1. Numa declaração algo heterodoxa para banqueiro central, o membro do Conselho Executivo do BCE, González-Paramo, dirigiu ontem um apelo aos bancos da zona Euro para que não sejam demasiadamente prudentes nos critérios que utilizam na concessão de crédito, destacando que eles também desempenham uma “função social”...
2. Segundo este responsável do BCE, “é muito importante que os bancos evitem cair num estado de excessiva prudência”, sustentando que “não é necessariamente melhor ser excessivamente conservador do que ser imprudente na concessão de crédito”...
3. Numa aparente tentativa de equilibrar a sua declaração – talvez para evitar que fosse interpretada como convite ao laxismo de crédito - González-Paramo acrescentou que “existe ainda muita incerteza em relação à solidez dos bancos e à sua capacidade de resistir a novas perturbações negativas na actividade económica” pelo que se tornam necessárias “medidas de reestruturação para reforçar a capacidade de resistência dos bancos...”.
4. Estas declarações, apesar da mistura de sinais algo contraditórios, mostram que o BCE tem uma percepção aguda de que em matéria de política de crédito os bancos passaram do 8 ao 80: até há 18 meses, mais ou menos, numa altura em que empresas e particulares viviam com razoável folga financeira, concediam crédito com toda facilidade, quase sem critério...agora que a crise veio impor grandes dificuldades aos agentes económicos, contribuindo para um rápido crescimento do crédito mal-parado, resolvem meter trancas à porta...
5. Este comportamento dos bancos evidencia clara natureza pró-cíclica: (i) em fases de expansão económica os bancos facilitam, facilitam, alimentando o “boom” até à “buble” e ajudando ao “buble-burst”; (ii) em fases de contracção da actividade económica apertam os critérios de análise do risco e de concessão de crédito, agravando as dificuldades da economia e levando muitas empresas ao colapso...
6. Onde está então a função social que Paramo menciona - a não ser em versão claramente invertida?
8. Um dos aspectos que mais impressionará neste comportamento cíclico dos bancos é o tratamento de autêntico “castigo” que alguns aplicam a clientes de crédito que são bom risco em tempos normais e que não deixam de o ser em tempos de crise...só que a sua actividade é também afectada durante a crise...os seus resultados líquidos e o seu “ebitda” sofrem naturalmente, mas sem que a qualidade da sua gestão tenha sido afectada...
9. Esse tipo de comportamento afigura-se mais problemático, até porque em tempos de crise a possibilidade de mudar de banco para qualquer empresa (que não seja muito grande) está seriamente diminuída...
10. Será que o recém-criado Mediador do Crédito terá condições para apreciar estes fenómenos e desempenhar uma função socialmente útil na correcção dos aspectos mais críticos do referido comportamento cíclico? Não parece muito provável...sem entrar agora na questão de saber se este novo cargo tem sólida justificação.
Caro Dr. Tavares Moreira,
ResponderEliminarA declaração de González-Paramo mais parece um desabafo, um "suspiro de desalento".
Mas conceda-se que a persistência pró-ciclica das ICs é dramaticamente coerente: o exercício de estrangulamento das MPMEs a que a banca se tem vindo a prestar não passa, na verdade, de uma selecção de crédito "menos mau", que as ICs aceitam reestruturar (sem aumento, ou então muito marginal), a troco de prestação ou reforço muito substancial de garantias, que os pequenos empresários entregam sob manifesta coacção...
Fazem-no, ademais, com absoluta conivência do Estado, cujas linhas especiais de apoio impõem, na maioria das vezes, condições ainda mais draconianas!
Cobertas as imparidades potenciais de número suficiente de operações, poderão, então, as ICs regressar ao conhecido exercício de titularização de créditos, posteriormente revendida a um qualquer tipo de SPV, cujo rating, atribuido por reputadíssimas agências de notação, nunca será menos que optimo, jurarão a pés juntos...
Quanto à "função social" da banca, foi, há já muito tempo, substituida por um derivado muitíssimo mais rentável: a RSE, esse verdadeiro instrumento de marketing, que tem a vantagem de ser mensurável e certificável, dispensando, pois, as ICs do seu exercício efectivo: basta invocar a Certificação SA 8000 para se ser inilidivelmente presumido bom samaritano!
Aqui chegados, falar do Mediador de Crédito (versão DL 144/2009), é pouco mais que anedótico!
O que dizer de uma figura (mais uma...), que se pretende "imparcial e independente", mas que:
1- Foi criada, "...ouvido o Banco de Portugal...";
2- Funciona "...junto do Banco de Portugal..."
3- É coadjuvado por um conselho nomeado pelo governo "...ouvido o Banco de Portugal...";
4- Cuja remuneração é fixada "...ouvido o Banco de Portugal..."
5- Que depende tecnicamente... do Banco de Portugal;
6- Que depende do apoio administrativo... do Banco de Portugal;
7- Que depende financeiramente... do Banco de Portugal.
Alguém acredita?!
Só mesmo, porventura, o próprio recém nomeado Mediador, que levará, certamente, todo o seu mandato bienal a tentar interpretar o artº 4º do famigerado DL 144/2009, para concluir que não tem, afinal, competência para coisa nenhuma!
Caro Tavares Moreira,
ResponderEliminarCoitados dos cidadãos que precisarem da boa vontade dos bancos ou das companhias de seguros... É incrível como mesmo sendo potenciadores duma crise, não são capazes de lavar a cara e dar uma outra imagem, ajudando nestas épocas de importante recuperação económica. Não é fazer solidariedade, mas sim ter uma noção de consciência social!
Caro Henry,
ResponderEliminarEsse posicionamento estratégico do Mediador, encrustado no BdeP, é uma solução genial...não imaginei que o legislador fosse capaz de solução tão engenhosa e patriótica.
Vamos ter uma mediação à altura das necessidades de crédito do País, disso ninguém tenha dúvidas...
Os nossos credores externos que se acautelem, não pensem em fazer-nos exigências despropositadas ou incumpríveis...
Caro André,
Os cidadãos já nem reagem...para eles existir ou não Mediador é rigorosamente indiferente, uma vez que para os seus interesses estará sempre garantida uma posição de rectaguarda...mas bem na rectaguarda...
Caro Tavares Moreira, li com atenção o que escreveu e a sua resposta aos dois comentários anteriores. Fiquei com uma dúvida. O meu caro amigo aconselhou cautela aos credores externos quanto a exigencias despropositadas ou, e aqui vem o meu problema, incumpriveis. Nas incumpriveis inclui-se o simples facto de pedirem o pagamento das suas prestações a tempo e conforme contratado? Agora e num futuro de médio prazo.
ResponderEliminarApenas uma pergunta que assomou à minha cabeça por motivos que não sei explicar...
Saudações!
Caro Zuricher,
ResponderEliminarMas que pergunta mais complexa a sua...
Quando me refiro a exigências incumpríveis tenho em vista simplesmente a do pagamento - seja este pontual ou moroso...
Lá chegará o momento em que essas exigências serão mesmo incumpríveis...
Mediador terá oportunidade de provar seu elevado patriotismo, nesses difíceis momentos...