Estas coisas das pandemias assustam um pouco. É dada uma ênfase tão exagerada que às vezes leva a que muitos questionem: - “Será mesmo assim tão perigosa? Às tantas não é”! Estes enquadram-se no grupo dos mais céticos. Do outro lado, temos um outro grupo, os que entram com muita facilidade em pânico, ao ponto de redefinirem a própria vida, alterando por completo os hábitos quotidianos. No meio - dizem que é onde mora a virtude -, estão os restantes que, não sendo virtuosos propriamente ditos, vão alternando a preocupação da gripe com outros acontecimentos, políticos, económicos e desportivos, que são os pratos fortes da nossa sociedade.
Estes fenómenos, pandemias de gripe, não são de hoje. Sempre existiram, mas foi a partir dos finais do século XVI que começaram a ser razoavelmente documentadas.
Os vírus têm algumas particularidades: querem viver e são genuinamente democráticos, aproveitando-se de nós sempre que podem.
Num mundo em que as pessoas começam a habituar-se à ideia de que são “imortais”, toda e qualquer agressão é vista como algo a evitar, como sendo uma falta de respeito pela integridade física humana. Compreendo e aceito que as autoridades e responsáveis tomem as atitudes que possam minimizar impactos mais brutais na saúde das pessoas e da comunidade. As medidas que têm sido tomadas são reveladoras dessa enorme capacidade. Apesar de tudo nada nos garante que sejam capazes de impedir que o vírus acabe por entrar na nossa vida à escala planetária.
O vírus responsável pela atual crise parece não ser tão violento como se supunha à partida, e compartilho a posição de colegas epidemiologistas, de que deverá ser dada permissão à sua entrada na comunidade. Deste modo, poder-se-ia aproveitar, pelo menos nesta fase, a virulência não muito elevada. Sendo assim, muitas pessoas iriam adquirir a doença, vacinando-se naturalmente. Algumas pessoas até podem sofrer o impacto do vírus sem adoecer e adquirir ao mesmo tempo imunidade. Só assim se justifica o facto de algumas pessoas de uma determinada localidade acabarem por sofrer a doença sem terem tido contacto com um doente com gripe. O vírus também sabe da poda e pode ir à boleia de qualquer um até se disseminar por esse mundo fora. Claro que para isto tem de ser um vírus “esperto” que não seja muito virulento e que possa, inclusive, não causar transtornos em muitas pessoas.
As medidas que estão a ser estabelecidas, como o caso das pessoas feitas “prisioneiras” num hotel de Hong-Kong, ou as que são convidadas a não porem os pés no local do trabalho, na primeira semana após o regresso de uma área com casos, constituem formas de retardar o processo e funcionam, limitando a cadeira de transmissão. Mas não se espere que esta última medida, a mais simples e a mais lógica de todas, consiga resolver as coisas. Não! E passo a explicar. Nos EUA, onde o fenómeno começa a tomar alguma expressão, atendendo ao número de casos e aos estados já invadidos, não é possível, para maioria dos trabalhadores, ficar em casa para fazer uma quarentena. Quem é que irá pagar essa semana de trabalho? Se o trabalhador não recebe, pode incorrer no despedimento. O sistema norte-americano não tem correspondência à valência social da Europa. No velho continente, a uma pessoa que seja considerada suspeita ou de risco é-lhe dada “baixa”, mesmo sem a pedir para conter a propagação do vírus. Pode estar uma semana nestas condições e não ser penalizada em termos financeiros nem correr risco de desemprego. Nos E.U.A. não é assim, nem para lá caminha. Deste modo, a falta de apoios sociais impede que medidas como as que acabei de anunciar não possam ser implementadas e, consequentemente, acabem por favorecer a propagação do vírus. Afinal não basta conhecer a epidemiologia da gripe A, e nem as medidas de contingência adotadas serão suficientes se os aspetos laborais e de proteção social não forem os mais adequados.
Como epidemiologista, tenho que acrescentar à longa lista de fatores determinantes da disseminação da doença, o sistema económico e a segurança social, os quais poderão constituir um fator de agravamento ou de contenção. O “dinheirito” pode ser um fator de risco suscetível de facilitar a transmissão virusal. E de que maneira! Através da pobreza, da falta de apoios sociais e do próprio sistema económico.
