segunda-feira, 27 de abril de 2009

Então Euro, porque nos desconfortas?...

1. Os resultados de sondagem realizada a nível europeu, divulgados na semana passada, mostraram que os portugueses são dos menos entusiasmados com a adopção da nova moeda – quase 2/3 dos inquiridos disseram que estaríamos melhor se tivéssemos ainda o Escudo.
2. Ontem ouvi na rádio um comentário do distinto economista e honrado cidadão Prof. João Ferreira do Amaral, desde sempre um Euro-céptico, sustentando a tese de que foi pena não se ter organizado um referendo aquando da aprovação do Tratado que instituiu a moeda única.
3. Compreendo perfeitamente o desconforto sentido pelos portugueses em relação ao Euro...e considero bem provável que a % dos que não se sentem bem dentro deste regime monetário venha a aumentar, com o tempo.
4. Se as condições de vida se estão degradando para um número tão significativo de cidadãos e não se vislumbra no horizonte qualquer perspectiva de virem a melhorar, é natural que as pessoas se interroguem quanto às vantagens de termos adoptado o Euro...
5. Importa porém ter presente que o Euro não é o culpado verdadeiro pelo mal-estar e pelo saudosismo do Escudo que um número tão expressivo de portugueses evidenciam...o grande problema, como aqui tenho muitas vezes sublinhado, foi a forma como “enfrentamos” a entrada no Euro.
6. A expressão enfrentamos está entre “ ” porque, na verdade, nem eu nem os ilustres comentadores do 4R temos qualquer responsabilidade no facto de os nossos ilustríssimos governantes da época da entrada no Euro terem resolvido assumir uma atitude de “novo rico”, arrastando-nos para um enorme equívoco.
7. Desprezou-se uma pedagogia fundamental do que implicava a adopção do Euro: (i) rigorosa disciplina financeira, muitíssimo em especial do Estado, (ii) contenção nos gastos das Famílias e na expansão do crédito bancário (coisa que por exemplo o Banco de España fez e muito bem na época), (iii) renovado esforço para obtenção ganhos de produtividade por parte das Empresas...
8. O que foi feito? Exactamente o oposto.
9. Numa postura de exuberante “optimismo pacóvio”, o Estado abriu ainda mais os “cordões à bolsa” – e a gestão orçamental dos anos anteriores à entrada no Euro havia sido já imensamente pródiga - os bancos desataram a financiar as Famílias e as empresas com grande liberalidade, sem qq cuidado quanto ao excesso de endividamento (créditos à habitação por montantes superiores a 100% do valor atribuído ao bem adquirido ou construído foram um exemplo entre muitos outros), assistimos a uma corrida desenfreada ao endividamento, ninguém quis saber...
10. Alguns cidadãos que tiveram a ousadia de alertar para o grave erro que se estava cometendo foram apelidados de pessimistas, aves agourentas e outros epítetos (ainda hoje os guardo como grata recordação...), ninguém quis saber de tais alertas.
11. Passaram 10 anos e agora é tarde, muito tarde mesmo...teremos de penar por muitos e bons anos...mas, por extraordinário que pareça, o “optimismo pacóvio” continua doutrina oficial ...
12. Alguém de bom senso ainda acredita que este problema tenha outra solução que não seja, lamentavelmente, “de mal a pior”?

10 comentários:

  1. Sócrates vai disputar eleições dentro de poucos meses, até lá tem de esbracejar muito, espalhar optimismo ("pacóvio", dirão os mais sensatos e conhecedores dos reais problemas da nossa economia) e investir/esbanjar em barda (ou pelo menos fingir que o faz, como foi bem exposto em anterior post desta casa), como se não houvesse amanhã. E vai continuar a afirmar até à náusea que este caminho é o único que nos vai tirar da crise (já é um avanço admitir que há crise e não considerar a sua referência como um insulto/abuso/campanha negra/botabaixismo), apesar de aparentemente apenas nos estar a receitar mais do mesmo que nos trouxe aqui (endividamento excessivo, crescimento económico insustentado, alocação ineficiente dos recursos económicos para sectores não produtivos). Julgo que isso seja a própria definição de ser-se estúpido. Mas também o que esperar dum PM com o "currículo" do nosso?

    Ao menos o Santana Lopes não enganava ninguém. Já as aventuras deste continuam a ser aplaudidas pela maioria da população (o Estado que pague tudo, deve ter alguma árvore das patacas lá no Ministério das Finanças). Até quando...?

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  2. Caro rxc,

    Boa pergunta a do seu "finale"- até sempre, é o que parece mais sensato responder, ainda que este "sempre" tenha (felizmente) um valor finito...

