1. Martin Wolf, notável colunista do Financial Times, assinou ontem um dos seus mais interessantes textos, dedicado à análise da crise económica internacional e em que coloca especial enfoque na estratégia escolhida para o combate a essa crise e nos seus presumíveis resultados.
2. Wolf sustenta que esta estratégia de combate à crise não nos pode reconduzir ao ponto de partida da mesma, porque isso seria reincidência no erro– “the world economy cannot go back to where it was before the crisis, because that was demonstrably unsustainable”.
3. Um importante resultado que a estratégia de combate implementada desde os USA até à Europa, com a participação activa do FMI, certamente vai obter é evitar aquilo que na sua ausência teria sido uma depressão extremamente cavada e longa da economia mundial, com particular ênfase nas economias mais desenvolvidas. Seria pior que em 1929-33.
4. Mas o facto de com toda a probabilidade ter sido possível evitar as piores consequências da crise financeira sobre a actividade económica a nível mundial não significa, segundo Wolf (e bem, parece-me), que estejam criadas as condições para uma retoma económica sustentada e duradoura.
5. “Is the worst behind us? In a Word, NO” – é esta a posição de Wolf em relação às perspectivas de recuperação geradas pelos programas de combate à crise.
6. É verdade, reconhece, que o declínio económico regista já algum abrandamento (USA, Alemanha, por exemplo), com a quebra da procura a desacelerar. Também é verdade que o sistema financeiro global dá sinais claros de estabilização, sendo já muito apreciável a redução dos spreads entre as dívidas de maior e de menor risco (privada "versus" soberana).
7. Mas é ainda muito cedo para se falar de uma próxima retoma e ainda menos de um regresso a um crescimento sustentado.
8. É remota, na análise de Wolf, a eliminação do excesso de capacidade instalada em múltiplos sectores de actividade, sendo mais afastada ainda a perspectiva do fim do processo de desendividamento (deleveraging) do sector privado.
9. Em última análise, a grande questão que se deve colocar é de saber se a principal causa desta crise económica - de que a crise financeira foi ao mesmo tempo consequência e causa, é curioso – ou seja um formidável desequilíbrio estrutural das principais economias, algumas exibindo enorme excesso de despesa em relação ao rendimento que geram (USA e UK, como bons exemplos) e outras um grande excesso de poupança (China, Japão, Alemanha, países do Golfo) – terá correcção com a “receita” que tem vindo a ser adoptada.
10. Wolf entende que não: nem as medidas de estímulo económico de curto prazo conhecidas nem o saneamento dos balanços das instituições financeiras serão por si sós suficientes para fazer o Mundo regressar a um crescimento económico sustentado e saudável – enquanto aqueles desequilíbrios estruturais não forem corrigidos.
11. O grande risco, a final, é que uma pequena recuperação venha a ser interpretada como um regresso à “normalidade” anterior ao desencadeamento da crise: “will convince the world things are soon going to be the way they were before”.
12. “They will not be”, conclui Wolf. Subscrevo.
Felizmente que o nosso excelente PM nos vai guiar heroicamente, num assomo de liderança e clarividência que ficará nos anais da História, para fora desta crise, com uma mistura imbatível de optimismo pacóvio, "saltapocismo" económico e ilusões de grandeza.
ResponderEliminarSe ao menos o governo pudesse decretar que a crise tinha acabado (como decretam, entre outras coisas, o sucesso escolar para todos)...O Pinho bem tentou, mas a ingrata realidade, caluniosa e abusiva, teima em contrariá-lo.
Caro Tavares Moreira, quer ver que um dia destes nos dizem que a riqueza só pode resultar da produção e da poupança, em oposição ao paradigma actual de que é rico quem consome, que outros pagaram a conta?
Caro rxc,
ResponderEliminarRelativamente a Portugal estou mais tranquilo, confesso, depois de ter ontem lido o World Economic Outlook do FMI que cita as situações em Portugal, Itália e Grécia como sendo aquelas em que as medidas anti-crise são praticamente inexistentes...
Assim, as preocupações com o malbaratamento de recursos e a acumulação de passivos incomportáveis no futuro talvez sejam excessivas...
Como excessivos serão, aqui por incomensurável maioria de razão,os espalhafatosos anuncios governamentais das medidas de combate à crise...deve estar tudo em excelente e confortável banho-maria...aguardando pelo esvanecimento da crise...
Não concordo nada com o senhor Wolf.A economia não pode voltar para trás. Os processos económicos não são invariantes em reversões temporais. E, como as pessoas não são eternas, envelhecem e têm filhos que, por sua vez...., todos os processos económicos são comprovadamente insustentáveis à partida, não precisam de uma demonstração empírica que, mais cedo ou mais tarde surgirá. O excesso de capacidade instalada existe em todas as actividades em todos os instantes, como o contrário também é verdade.
