Um fim de semana ansiosamente desejado, não propriamente pela expectativa do descanso, mas mais pela mudança de ambiente, já que tenho que o aproveitar para complementar as tarefas inacabadas e arrancar para outras.
A televisão apresenta uma pequena reportagem em que uma mulher, magra, de pele castanha, cabelos descuidados e esbranquiçados, chorava com lágrimas de sangue a tragédia que se tinha abatido sobre a sua comunidade naquela zona do Sri Lanka sujeito a guerra desde há muitos anos. Clamava alto por ajuda para as crianças que sofriam naquele contexto desgarrado, típico de luta armada. Passado algum tempo caí num outro canal onde uma mulher, indiferente a tudo o que se passava no seu horizonte, empunhava a carcaça de uma criança resumida naqueles enormes órgãos que teimam em resistir a qualquer fome, procurando algum alimento nas mamas desleitadas. Melhor sorte tinham as moscas que o beijavam asquerosamente. Segundo incómodo da noite e eis que tropeço com uma senhora bonita, de muita idade, falando uma língua áspera que não lhe retirava a alegria do olhar e o encanto do sorriso. Era uma poetisa judia que proclamava o seu amor e adoração pelos bosques, por todos os bosques do mundo. Sempre que entrava num apetecia-lhe beijar a terra. Mas porquê tanto amor? Eis que a explicação surge com a imagem de um bosque polaco que tinha servido em tempos de vala comum a muitos judeus, entre os quais se encontravam os seus familiares. Ao beijar a terra do bosque homenageava os seus, os homens, as mulheres e as crianças. Ao beijar a terra de outros bosques beijava a vida de todos os seres humanos. A sua bela explicação foi apenas a introdução para aquele episódio horrível em que centenas ou milhares de corpos foram lançados numa vala. Um estranho fenómeno ocorreu então. Durante uma semana a terra parecia que se mexia. Eram os corpos de muitos moribundos a nadarem naquela extensa massa gelatinosa em decomposição misturada com terra e lama, como se fossem vermes presos da morte que obscenamente lhes recusava abrir a porta, prolongando o sofrimento. A reportagem, rica de iconografia e de opiniões, descreve um momento em que as crianças perguntavam onde estava Deus, porque é que não vinha ajudá-los. Deviam ser os únicos que O invocavam perante o silêncio dos mais velhos.
Dormi mal. Sonhei com os gritos desesperados da mulher do Ceilão, com as moscas a alimentarem-se do pobre corpo da criança africana, com soldados a esmagarem a cabeça de bebés contra as árvores e pedras, vi o campo de corpos gelatinosos a movimentar-se silenciosamente, entrecortado com as perguntas secas, frias e inaudíveis das crianças. Na encosta sobranceira à vala um sacerdote de longas barbas e vestes ricas olhava para a sepultura coletiva e fazia proclamações de braços abertos. Aproximei-me e perguntei-lhe onde estava Deus, que O fosse chamar rapidamente para salvar as pessoas, sobretudo as crianças que tinham perguntado por Ele. Olhou-me e soberanamente afirmou: - “Deus ama infinitamente os seres humanos”. Disse-lhe que sim. - Está bem, está bem, mas vá chamá-Lo depressa! E repetia sempre a mesma frase. Entretanto, as crianças iam desaparecendo uma a uma como se tivessem sido tragadas por um poço esfomeado, enquanto o sacerdote continuava na sua lengalenga, que só acabou quando a última criança desapareceu e a terra deixou de se movimentar. Antes que virasse as costas, agarrei-lhe nas vestes, obriguei-o a olhar para mim e disse-lhe: - Que estranha forma de amar! Com desprezo, virou-me as costas e desapareceu, não sei se ia para outra vala comum ou se ia falar com Deus.
