É usual – são poucos os que contestam - fazer afirmações do género: sou livre nas escolhas que faço, sou livre em expressar o meu pensamento, sou livre para decidir se fumo ou não, se como isto ou aquilo, se devo ou não beber, entre muitas outras decisões que caem na esfera da liberdade individual. A procura e a defesa da liberdade, que não é de hoje, atravessa os povos e o tempo.
Um dos aspetos que me tem chamado a atenção é a atitude de algumas pessoas ao autoproclamarem que tem toda a liberdade de escolher o que lhes apetece mesmo que saibam o mal que lhes pode causar ou quando já estão minados de várias doenças. - “Sou dono do meu corpo”, logo faço o que entender. Mas será mesmo assim?
Hoje, sabe-se que certas influências ambientais acabam por provocar problemas orgânicos que não se esgotam nos indivíduos expostos, ou seja, podem continuar a provocar maleitas nas gerações seguintes, mesmo que os seus descendentes não venham a ter contacto com os agentes responsáveis. Para ilustrar este conceito, socorro-me de alguns exemplos. Crianças e adultos expostos a agressões ambientais podem sofrer alterações a nível dos genes, fazendo com que alguns fiquem “desligados”, mantendo-se nessa condição quando são transmitidos aos filhos. Caso da exposição ambiental devido às dioxinas que ocorreu em Seveso, em 1976, cujos efeitos epigenéticos – é assim que se chama este fenómeno – continua nos descendentes sem terem estado expostos à agressão inicial. O mesmo aconteceu com o acidente de Bhopal na índia em 1984. Também sabemos que as crianças geradas durante períodos de carência alimentar têm mais probabilidades de serem pequeninos à nascença e muitos dos seus genes são “desligados” provocando ou facilitando, mais tarde, graves problemas de saúde quando mergulham em ambientes mais ricos. Também se começa a conhecer que maus tratos e falta de cuidados nos primeiros tempos de vida são acompanhados, mais tarde, de alterações funcionais a nível do cérebro, propiciando riscos acrescidos de suicídio.
O fenómeno epigenético alarga-se a outras áreas tais como os efeitos do tabaco. As modificações operadas a nível dos genes podem manter-se nas gerações seguintes, vindo estas a sofrer dos efeitos do tabaco fumado pelos pais e avós, mesmo sem terem provado um único cigarro. Estou convicto de que no futuro irão aparecer muitas evidências científicas, reforçando estes conceitos que, como é fácil de aperceber, vão questionar certos conceitos de liberdade.
Ao chegar a este ponto entrosamos nos conceitos de liberdade, matéria tão querida a Isaiah Berlin. Este filósofo criou em tempos dois interessantes conceitos de liberdade; negativa e positiva, designações que não devem ser consideradas como adjetivos, mas como algo idêntico aos polos positivo e negativo usados nos campos elétricos. Berlin definiu a liberdade negativa como o direito que qualquer um tem de fazer algo de acordo com a sua vontade sem ser sujeito a coerção, ao passo que liberdade positiva é a possibilidade que um indivíduo tem para fazer algo. Se alguém quiser comprar um carro é livre de o fazer, desde que haja quem o faça e tenha possibilidade de o adquirir. Conclui-se que esta forma de liberdade, positiva, tem sempre um preço, ao exigir que outros façam algo que posteriormente sejam utilizados por qualquer um de nós. Em contrapartida, a liberdade negativa compreende todas as liberdades que existem por si mesmas, e perante as quais temos o direito de as reclamar.
Resta saber se certas liberdades negativas poderão ser reclamadas face às consequências futuras operadas em terceiros, os quais não têm responsabilidade no seu aparecimento. Penso que deverá ser dada atenção a algumas dessas liberdades, porque se passarmos a conhecer que têm consequências prejudiciais na saúde dos filhos ou dos netos, como que direito poderemos invocar a liberdade de fazer algo que os vai prejudicar? Se os efeitos se esgotassem em nós próprios, então sim, cada um seria livre de fazer o que bem lhe apraz. Mas se tiverem consequências nefastas nos nossos descendentes deverão os nossos comportamentos serem considerados como aceitáveis? Deveremos continuar a “abusar” da liberdade? E a liberdade dos seres que irão nascer amanhã? Não merecerão também respeito? São apenas algumas questões que merecem, julgo eu, alguma atenção e reflexão. A ciência acaba por parir mais perguntas do que respostas e algumas são mesmo preocupantes. O que me deixa particularmente tranquilo é o facto de não haver efeito “epigenético” da liberdade de expressão.
Um dos aspetos que me tem chamado a atenção é a atitude de algumas pessoas ao autoproclamarem que tem toda a liberdade de escolher o que lhes apetece mesmo que saibam o mal que lhes pode causar ou quando já estão minados de várias doenças. - “Sou dono do meu corpo”, logo faço o que entender. Mas será mesmo assim?
