sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Os cavaleiros da pateada

Maria Rattazzi, sobrinha de Napoleão, visitou Portugal entre 1876 e 1897. O contacto com a Lisboa da época sugeriu-lhe uma pequena galeria de quadros narrativos que mereceram de Antero de Quental o seguinte comentário:
“A Rattazzi, que passou dois invernos a desfrutar os literatos de Lisboa, publicou agora um livro delicioso. Imagine uma parisiense descrevendo ao vivo estes mirmidões! Não se fala noutra coisa, e está tudo furioso!”
Para percebermos a razão deste comentário, a saborear o escândalo, aqui fica um dos “quadros” que Maria Rattazzi seleccionou:
"- Porque é que fulano, que não é desprovido de mérito, fez fiasco em S. Carlos?, perguntava-me um estrangeiro que passou uma estação em Lisboa, - e qual a razão por que mademoiselle sicrana conseguiu agradar ser aplaudida?
- Há em Lisboa, respondeu o Senhor R. a esse estrangeiro, uma raça de homens mais ou menos desconhecida, chamo-lhes eu os cavaleiros da pateada; é um bando de sujeitos que reinam no teatro, como os tiranos, pelo terror. Não vá persuadir-se de que sejam grandes personagens esses tiranos, ou simplesmente pessoas de gosto, cuja opinião tenha peso. É claro que lhes falta completamente o espírito, pois que imperam pelo medo que inspiram; também não são indivíduos de distinção que se prezem no mundo; em geral, as pessoas distintas são bem educadas e não é pelo assobio que costumam manifestar a sua opinião. Não. São antigos empregados, antigos empresários, talvez, descontentes e despeitados, alguns jovens da gandaia que se arrogam importância, e uma certa quantidade de velhos bonitos e amaneirados. Todas estas espécies se coligam para exercer sobre os empresários a tirania da intimidação.
- Façam o que nós queremos,
dizem eles, quando não tocamos o nosso instrumental. Não sabemos senão a arte de patear, mas estudámo-la com todos os seus requisitos e, se resistem, dar-lhes-emos uma prova irresistível do que sabemos e valemos.
E os empresários não resistem.
Só a ameaça de uma pateada torna todo o empresário que se respeita trémulo e lívido, seria inclusivamente capaz de vender a alma só para a evitar.
O desgraçado não vê, não sabe, que a sua fraqueza o põe a par do legendário personagem que se ocultava na água com medo da chuva…"

In Portugal de Relance, de Maria Rattazzi, ed.Antígona

4 comentários:

  1. Pois é, cara Suzana, muito bem apanhada a crónica.
    A canalhada da gandaia está cada vez mais atrevida, e insolente e até reforçada porque há quem veja as suas atitudes como politicamente muito correctas.
    Há que ser inteiro e não temer perante a arruaça.

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  2. Ha muitos, muitos anos, o rei Xariar surpreendeu a sua mulher na cama com um escravo e, profundamente magoado e enraivecido, decapitou-os a ambos. No entanto, para seu grande espanto, descobriu que o duplo assassinato não apaziguou a sua cólera. Por isso pediu ao vizir, que lhe levasse uma donzela diferente todas as noites. Desposava-as, passava a noite com elas e ao amanhecer ordenava que as executassem. E assim fez durante três anos, matando mais de mil jovens inocentes, até que o povo levantou o seu grito irado contra ele e o amaldiçoou, pedindo a Alá que acabasse com ele e o seu reinado; as mulheres clamaram e as mães choraram e os pais fugiram com as suas filhas até que na cidade não ficou uma única pessoa jovem para a cópula carnal.
    Chegou finalmente o dia em que só restavam duas donzelas na cidade: Xerazade, a filha mais velha do vizir, e a sua irmãzinha Dinazarda. Quando o vizir chegou a casa nessa noite, pálido e preocupado, Xerazade perguntou-lhe o que se passava. Contou-lhe o seu problema e ficou surpreendido com a reacção da jovem: em vez de lhe suplicar que a ajudasse a escapar, ofereceu-se imediatamente para ir passar a noite com o rei. «Desejo que me ofereçais em casamento ao rei Xariar», disse. «Viverei ou serei o resgate das donzelas muçulmanas»
    O pai de Xerazade, que a amava ternamente, opôs-se a este plano e tentou convencê-la a ajudá-lo a encontrar outra solução. Oferecê-la em casamento a Xariar era o mesmo que condená-la a uma morte certa. Mas, ao contrário de seu pai, ela estava persuadida de que tinha um poder excepcional e que conseguiria pôr fim às mortes. Curaria a alma atormentada do rei falando-lhe de coisas que haviam acontecido a outros. Levá-lo-ia a terras longínquas para que observasse costumes estranhos e tomasse uma maior consciência da sua própria estranheza interior. Ajudá-lo-ia a ver a sua própria prisão, o seu ódio obsessivo pelas mulheres. Xerazade tinha a certeza de que se conseguisse fazer com que o rei se visse a si próprio, desejaria mudar e amar mais. Finalmente o vizir acedeu contrariado e Xerazade casou-se nessa mesma noite com Xariar.

    Ao entrar nos aposentos do rei, Xerazade começou a contar-lhe um conto maravilhoso e interrompeu-o tão habilmente na parte mais emocionante que ele não conseguiu suportar separar-se dela ao amanhecer, de forma que a deixou viver até à noite seguinte para que acabasse de o contar. Na segunda noite Xerazade contou-lhe outra história maravilhosa, mas como ao romper a aurora ainda não tinha acabado, o rei teve de lhe poupar a vida outra vez. Na terceira noite aconteceu o mesmo, e na seguinte, e assim durante mil noites, que são quase três anos, até que o rei não conseguiu imaginar a sua vida sem ela. Nessa altura já tinham dois filhos, e ao cabo de mil e uma noites o rei renunciou ao seu horrível costume de decapitar as mulheres.
    FIM... ou não.
    ;))))


    Esta não é uma fábula, tão pouco foi escrita por La Fontaine, mas encerra em si uma moral (bom, como não me considero má-lingua digo que é só uma, mas acho que fácilmente lhe acharíamos várias)
    Mas, aquela a que me refiro e que podemos retirar de momento, é que, uma das possibilidades para se ser feliz, depende da forma habil como se empregam as palavras.

    Ou... se contam as histórias... ou... a forma como são escutadas... ou...

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  3. Suzana
    Oportuna e actual crónica. Com uma pequena diferença em relação aos tempos actuais. É que apenas uma minoria a classificaria de escândalo! Escandaloso, no mínimo…

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  4. Se a Ratazzi cá viesse de novo veria que muita da gandaia já foi promovida a engª ou drª, e o cochicho de hoje é tão temível como a pateada de ontem...

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