sábado, 13 de dezembro de 2008

Dignitas personae

Nos últimos 30 anos nasceram três milhões de meninas e de meninos graças às tecnologias da procriação medicamente assistida. Três milhões de seres humanos que, tal como os outros, os que nasceram “naturalmente”, vivem com as alegrias e as tristezas inerentes à existência. Fizeram e fazem a felicidade de milhões de pais a quem a Natureza negou a mais nobre e superior aspiração: ser pai e ser mãe.
Muitas crianças não viram, felizmente, a luz do dia, devido a intervenção médica. De facto, o diagnóstico pré implantatório permitiu evitar que muitos embriões, portadores de lesões graves, originem crianças com sérios problemas de saúde, que iriam sofrer de forma desumana, verdadeiro atentado à dignidade. A mesma técnica também permitiu, e irá continuar a permitir, salvar a vida de irmãos doentes e condenados ao sofrimento e à morte prematura.
As tecnologias médicas, nomeadamente as contraceptivas revolucionaram o mundo moderno da forma que todos conhecemos.
O Vaticano emitiu mais um documento, Dignitas personae, sobre bioética. O documento, obra da Congregação da Doutrina da Fé, descreve de forma explícita a posição já conhecida desde há muito tempo sobre estas matérias.
As recomendações fundamentais são as seguintes:
- Não aos embriões congelados. De facto, deverá ser evitado ao máximo a produção de embriões excedentários. No entanto, por motivos variados, por exemplo, desistência à última hora do casal, surge a necessidade de os congelar. Vá lá, o Vaticano já considera lícito congelar ovócitos, “para evitar um mal maior”!
- Condena o uso de células estaminais. Obviamente que não devem ser criados embriões com essa finalidade, mas, se não houver possibilidade de dar um destino viável aos embriões congelados, por que não utilizar as suas células, em vez de os eliminar? Um dos argumentos apresentados pelo Vaticano é que este tipo de investigação é “cooperar com o mal, um escândalo” e que não “está ao serviço da humanidade”.
- Não ao diagnóstico genético de embriões in vitro, porque pressupõe a condenação à morte de um embrião suspeito de defeitos cromossómicos ou genéticos. Suspeito? Não creio! Os cientistas não tomam decisões deste nível com base em “suspeitas”.
- “A clonagem é ílicita”. Claro que é.
- “A contracepção é aborto”! Continuo a não compreender esta atitude. “As técnicas de controlo de natalidade são como o pecado do aborto e gravemente imorais”. Apesar dos “interceptadores”, caso dos dispositivos intra-uterinos, não provocarem aborto, o Vaticano crê que “a intencionalidade abortiva está geralmente presente”
- Fecundação assistida? Sim, mas só entre os cônjuges. Aqui há uma evolução face à Donum Vitae de 1987. São aceites as técnicas que “respeitam o direito à vida e à integridade física de todos os seres humanos e à unidade do casal”. mas são proibidas a fecundação artificial quer homóloga quer a heteróloga. Logo, as que são permitidas são a eliminação de obstáculos à fertilidade do casal!
- Engenharia genética? Nem pensar, “porque o homem nunca poderá substituir o Criador” e lança uma séria advertência aos investigadores: “Não devem colaborar com o mal”!
Algumas das preocupações éticas realçadas pelo Vaticano são, igualmente, partilhadas pelos cientistas como é fácil de compreender. No entanto, torna-se muito difícil de compreender a razão de outras, sobretudo, quando invocam a “colaboração com o mal”. Muitas práticas, hoje consolidadas, não são a expressão do “mal”, mas um desejo sincero e superior em contribuir para “uma humanidade mais humana”, mais digna, menos sofredora, porque se deixarmos tudo nas mãos da Natureza, os verdadeiros “males” continuarão à solta com as suas fúrias, provocando sofrimento, morte, angústia e infelicidade.
Para o Vaticano a “filosofia geral é que todo o ser humano tem direito a nascer da união dos pais e não ser um produto do laboratório e da capacidade técnica de um médico”
Será que o Vaticano considera os três milhões de seres humanos nascidos através da procriação medicamente assistida como filhos do “mal”? De facto, há qualquer coisa que está mesmo mal!

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