terça-feira, 18 de novembro de 2008

Lágrimas

Ao longo da vida presenciei muitas situações de choro. Lágrimas a deslizar em sofrimento, lágrimas a espirrar alegria e lágrimas de fogo em desertos de esperanças.
O choro emocional é uma característica essencialmente humana, partilhado, ao que parece, também, pelos gorilas e os elefantes. Quanto aos crocodilos de água salgada as suas lágrimas são, apenas, uma forma expedita de eliminar sal. O seu equivalente humano poderá servir para muitos objectivos mas não deverá conseguir eliminar o excesso de sal que é ingerido. Se assim fosse talvez não houvesse tantos hipertensos!
Quanto à origem e função do choro, muito havia a dizer. Alguns investigadores consideram tratar-se de uma resposta fisiológica face à cremação dos entes queridos nos tempos pré-históricos, em que à emoção se juntaria o fumo! Será que se tivessem usado madeiras bem secas ou outras formas de dar destino aos corpos se estabeleceria o “reflexo” entre a morte e as lágrimas?
No poema de António Gedeão, “Lágrima Preta”, podemos ler a propósito da lágrima: “... Ensaiei a frio, experimentei ao lume, de todas as vezes deu-me o que é costume: nem sinais de negro, nem vestígios de ódio. Água (quase tudo) e cloreto de sódio.
Quanto a “água e cloreto de sódio” é realmente a composição das lágrimas ditas basais, que permitem evitar a secura dos olhos e das lágrimas que surgem quando os olhos são agredidos, caso do fumo, da cebola, de poeiras e outros factores. Mas as mais peculiares, as mais humanas são as lágrimas das emoções. Nestas, a composição não é só água e cloreto sódio. Têm muitas mais coisas. E que coisas! As substâncias químicas produzidas no organismo devido ao stress, são eliminadas através desta via. Foram detectadas prolactina e outras hormonas. A presença de endorfinas, que têm um papel no alivio da dor, é uma constante nas lágrimas do sofrimento. Deste modo, as frases segundo as quais, “chorar faz bem”, “chorar alivia”, adquire uma explicação fisiológica.
Chorar também é uma forma de alerta, como acontece nas crianças, quando necessitam satisfazer as suas necessidades. Depois, à medida que crescem, acaba por se transformar numa forma de comunicação e até de manipulação. Esta última faceta, segundo alguns autores é mais comum no sexo feminino, podendo continuar ao longo da vida, e, desta forma, ser utilizada para obter muitas coisas desde o “perdão, até ao anel de diamantes”!
As diferenças hormonais explicam a razão porque as mulheres choram quatro vezes mais do que os homens. Depois com a idade, a redução da testosterona nos homens e dos estrogénios nas mulheres, levam os dois sexos a “aproximarem-se” mais um pouco no que respeita a estes dois grupos de hormonas, o que faz com que os homens comecem a chorar mais e as mulheres menos.
Chorar é um sinal de sofrimento e, ao mesmo tempo, uma forma de limpar o corpo de “toxinas relacionadas com o stress”. Sendo assim, quem contrariar a expressão emocional mais humana corre riscos de saúde nada desprezíveis.
Quantas lágrimas não são vertidas diariamente e quantos não desejariam libertar-se do sofrimento, pelo menos um pouco, através de pingentes cristalinos, essência da alma, que se vai desfazendo aos poucos? Muitos deverão ter perdido a alma, porque só conseguem chorar lágrimas secas. E lágrimas secas não aliviam a dor...

4 comentários:

  1. De António Gedeão:
    "Lágrima de preta"

    Encontrei uma preta
    que estava a chorar,
    pedi-lhe uma lágrima
    para a analisar.

    Recolhi a lágrima
    com todo o cuidado
    num tubo de ensaio
    bem esterilizado.

    Olhei-a de um lado,
    do outro e de frente:
    tinha um ar de gota
    muito transparente.

    Mandei vir os ácidos,
    as bases e os sais,
    as drogas usadas
    em casos que tais.

    Ensaiei a frio,
    experimentei ao lume,
    de todas as vezes
    deu-me o que é costume:

    nem sinais de negro,
    nem vestígios de ódio.
    Água (quase tudo)
    e cloreto de sódio.

    Não sei era preta porque fosse mais uma vítima de violência doméstica, ou se era a sua cor natural (tinhas de dizer uma palermice Bartolomeu, está-te no sangue, irra!)

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  2. Caro Professor Massano Cardoso
    Muito interessante o seu texto.
    Fiquei preocupada com as diferenças de lágrimas entre mulheres e homens. Se as mulheres choram quatro vezes mais que os homens é porque sofrem quatro vezes mais do que os homens! Não é justo que assim seja. Mesmo que com a idade os homens comecem a chorar mais, o que é certo é que não choram quando são mais novos e quem paga as "favas" são as mulheres!

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  3. Caro Professor,
    Faço-o já há dois anos: para treinar os meus alunos e incentivá-los a outras leituras, para além dos jornais desportivos e dos conteúdos programáticos, apresento-lhes semanalmente alguns dos seus textos.
    Espero que não se aborreça com este meu atrevimento.
    Nunca o referi, mas sinto necessidade agora de lhe agradecer os textos que produz, onde todas as dimensões do ser humano surgem ponderadas e se respira humanidade.
    Bem-haja

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  4. Cara emn

    Aborrecer? Muito pelo contrário. Saber que posso ser útil a alguém é uma distinção que muito me agrada.
    Obrigado.

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