A televisão apresenta uma pequena reportagem em que uma mulher, magra, de pele castanha, cabelos descuidados e esbranquiçados, chorava com lágrimas de sangue a tragédia que se tinha abatido sobre a sua comunidade naquela zona do Sri Lanka sujeito a guerra desde há muitos anos. Clamava alto por ajuda para as crianças que sofriam naquele contexto desgarrado, típico de luta armada. Passado algum tempo caí num outro canal onde uma mulher, indiferente a tudo o que se passava no seu horizonte, empunhava a carcaça de uma criança resumida naqueles enormes órgãos que teimam em resistir a qualquer fome, procurando algum alimento nas mamas desleitadas. Melhor sorte tinham as moscas que o beijavam asquerosamente. Segundo incómodo da noite e eis que tropeço com uma senhora bonita, de muita idade, falando uma língua áspera que não lhe retirava a alegria do olhar e o encanto do sorriso. Era uma poetisa judia que proclamava o seu amor e adoração pelos bosques, por todos os bosques do mundo. Sempre que entrava num apetecia-lhe beijar a terra. Mas porquê tanto amor? Eis que a explicação surge com a imagem de um bosque polaco que tinha servido em tempos de vala comum a muitos judeus, entre os quais se encontravam os seus familiares. Ao beijar a terra do bosque homenageava os seus, os homens, as mulheres e as crianças. Ao beijar a terra de outros bosques beijava a vida de todos os seres humanos. A sua bela explicação foi apenas a introdução para aquele episódio horrível em que centenas ou milhares de corpos foram lançados numa vala. Um estranho fenómeno ocorreu então. Durante uma semana a terra parecia que se mexia. Eram os corpos de muitos moribundos a nadarem naquela extensa massa gelatinosa em decomposição misturada com terra e lama, como se fossem vermes presos da morte que obscenamente lhes recusava abrir a porta, prolongando o sofrimento. A reportagem, rica de iconografia e de opiniões, descreve um momento em que as crianças perguntavam onde estava Deus, porque é que não vinha ajudá-los. Deviam ser os únicos que O invocavam perante o silêncio dos mais velhos.
Dormi mal. Sonhei com os gritos desesperados da mulher do Ceilão, com as moscas a alimentarem-se do pobre corpo da criança africana, com soldados a esmagarem a cabeça de bebés contra as árvores e pedras, vi o campo de corpos gelatinosos a movimentar-se silenciosamente, entrecortado com as perguntas secas, frias e inaudíveis das crianças. Na encosta sobranceira à vala um sacerdote de longas barbas e vestes ricas olhava para a sepultura coletiva e fazia proclamações de braços abertos. Aproximei-me e perguntei-lhe onde estava Deus, que O fosse chamar rapidamente para salvar as pessoas, sobretudo as crianças que tinham perguntado por Ele. Olhou-me e soberanamente afirmou: - “Deus ama infinitamente os seres humanos”. Disse-lhe que sim. - Está bem, está bem, mas vá chamá-Lo depressa! E repetia sempre a mesma frase. Entretanto, as crianças iam desaparecendo uma a uma como se tivessem sido tragadas por um poço esfomeado, enquanto o sacerdote continuava na sua lengalenga, que só acabou quando a última criança desapareceu e a terra deixou de se movimentar. Antes que virasse as costas, agarrei-lhe nas vestes, obriguei-o a olhar para mim e disse-lhe: - Que estranha forma de amar! Com desprezo, virou-me as costas e desapareceu, não sei se ia para outra vala comum ou se ia falar com Deus.
«Aproximei-me e perguntei-lhe onde estava Deus»
ResponderEliminarEsta será, possívelmente, a pergunta mais pertinente e pirâmidal de todos os tempos.
A resposta, ou solução, poderá estar e ter estado sempre, clara e transparente, perante os nossos olhos. Ou então, a solução ser composta por tantas respostas que se complementam entre si, criando tal como o universo uma rede intrincada de causas e efeitos, capazes de toldar por completo o entendimento humano.
Opto pela primeira, pela solução simples, evidente, clara, e pela resposta igualmente simples, ingénuamente simples: A humanidade não deixou nunca de existir, por isso, Deus é tudo, é a essência humana e varia de omnipotência, de omnipresença e de omnisciência, conforme as conjunturas se vão sucedendo, resultado da causa e efeito,das conjunturas que a mesma essência humana é capaz de gerar.
Então, recaio na segunda solução e na intrincada dinâmica do universo, tão semelhante à forma de o nosso cérebro funcionar, oque nos remete para a hipotese de Deus, ser uma criação do nosso cérebro, o que faria que, quando apelamos para Ele, estejamos a apelar a nós mesmo, ao nosso Eu universal. Quando apelamos para Ele, estejamos também a apelar para a nossa capacidade de criar, de mudar, de modificar criando, de criar, modificando.
Será!?
Um pesadelo terrível, mas em que está presente a pergunta infinitas vezes feita por todos os que vivem ou sofrem esses pesadelos. E a resposta do caro Bartolomeu, a explicar com muita beleza o motivo pelo qual havemos sempre de insistir na pergunta. É que, se não soubéssemos que talvez haja resposta,já teríamos desistido de perguntar.
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