeira. Apaixonei-me por ela. Durante o percurso, que chegava a durar uns bons três quartos de hora, admirava e falava com o correr alegre e suave de uma água cristalina que umas vezes saltitava, outras quase que parava, escondendo-se de súbito, para logo à frente surgir com um olhar malandro como se estivesse a jogar às escondidas. Quando começava a rasgar a pequena cidade, envaidecia-se com as atenções que lhe davam; pequenos e belos pontões, luzes devidamente colocadas nas margens para realçar a sua beleza nocturna, pequeninas e bem conseguidas cascatas que a obrigavam a emitir sons deliciosos, margens bem cuidadas, numa perpétua homenagem da flora local, como que agradecendo o bem que lhe passava aos pés e que nunca se entristecia mesmo quando os ataques de raiva caudalosa a submergia. A ribeira era amada, até pelos seres humanos. Ao longo do trajecto, durante aqueles dias, nunca vi nada que a conspurcasse, nem um saco de plástico, uma garrafa, uma embalagem de pastas dos dentes. Nada. A água limpa era uma constante com um cheiro suave e fresco que contrastava com a tepidez do sol e o frio da noite. Uma ribeira com personalidade e muito respeitada. Uma ribeira alegre. Quando a percorria recordava-me da ribeira da Hortas que, naquele local, deveria sentir-se a ribeira mais feliz do mundo, não lhe ficando atrás em beleza, pena os maus tratos que recebe ao longo do seu trajecto.
Quando percorro as margens da ribeira das Hortas, recordo-me sempre da outra: bela, alegre, bem cuidada, amada pelos habitantes, vaidosa e com razão. Quando penetro na intimidade da ribeira das Hortas vejo uma beleza triste, não cuidada, não respeitada, suja, não amada, humilhada e que só as raivas das invernias, gritando alto e em bom som, lhe permitem limpar as ofensas que lhe fazem, provando que pode ser tão bela e até muito mais do que a sua irmã de Divonne-les-Bains.
Agora, começa a ser objecto de algumas atenções que lhe permitem restaurar, pelo menos em parte, a sua velha auto-estima, mas é preciso muito mais, sobretudo respeito por parte daqueles que não são capazes de desfrutar e de amar uma das mais belas veias que a Natureza nos dotou. Lançar objectos e lixos é o mesmo que tentar cortar as veias do pulso num arremedo suicida.
Tenho grande dificuldade em compreender o desprezo a que votam um património tão belo. É fácil invocar a falta de sentido cívico e de respeito que não se esgota na agressão à ribeira, passando mesmo pela barbárie da destruição. É preciso educar os mais jovens, que, sendo, em princípio, mais receptivos, poderão no futuro fazer a diferença. Mas também sou adepto de castigos exemplares. Quem fosse apanhado a conspurcar a ribeira deveria ser punido com coima respeitável ou com a obrigatoriedade de a limpar. E, com toda a sinceridade, a ribeira bem merece que a respeitemos. Tão fácil...
Obrigatoriedade de a limpar, caro Professor!...Seria, para muitos, mais penoso que a coima, para além de divertir os assistentes...
ResponderEliminar"Recomeça...
ResponderEliminarSe puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar
E vendo,
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com a lucidez, te reconheças."
Miguel Torga
O médico, o escritor ainda muito jovem emigrou para o brasil, Minas Gerais onde, entre outras, foi apanhador de café, vaqueiro e... apanhador de cobras.
Mas, Miguel Torga, não foi o único médico escritor, Fernando Namora, Antonio Lobo Antunes e mais recentemente Salvador Massano Cardoso, são entre muitíssimos outros, exemplo de homens que para alem das letras nas receitas que prescrevem, escrevem tambem aquilo que sentem, exteriorizando os mais íntimos sentimentos, as mais profundas angústias, as mais gritantes revoltas, apelando a que as consciências se concertem para que o mundo se harmonize e o bem-estar seja efectivo e acessível.
Que a "sua" ribeira das Hortas, encontre o respeito e o carinho que merece esperar de todos aqueles com quem partilha o mundo.
Que as nossas ribeiras reconquistem o respeito e a protecção de todos nós!
Só para cumprimentar pelo excelente blog
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