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  3. Caro Dr. T. Moreira,
    não me surpreende nada que 2/3 dos inquiridos pensem deste modo. Não precisamos de perceber de economia ou finanças para sentirmos que o resultado imediato da aderência à moeda única foi o aumento para o dobro dos bens de consumo corrente.
    Como todos se lembram, sobretudo no pequeno comércio, aquilo que nos custava 100 escudos, passou de um dia para o outro a custar-nos 1 euro, ou seja, o dobro. Tudo estaria bem, se com a entrada do euro, os ordenados tivessem duplicado de valor.
    Refere o caro Dr. e em minha opinião muitíssimo bem , que este processo deveria ter tido uma prévia e fundamental pedagogia. Teria, concordo como já disse, mas, se bem se recorda, nessa altura, até aqueles que se achavam incluídos nas reuniões e cimeiras e etc. "andavam-aos-papeis" relativamente à forma como a moeda única se iria comportar na realidade portuguesa. Recordo-me que mesmo depois de estar em circulação, já no final do período de transição ainda não se sabia muito bem.
    Nada que nos surpreenda, pois neste país de segredinhos e compadrios, logo uns espertalhões perceberam que com a moeda única iríam surgir oportunidades excelentes de fazer os fabulosos negócios da China, e o mitológico pensamento lusitano veio de imediato ao de cima «o segredo é a alma do negócio».
    E assim vamos andando "tapando o sol com a peneira" e "desenrrascando" uma solução miraculosa, mesmo, mesmo, mesmo quando a corda já está quase, quase, quase a rebentar.

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  4. Caro Bartolomeu,

    Compreendendo, em geral, sua catilinária político-social, há um pormenor em que me permito discordar: quando ao mitológico pansamento luso, ilustrado na expressão "o segredo é a alma do negócio".
    E a discordância advém do facto de, neste particular tema que é objecto do nosso debate, a alma do negócio não ter sido o "negócio" mas sim a "asneira".
    Até pode ter acontecido - aconteceu, com certeza - que muitos negócios se tenham realizado ao abrigo da pródiga incontinência que caracterizou (a ainda caracteriza) a gestão dos recursos públicos...mas subjacente a tudo isso esteve uma irresistível propensão para fazer mal, para errar, em suma a prevalência da asneira - um generoso "talent de très mal faire"!

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  5. Perfeitamente de acordo, caríssimo Dr. T. Moreira, mas, para mim existem dois tipos de asneiras: Aquelas que são praticadas por desconhecimento, por inépcia, por imperparação, por ingenuidade e até por pressão, e outra completamente diferente, aquela que se percebe antecipadamente produzirá efeitos nocivos, mas espera-se que produza benefícios para nós.
    Como dizia Vasco Pulido Valente ha pouco tempo «assim nunca iremos lá»

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  6. Caro Bartolomeu,

    Para usar uma expressão típica da industria de bebidas espirituosas escocesa, direi que no caso em apreço assistimos a um BLEND bastante variado de asneiras: aquelas que tipifica muito bem no seu comentário e porventura algumas mais...
    Quanto à expressão de VPV, acrescento apenas "não vamos mesmo e não vale a pena ter ilusões"...

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  7. Caro Tavares Moreira

    O seu post tem vários níveis de leitura.

    A percentagem de inquiridos "arrependidos" da entrada no euro, não me surpreende porque somos internacionalmente conhecidos por sermos irresponsáveis.
    Em que país da Europa conhece que discute o papel dos árbitros de futebol com a paixão e a importância que em Portugal? Assim escondemos a responsabilidade.
    Não conheco nenhum banco, nem o BPN, que tenha apontado uma arma aos seus clientes para contrair empréstimos.
    Quanto ao segundo nível, estou de acordo consigo, devíamos ter refrendado a entrada no euro, aliás devíamos ter discutido a decisão, a taxa de câmbio com que entrámos, as políticas antes e as que se deviam ter seguido.
    É certo que não se fez. Mas também não referendámos a adesão à CEE, nem nenhum dos passos subsequentes.
    Acho que não nos podemos queixar
    Como me sucedeu também, neste país, ter razão é mau, mas ter razão antes do tempo condena ao ostracismo, no melhor dos casos.
    Cumprimentos
    João

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  8. Caro João,

    Genericamente de acordo consigo (para não variar...), embora lhe diga que de pouco ou nada teria valido referendar os temas que menciona uma vez que isso não teria impedido a sucessão de erros (alguns gravíssimos) de política económica de cujas consequências agora nos estamos queixando...
    Quanto ao aspecto mais específico da taxa de substituição do velho Escudo em Euros, sugiro-lhe vivamente a leitura do recente e magnífico livro de Vítor Bento - "Perceber a Crise -para- Encontrar o Caminho".
    Vai verificar que essa taxa nem era à altura grande problema - hoje é, sem dúvida, mas em resultado da acumulação de erros cometidos entretanto, que aí continuam estoicamente, aliás...
    E será cada vez pior, por este andar...

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  9. Caro Tavares Moreira,

    Estou na linha do que dizia Medina Carreira. OS outros países vão sair da crise, mas nós vamos continuar nela.

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  10. Pois é, André, aí temos Medina o "pessimista"...que depois de lermos o livro de Vítor Bento podemos passar a apelidar Medina o "optimista"...

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