terça-feira, 4 de novembro de 2008

“Embrechados”

Certas palavras chamam-nos a atenção pela sua peculiaridade, por serem pouco utilizadas ou pelo uso que possamos fazer delas, em certos contextos.
Já há muito tempo que procurava obras do Conde de Sabugosa, também conhecido por António Vasco de Melo, poeta e escritor distinto, diplomata e que foi o último mordomo-mor da Casa Real. Eis que, inesperadamente, num alfarrabista deparei-me logo com quatro obras suas. Claro que as adquiri.
Um dos livros ostenta o curioso título de “Embrechados”. Embrechados?! Mas que raio significará esta palavra? Ao ler o preâmbulo da obra, o autor também questiona, logo na primeira linha, “Embrechados porquê?”. Para já, fiquei a saber que as incrustações feitas à base de conchas, de búzios, de seixos multicores, de fragmentos de louças, de vidros coloridos, que embelezam as capelinhas, pequenas grutas, fontes, nichos, cascatas de águas, de jardins e quintas portuguesas, manifestações criativas de imaginação decorativa e inspirativa, se chamam embrechados. No fundo, ao “desenharem” animais, monstros, tritões, sereias e brasões, os artistas, ingénuos, pretendem “compor um todo harmónico”, de forma a embelezar certos espaços.
Afinal, o autor queria explicar que a colectânea de textos, que compõem o volume, não são mais do que o equivalente às conchas, aos búzios, aos seixos e aos vidros coloridos na tentativa de criar toscos mosaicos que dêem alguma beleza e sentido a quem os ler.
A par desta interessante explicação sobre “embrechados”, que, particularmente, já admirava por esse Portugal fora, embora desconhecesse a sua designação, o autor apresenta ainda um outro significado para a palavra que é hoje objecto de atenção: como sinónimo de entremez e de entreacto. Entremez é o período que decorria nos manjares reais em que havia mudança de “mesa” e durante o qual havia diversos entretenimentos. Assim, a leitura de alguns textos, corresponderá a uma forma de entremez para os que estão a executar as suas tarefas. Um pequeno intervalo que ajuda a alimentar ou a distrair o espírito.
Ao publicar os meus textos, neste espaço aprazível, pretendo apenas ajudar, se bem que toscamente, a construir um “embrechado” e, ao mesmo tempo, entremear as vivências de quem lê. A este propósito, recordo-me de uma carta de Manuel Laranjeira, escritor e médico, que, como muitos outros autores portugueses, acabou por tomar conta do seu próprio destino, a um seu amigo, a propósito das confusões sobre a representação teatral de uma peça sua: “Eu não escrevo para ser aplaudido – não aspiro a homem célebre – escrevo para satisfazer uma necessidade pessoal que é dizer aos outros o que penso da vida e dos homens”. Eu também sinto essa necessidade de dizer aos outros o que penso sobre a vida e os homens. Mas, também, gosto de transmitir o que sinto, uma forma de intimismo que vai lentamente emergindo, com algum pudor e com algum custo. Começa a saber-me bem. Curioso!
Escrevo para construir um “embrechado” e escrevo talvez “embrechados”. Mas há uma terceira figura inerente a esta palavra, que eu, sinceramente não aspiro: é “ser um embrechado”! Sim, porque, também, pode significar: “visita ou hóspede importuno e desagradável”...

3 comentários:

  1. Tem muita graça este seu texto. A primeira vez que ouvi essa palavra foi em Óbidos, onde há uma loiça que reproduz um "embrechado" bem bonito e estranho que há numa das igrejas.
    Adorei essa perspectiva de que a participação no 4r também é essa arte de minúcia e paciência...

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  2. Quem escreve a vida, recheando a escrita de experiências, conferindo-lhe o sentido de dádiva, porque antes de o ser, fora recebida, não será nunca "um embrechado".
    Antes um tecelão, misturando cores definidas, construindo unindo retalhos, uma manta quente e confortável.
    Obrigado caro Professor...

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  3. Continue a embrechar, caro Professor, tem a obrigação de continuar, que o seu embrechado é bom, belo, cintilante, transparente, pedagógico,ridente, brilhante,sapiente, sentido, estruturante, crítico, cáustico, amigável...enfim, importante e indispensável!...

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