ResponderEliminarO problema deste tipo de análise empírica do Wolf (e de uma carrada deles que diariamente invadem tudo) é que,basicamente, fazem short selling de conhecimento. Vendem um conhecimento que não têm mas o facto de alguém (quase toda a gente) o comprar como conhecimento, vai mesmo passar a ser e quem estava curto de conhecimento acaba longo de razão.
Caro Tonibler,
ResponderEliminarDuas ideias a reter do seu comentário: 1ª que não concorda (nada) com Wolf e 2ª o short-selling de conhecimento dos economistas que se dedicam à análise empírica.
Quanto à 1ª está no seu direito de discordar de Wolf como eu de concordar (neste caso).
Repare que quando se diz que a economia nâo pode voltar ao ponto de partida, isso é dito em sentido figurado como é evidente.
Eu não entendo, confesso, que o esforço de recuperação da procura a nível mundial, sublinhado em especial por L. Summers, tenha de ser feito (sobretudo) pelos países/economias com mais elevados desequilíbrios estruturais...
Isso será "mais do mesmo" como se usa dizer, será reinicidir nos equívocos que conduziram a esta mini-catástrofe económica...
Se assim acontecer arriscamo-nos a uma "recuperação" à japonesa, daqui por 20 anos ainda andarão por aí uns andrajosos a queixar-se de que a economia não sai da "cepa torta"...
Quanto à sua 2ª ideia, brilhante, simplesmente brilhante, tem a marca inconfundível de Tonibler!
Já agora importa-se de esclarecer se essa praga de "short selling" também se aplica às análises - ou previsões, talvez melhor - de uma instituição de nós bem conhecida?
Caro Tavares Moreira
ResponderEliminarApenas alguns comentários laterais, ao seu post:
a) Aparentemente, estamos (não sei se é consenso ou não) naquele momento que, em termos náuticos se chama a cava da vaga: fizeram o que tinham para fazer e aguardam que produzam efeitos; em princípio os desejados, no pior dos casos que, não cumprindo as previsões, sejam menos más que o pior cenário elaborado.
Em termos temporais podemos afirmar que os efeitos poderão, começar a serem verificados/indiciados no segundo semestre do corrente ano; durante o terceiro trimestre saberemos se as medidas tiveram efeito. Neste trimestre estamos na cava da vaga, pelo que, tudo o que se disser vale o que vale, Tonibler "has a point": tudo o que se disser agora, pode ser "short selling".
b) A actual crise supõe/pressupõe os seguintes postulados:
1) A recuperação será conduzida pelos EUA, ergo, o reinicio da actividade económica dos EUA, suporá o (início) do fim da recessão.
2) A estrutura básica do modelo do capitalismo anglo-saxónico, dominante nestes vinte anos, será mantida e qualquer desviância deste modelo (pode ler-se nacionalizações, entre outras) será passageira.
c) Aceitando estes postulados fundamentais, podemos, desde já retirar as seguintes conlusões:
1. A recuperação plena da economia norte americana de uma situação de crise demora, em média, dois a três anos, a última, (a de 2001) terminou em 2004.
2. Só teremos recuperação plena, da economia norte americana, (se se verificar que os indicadores avançados apontam para que as medidas tomadas começam a produzir os seus efeitos) no segundo semestre, em finais de 2011/2012.
A partir destas metas podemos medir o tempo que a recuperação das restantes economias mundiais.
3. Após um período de crise, seguir-se-á o natural ajustamento do modelo dominante, retomando a actividade prosseguida antes da crise, se bem que partindo de um patamar mais baixo.
A questão e com isto termino, estes modelo(s) de previsão supõe que os postulados se mantenham, o que (e aqui têm sido um dos campos de batalha, dos analistas e dos políticos, entre outros,) não é, inequivocamente, líquido.
Neste sentido, o Martin Wolf terá razão.
Tavares Moreira sabe que, na cava da vaga, tudo pode acontecer e nada já poderemos alterar, enquanto não "subirmos" a mesma. Por isso aí, podemos dizer tudo o que quizermos que tudo pode ser verdadeiro.
Cumprimentos
João
Caro João,
ResponderEliminarMais um excelente contributo exegético para o tema de que nos ocupamos...
Que os "basics" da economia de mercado se vão manter, não me restam grandes dúvidas, basta ver o entusiasmo que os devotos do ani-liberalismo se entregam ao novo pensamento de Barack Obama nestes domínios esperando que ele castigue exemplarmente os prevaricadores e inaugure uma "novo" paradigma económico...
Quanto às questões suscitadas por Wolf não quero insistir muito mas não vejo, sinceramente, que os programas anti-crise em aplicação nos possam conduzir a um novo crescimento sustentado.
Nesse ponto, os alemães, que sabem mais deste tema a dormir que os outros acordados e em ebulição, já disseram que no tocante a programas de apoio chega...mais do que já foi feito pofe ter efeitos contrarios aos desejados.