Para terminar espero não vir a ser comparado a Saramago. Não na escrita, obviamente, mas na interpretação “epidemiológica” que há dias deu, segundo a qual parte da culpa da gripe era do “capitalismo”! Como se não houvesse porcos na China comunista...
Estes fenómenos, pandemias de gripe, não são de hoje. Sempre existiram, mas foi a partir dos finais do século XVI que começaram a ser razoavelmente documentadas.
Os vírus têm algumas particularidades: querem viver e são genuinamente democráticos, aproveitando-se de nós sempre que podem.
Num mundo em que as pessoas começam a habituar-se à ideia de que são “imortais”, toda e qualquer agressão é vista como algo a evitar, como sendo uma falta de respeito pela integridade física humana. Compreendo e aceito que as autoridades e responsáveis tomem as atitudes que possam minimizar impactos mais brutais na saúde das pessoas e da comunidade. As medidas que têm sido tomadas são reveladoras dessa enorme capacidade. Apesar de tudo nada nos garante que sejam capazes de impedir que o vírus acabe por entrar na nossa vida à escala planetária.
O vírus responsável pela atual crise parece não ser tão violento como se supunha à partida, e compartilho a posição de colegas epidemiologistas, de que deverá ser dada permissão à sua entrada na comunidade. Deste modo, poder-se-ia aproveitar, pelo menos nesta fase, a virulência não muito elevada. Sendo assim, muitas pessoas iriam adquirir a doença, vacinando-se naturalmente. Algumas pessoas até podem sofrer o impacto do vírus sem adoecer e adquirir ao mesmo tempo imunidade. Só assim se justifica o facto de algumas pessoas de uma determinada localidade acabarem por sofrer a doença sem terem tido contacto com um doente com gripe. O vírus também sabe da poda e pode ir à boleia de qualquer um até se disseminar por esse mundo fora. Claro que para isto tem de ser um vírus “esperto” que não seja muito virulento e que possa, inclusive, não causar transtornos em muitas pessoas.
As medidas que estão a ser estabelecidas, como o caso das pessoas feitas “prisioneiras” num hotel de Hong-Kong, ou as que são convidadas a não porem os pés no local do trabalho, na primeira semana após o regresso de uma área com casos, constituem formas de retardar o processo e funcionam, limitando a cadeira de transmissão. Mas não se espere que esta última medida, a mais simples e a mais lógica de todas, consiga resolver as coisas. Não! E passo a explicar. Nos EUA, onde o fenómeno começa a tomar alguma expressão, atendendo ao número de casos e aos estados já invadidos, não é possível, para maioria dos trabalhadores, ficar em casa para fazer uma quarentena. Quem é que irá pagar essa semana de trabalho? Se o trabalhador não recebe, pode incorrer no despedimento. O sistema norte-americano não tem correspondência à valência social da Europa. No velho continente, a uma pessoa que seja considerada suspeita ou de risco é-lhe dada “baixa”, mesmo sem a pedir para conter a propagação do vírus. Pode estar uma semana nestas condições e não ser penalizada em termos financeiros nem correr risco de desemprego. Nos E.U.A. não é assim, nem para lá caminha. Deste modo, a falta de apoios sociais impede que medidas como as que acabei de anunciar não possam ser implementadas e, consequentemente, acabem por favorecer a propagação do vírus. Afinal não basta conhecer a epidemiologia da gripe A, e nem as medidas de contingência adotadas serão suficientes se os aspetos laborais e de proteção social não forem os mais adequados.
Como epidemiologista, tenho que acrescentar à longa lista de fatores determinantes da disseminação da doença, o sistema económico e a segurança social, os quais poderão constituir um fator de agravamento ou de contenção. O “dinheirito” pode ser um fator de risco suscetível de facilitar a transmissão virusal. E de que maneira! Através da pobreza, da falta de apoios sociais e do próprio sistema económico.
Para terminar espero não vir a ser comparado a Saramago. Não na escrita, obviamente, mas na interpretação “epidemiológica” que há dias deu, segundo a qual parte da culpa da gripe era do “capitalismo”! Como se não houvesse porcos na China comunista...
Caro Prof, este seu post lembrou-me o Triunfo dos Porcos - et pour cause... - parece que até na prevenção da doença "há uns mais iguais que outros".
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