Um amigo, das bandas de Alenquer, mimoseou-me com uma obra muito interessante e que desconhecia: “Portuguese Costumes” de Henry L´Évêque. O livro, publicado em Londres, em 1814, descreve de uma forma sublime os costumes portugueses da época. As descrições, em inglês e em francês, são muito sugestivas e enriquecidas por cinquenta magníficas gravuras a cores. Trata-se, quase que diria de um “elo perdido” que permite conhecer-nos um pouco melhor, até porque o que está relatado não está tão longe de nós como isso, apenas duzentos anos.
Comecei a ler e não consegui parar. Após a primeira descrição, “A audiência do Príncipe” em que são relatadas as formas como abordar e como fazer as petições, junto do mais alto representante de então, surge a “Sopa dos Prisioneiros”. Neste texto chama a atenção alguns parágrafos. “Em Portugal não se prende ninguém por dívidas; e como se praticam proporcionalmente muito menos crimes que na maior parte dos estados europeus, como é o caso da Inglaterra, por exemplo, seríamos tentados a crer que as prisões estão praticamente vazias. Entretanto as de Lisboa encerram um grande número de detidos. As razões têm a ver com a lentidão do procedimento criminal, o não respeito pelas leis, à compaixão e talvez também à negligência dos magistrados; numa palavra, a uma espécie de laisser-aller que é a marca de todos os sectores da administração pública”.
Évêque descreve em seguida que os prisioneiros são raramente maltratados, devido às máximas de uma religião caridosa e à doçura do carácter nacional. O pior é sustentar os prisioneiros que leva algumas ordens religiosas a obter esmolas e alimentos de todos os tipos a fim de os alimentar com o mínimo de dignidade. O orçamento para este fim era muito reduzido nesse tempo. Depois continua a descrever as iniciativas de carácter misericordioso para minimizar a estadia nos presídios.
Na parte final, após o elogio à “clemência hereditária” da casa de Bragança, o autor cita o seguinte: “Encontram sempre em Lisboa, e hoje mais do que nunca, delatores prontos a denunciar, um intendente-geral da polícia para deter os acusados, tribunais para os julgar. Mas aquele que perdoa, aquele que tem o poder, e que tem o desejo de o aplicar, podem-no procurar, mas nunca o encontram”.
Ponho-me a pensar o que diria hoje Évêque se pudesse retratar-nos novamente. Para já não falaria da “sopa dos prisioneiros”, mas da sopa que alguns prisioneiros nos dão. Continuaria a ficar espantado por não haver portugueses na prisão por dívidas, que a justiça continua no mesmo ritmo, lenta, no mínimo, que o laisser-allez é a de facto a marca nacional, não obstante todas as reformas, enfim, que em Lisboa, e também no resto do país, os delatores continuam a fazer das suas, muitas vezes com o objectivo de denegrir a imagem dos cidadãos. De facto a calúnia tornou-se numa das armas mais perigosas capaz de destruir em muito pouco tempo toda uma existência. E, mesmo que se venha a provar a inocência do acusado, permanecem sempre alguns efeitos devastadores da imagem do cidadão. João Chagas, na sua interessante obra, “Posta-restante (cartas a toda a gente)”, escreveu a seguinte frase a propósito das iniciativas de um cidadão: “Catequise, catequise, porque da catequese e da calúnia fica sempre alguma coisa”.
Pois fica!
Comecei a ler e não consegui parar. Após a primeira descrição, “A audiência do Príncipe” em que são relatadas as formas como abordar e como fazer as petições, junto do mais alto representante de então, surge a “Sopa dos Prisioneiros”. Neste texto chama a atenção alguns parágrafos. “Em Portugal não se prende ninguém por dívidas; e como se praticam proporcionalmente muito menos crimes que na maior parte dos estados europeus, como é o caso da Inglaterra, por exemplo, seríamos tentados a crer que as prisões estão praticamente vazias. Entretanto as de Lisboa encerram um grande número de detidos. As razões têm a ver com a lentidão do procedimento criminal, o não respeito pelas leis, à compaixão e talvez também à negligência dos magistrados; numa palavra, a uma espécie de laisser-aller que é a marca de todos os sectores da administração pública”.
Évêque descreve em seguida que os prisioneiros são raramente maltratados, devido às máximas de uma religião caridosa e à doçura do carácter nacional. O pior é sustentar os prisioneiros que leva algumas ordens religiosas a obter esmolas e alimentos de todos os tipos a fim de os alimentar com o mínimo de dignidade. O orçamento para este fim era muito reduzido nesse tempo. Depois continua a descrever as iniciativas de carácter misericordioso para minimizar a estadia nos presídios.
Na parte final, após o elogio à “clemência hereditária” da casa de Bragança, o autor cita o seguinte: “Encontram sempre em Lisboa, e hoje mais do que nunca, delatores prontos a denunciar, um intendente-geral da polícia para deter os acusados, tribunais para os julgar. Mas aquele que perdoa, aquele que tem o poder, e que tem o desejo de o aplicar, podem-no procurar, mas nunca o encontram”.
Ponho-me a pensar o que diria hoje Évêque se pudesse retratar-nos novamente. Para já não falaria da “sopa dos prisioneiros”, mas da sopa que alguns prisioneiros nos dão. Continuaria a ficar espantado por não haver portugueses na prisão por dívidas, que a justiça continua no mesmo ritmo, lenta, no mínimo, que o laisser-allez é a de facto a marca nacional, não obstante todas as reformas, enfim, que em Lisboa, e também no resto do país, os delatores continuam a fazer das suas, muitas vezes com o objectivo de denegrir a imagem dos cidadãos. De facto a calúnia tornou-se numa das armas mais perigosas capaz de destruir em muito pouco tempo toda uma existência. E, mesmo que se venha a provar a inocência do acusado, permanecem sempre alguns efeitos devastadores da imagem do cidadão. João Chagas, na sua interessante obra, “Posta-restante (cartas a toda a gente)”, escreveu a seguinte frase a propósito das iniciativas de um cidadão: “Catequise, catequise, porque da catequese e da calúnia fica sempre alguma coisa”.
Pois fica!
Raramente conseguimos ver-nos da mesma forma (ou com a mesma forma) que somos vistos por um olhar alheio. Frequentemente temos dificuldade em fazer coincidir a imagem que temos de nós, com aquela que de nós é feita. Este povo que somos, não será melhor ou pior que outros, inclusivé aqueles que entendemos como modelos a seguir. Como todos os outros, somos uma nação à qual compete cumprir um desígnio, que assentará nas qualidades e defeitos que nos caracterizam. Afinal de contas, caro Professor Massano Cardoso, somos distinguidos aos olhos das gentes de outras bandas, pela nossa
ResponderEliminarafabilidade e simpatia, espírito empreendedor, altruísmo, voluntarísmo. Não fosse a dificuldade em se governar, que este povo arrasta como um fardo, desde que se conhece, e possivelmente passaría a olhar-se e a ver-se como realmente merece... um GRANDE POVO!
;)