O motorista que nos levou ao aeroporto de Amsterdão era um filósofo. Um rapaz novo, com a cor da pele a denunciar origens africanas, meteu conversa porque reconheceu a nossa língua, costuma vir a Portugal todos os anos, passa uns dias no Algarve, e considera que vivemos cá num pequeno paraíso. E explicou porquê, ele é já a 3ª geração de imigrantes de Marrocos, os avós instalaram-se na década de 50 na Holanda e nunca mais voltaram, segundo ele na Holanda há espaço para quem quer trabalhar, as pessoas respeitam-se e ninguém se mete na vida uns dos outros desde que se cumpram as regras que permitem esse convívio multifacetado.
No entanto, segundo ele, também se perdeu pelo caminho a noção de família que há nos países do sul, cada um olha por si, os casais têm poucos filhos e logo que estão crescidos mandam-nos embora de casa, se for preciso encontram-se uma vez por ano. Os adultos, logo que se aproximam da velhice, mudam-se para bairros onde só há outros da idade deles, para não ficarem a depender de ninguém. Os filhos afastam-se dos pais, os netos mal conhecem os avós, as casas não estão preparadas para a família se reunir, nem os amigos, é preciso ir aos cafés para encontrar alguém. Ele, por exemplo, passa mais de seis meses sem ver os pais, não conhece os primos e ninguém se lembra de que ele existe. Ele, que tem sague marroquino, sabe que a família faz falta. Sem família, há uma grande solidão, é isso que aqui se sente, dizia o rapaz, podemos trabalhar e ter algum dinheiro mas chegamos ao fim do dia e não temos ninguém com quem conversar, nem ninguém que nos pergunte se estamos felizes ou doentes, na vossa terra não é assim, isso vê-se mesmo quando se está de passagem, como acontece quando lá vou. É claro, dizia ele, os governos também não são como o nosso, aqui as pessoas são solitárias e por isso o Governo tem que garantir que dá oportunidades a todos, lá as famílias protegem os seus, pode ser mau ou bom, mas de certeza que as pessoas não são tão solitárias. O motorista perdia-se nos seus pensamentos e por fim, já à chegada, concluiu: “O que era bom era que vocês tivessem governos que olhassem pelas pessoas mas que as famílias se mantivessem unidas, para que os valores e o afecto não deixassem esta solidão, é pena que não se possa reunir tudo…”
É a quadratura do círculo, o preconizado por este afro-holandês.
ResponderEliminarTal como na Holanda, a realidade social portuguesa fomenta, cada vez mais, a solidão e o isolamento das pessoas. Nesta matéria, as diferenças mais notórias entre os dois países serão de grau e não de sentido. O nosso desejo de “convergência real” com os parceiros europeus é, porventura, mais forte do que a boa tradição familiar.
O calor humano que o motorista holandês ainda consegue discernir, nas suas férias algarvias, como traço distintivo das sociedades latinas é, cada vez mais, uma questão de estilo e não de substância.
Em Portugal, no que ao desenvolvimento e à distribuição da riqueza diz respeito, os ventos sopram do sul, africano; no que aos costumes e à demografia concerne, os ventos insuflam do norte, europeu. E é neste remoinho atmosférico que a bússola portuguesa se vai movendo, qual Colombo das Américas a navegar rumo à Índia.
Não será fácil conciliar a máxima eficácia e eficiência governativa com a solidariedade afectiva dos governados. E, parece que os pontos fracos de uns influenciam as fragilidades dos outros. Os aspectos a melhorar são muitos mas falta a fonte de inspiração…
Tem razão, caro Felix Isménio, parece a quadratura do círculo. O pior é se perdemos uma vantagem, convencidos de que a outra chegará, e ficamos sem as duas...
ResponderEliminarOra seja bem reaparecido, caro Félix Esménio, depois de tão longa ausência!...
ResponderEliminarGostamos de o ver por cá!...