Um aparatoso grupo militar de falangistas invadiu uma quinta onde se encontrava Lorca a convite de um amigo seu. Foi detido na tarde de 16 de agosto de 1936. Os amigos fizeram tudo para o libertar. Comunicaram que o poeta já não se encontrava na cidade. Mentira. Anos mais tarde chegaram à conclusão de que o general Queipo de Llano tinha proferido uma sentença nos seguintes termos: “Deem-lhe café, deem-lhe muito café”, palavras que no seu código significava ordem para o fuzilar. E assim foi. Ofereceram-lhe gratuitamente a morte do dia 19. Sei que tentou rezar mas não conseguiu recordar-se da oração. Não sei se lhe deram a beber café no seu último dia de vida, e desconheço, também, as razões que levaram o seu executor a pronunciar “deem-lhe café”, em vez de proferir “fuzilem-no”!
Não sei se Queipo gostava de café, mas para fazer o que fez e dizer o que disse, só posso apreender que nunca chegou a aprender a saborear tão agradável bebida que começou a impor-se no decurso do século XVII. Viena foi o palco principal, quando o grão-vizir, Kara Mustapha, ao levantar o cerco, abandonou quinhentos sacos daqueles preciosos grãos que ninguém sabia o que era. Ninguém, é como quem diz! Um espião polaco, nada parvo, conseguiu que lhe fosse cedido parte daquele espólio e logo abriu uma pousada, “A Garrafa Azul”. Mas a bebida negra era amarga e para a adoçar juntou-lhe creme de leite. Et voilá! Nasceu o café vianense. Entretanto os italianos aproveitaram a moda de Viana e o café que vinha por mar. Foram os venezianos que ensinaram os europeus a tomar café.
De acordo com Álvaro Cunqueiro, “A Cozinha Cristã do Ocidente”, são quatro as condições estabelecidas pelos “venetos” para o café: “Doce como o amor, puro como um anjo, negro como o Demónio e quente como o Inferno”.
“Deem-lhe café, deem-lhe muito café”, mas não lhe deram amor, amor que ele deu e continua a dar. A sua poesia é pura, demasiado pura, mesmo para os anjos, sobretudo os da morte, os que pactuavam com o Demónio naquele dia a lembrar o Inferno.
Não conseguiu rezar no momento do fuzilamento. Esqueceu-se da oração. Não importa. Talvez tenha recordado o seu “Memento”, em que canta:
Quando eu morrer
enterrai-me com a guitarra
debaixo da areia.
Quando eu morrer
entre as laranjeiras
e a hortelã.
Quando eu morrer
enterrai-me, se quereis,
num cata-vento.
Quando eu morrer!
E morreu.
No dia do aniversário da sua morte, ao olhar para o cata-vento da torre da igreja, vou beber um café negro e quente a lembrar os demónios e o Inferno dos seus últimos dias, e, ao mesmo tempo, irei saborear a doçura do seu amor e a pureza da sua alma.
Eu quero que ele esteja enterrado num cata-vento.
Bebam um café e que cada golo simbolize uma bala.
“Deem-lhe café”, café da memória. Um simples memento.
Não sei se Queipo gostava de café, mas para fazer o que fez e dizer o que disse, só posso apreender que nunca chegou a aprender a saborear tão agradável bebida que começou a impor-se no decurso do século XVII. Viena foi o palco principal, quando o grão-vizir, Kara Mustapha, ao levantar o cerco, abandonou quinhentos sacos daqueles preciosos grãos que ninguém sabia o que era. Ninguém, é como quem diz! Um espião polaco, nada parvo, conseguiu que lhe fosse cedido parte daquele espólio e logo abriu uma pousada, “A Garrafa Azul”. Mas a bebida negra era amarga e para a adoçar juntou-lhe creme de leite. Et voilá! Nasceu o café vianense. Entretanto os italianos aproveitaram a moda de Viana e o café que vinha por mar. Foram os venezianos que ensinaram os europeus a tomar café.
De acordo com Álvaro Cunqueiro, “A Cozinha Cristã do Ocidente”, são quatro as condições estabelecidas pelos “venetos” para o café: “Doce como o amor, puro como um anjo, negro como o Demónio e quente como o Inferno”.
“Deem-lhe café, deem-lhe muito café”, mas não lhe deram amor, amor que ele deu e continua a dar. A sua poesia é pura, demasiado pura, mesmo para os anjos, sobretudo os da morte, os que pactuavam com o Demónio naquele dia a lembrar o Inferno.
Não conseguiu rezar no momento do fuzilamento. Esqueceu-se da oração. Não importa. Talvez tenha recordado o seu “Memento”, em que canta:
Quando eu morrer
enterrai-me com a guitarra
debaixo da areia.
Quando eu morrer
entre as laranjeiras
e a hortelã.
Quando eu morrer
enterrai-me, se quereis,
num cata-vento.
Quando eu morrer!
E morreu.
No dia do aniversário da sua morte, ao olhar para o cata-vento da torre da igreja, vou beber um café negro e quente a lembrar os demónios e o Inferno dos seus últimos dias, e, ao mesmo tempo, irei saborear a doçura do seu amor e a pureza da sua alma.
Eu quero que ele esteja enterrado num cata-vento.
Bebam um café e que cada golo simbolize uma bala.
“Deem-lhe café”, café da memória. Um simples memento.
Caro professor, permita-me intervir. Na Espanha de hoje em dia dizer-se "Dêem-lhe café" não é propriamente das expressões mais queridas.
ResponderEliminarÉ que o General Queipo de Llano não usou a expressão "dadle café, mucho café" referindo-se ao fuzilamento de Garcia Lorca por acaso. Essa expressão era o eufemismo usado pelo general para mandar fuzilar quem quer que fosse. Nunca mandava faze-lo directamente. Mandava sempre que se desse café ao visado. Os seus lugares-tenente sabiam o que queria dizer tal expressão e agiam em conformidade.
Caro professor ... gostava que lêsse ....
ResponderEliminarhttp://saudesa.blogspot.com/2009/08/faculdade-e-solitaria.html
os meus cumprimentos
Pézinhos
ResponderEliminarJá tinha lido neste fim de semana.
Certas "coisas" não podem acontecer. Hoje existem mecanismos e protocolos que se fossem cumpridos, numa base de certificação de qualidade de procedimentos, que começam a ser exigidos a vários níveis, muito dificilmente se materializariam em casos destes. É certo que o erro médico existe, é quantificável, e é praticamente impossível erradicar. As razões são várias, uma delas tem a ver com o jogo de probabilidades em que navegamos. Eu sei do que falo. Sou médico e tenho uma filha que foi gravemente afetada por um erro médico e era tão fácil de evitar, tão fácil, meu Deus!
A responsabilidade é de todos e todos devemos contribuir para que muitas coisas não aconteçam, porque dói, e muito, se quer que lhe diga...