Hoje, sabe-se que certas influências ambientais acabam por provocar problemas orgânicos que não se esgotam nos indivíduos expostos, ou seja, podem continuar a provocar maleitas nas gerações seguintes, mesmo que os seus descendentes não venham a ter contacto com os agentes responsáveis. Para ilustrar este conceito, socorro-me de alguns exemplos. Crianças e adultos expostos a agressões ambientais podem sofrer alterações a nível dos genes, fazendo com que alguns fiquem “desligados”, mantendo-se nessa condição quando são transmitidos aos filhos. Caso da exposição ambiental devido às dioxinas que ocorreu em Seveso, em 1976, cujos efeitos epigenéticos – é assim que se chama este fenómeno – continua nos descendentes sem terem estado expostos à agressão inicial. O mesmo aconteceu com o acidente de Bhopal na índia em 1984. Também sabemos que as crianças geradas durante períodos de carência alimentar têm mais probabilidades de serem pequeninos à nascença e muitos dos seus genes são “desligados” provocando ou facilitando, mais tarde, graves problemas de saúde quando mergulham em ambientes mais ricos. Também se começa a conhecer que maus tratos e falta de cuidados nos primeiros tempos de vida são acompanhados, mais tarde, de alterações funcionais a nível do cérebro, propiciando riscos acrescidos de suicídio.
O fenómeno epigenético alarga-se a outras áreas tais como os efeitos do tabaco. As modificações operadas a nível dos genes podem manter-se nas gerações seguintes, vindo estas a sofrer dos efeitos do tabaco fumado pelos pais e avós, mesmo sem terem provado um único cigarro. Estou convicto de que no futuro irão aparecer muitas evidências científicas, reforçando estes conceitos que, como é fácil de aperceber, vão questionar certos conceitos de liberdade.
Ao chegar a este ponto entrosamos nos conceitos de liberdade, matéria tão querida a Isaiah Berlin. Este filósofo criou em tempos dois interessantes conceitos de liberdade; negativa e positiva, designações que não devem ser consideradas como adjetivos, mas como algo idêntico aos polos positivo e negativo usados nos campos elétricos. Berlin definiu a liberdade negativa como o direito que qualquer um tem de fazer algo de acordo com a sua vontade sem ser sujeito a coerção, ao passo que liberdade positiva é a possibilidade que um indivíduo tem para fazer algo. Se alguém quiser comprar um carro é livre de o fazer, desde que haja quem o faça e tenha possibilidade de o adquirir. Conclui-se que esta forma de liberdade, positiva, tem sempre um preço, ao exigir que outros façam algo que posteriormente sejam utilizados por qualquer um de nós. Em contrapartida, a liberdade negativa compreende todas as liberdades que existem por si mesmas, e perante as quais temos o direito de as reclamar.
Resta saber se certas liberdades negativas poderão ser reclamadas face às consequências futuras operadas em terceiros, os quais não têm responsabilidade no seu aparecimento. Penso que deverá ser dada atenção a algumas dessas liberdades, porque se passarmos a conhecer que têm consequências prejudiciais na saúde dos filhos ou dos netos, como que direito poderemos invocar a liberdade de fazer algo que os vai prejudicar? Se os efeitos se esgotassem em nós próprios, então sim, cada um seria livre de fazer o que bem lhe apraz. Mas se tiverem consequências nefastas nos nossos descendentes deverão os nossos comportamentos serem considerados como aceitáveis? Deveremos continuar a “abusar” da liberdade? E a liberdade dos seres que irão nascer amanhã? Não merecerão também respeito? São apenas algumas questões que merecem, julgo eu, alguma atenção e reflexão. A ciência acaba por parir mais perguntas do que respostas e algumas são mesmo preocupantes. O que me deixa particularmente tranquilo é o facto de não haver efeito “epigenético” da liberdade de expressão.
Caro Professor, perdoe-me a franqueza, mas essa dos hábitos salutares a bem da pureza genética que se pretende transmitir às gerações seguintes lembra-me algo que acabou por não ser assim tão hmm... saudavel, digamos de forma muito eufemistica, para as gerações que o viveram.
ResponderEliminarPorque não assumirmos, simplesmente, que os seres humanos são imperfeitos, que a natureza humana é como é e, sobretudo, que os seres humanos são e serão sempre mortais por natureza?
A questão dos hábitos salutares não tem a ver com a pureza genética. Tem a ver com os limites de liberdade de cada um, na medida em que outros poderão vir a sofrer consequências para as quais não contribuíram É muito provável que algumas das nossas patologias tenham até a ver com fenómenos vividos pelos nossos antepassados mais diretos. Até aqui nada de especial. O problema é quando se começa a saber mais qualquer coisa, porque enquanto vivermos na ignorância andamos tranquilos da silva. Mas como o ser humano procura incessantemente o conhecimento é legítimo colocar estas questões que acabam por nos incomodar. Mas que fazer? Claro que somos mortais por natureza, é um facto, mas por natureza queremos conhecer cada vez mais, logo temos que nos ajustar às novas realidades que já estão aí e muitas mais que irão aparecer no futuro. Não quero advogar nada, quero é pura e simplesmente refletir sobre a nossa condição humana a qual está em permanente evolução e mutação. Nem quero impor quaisquer moralismos nestas áreas, até porque sou contrário aos mesmos. Mas que fazer? Ao estudar certos assuntos há qualquer coisa que me puxa para estes tipos de reflexão. Sinceramente, confesso-lhe que me causa angústia. Considere esta análise na sequência do pensamento ao jeito de Habermas, salvo as devidas diferenças, como é óbvio. Além do mais, o fenómeno que analisei não se reduz ao comportamento individual dos seres humanos, mas também aos efeitos ambientais da sua conduta enquanto sociedade. O que fazer? Também eu gostava de saber!
ResponderEliminarcaro Porof. Massano, Sartre dizia que estamos condenados a ser livres e, embora haja certamente muitos filósofos a interpretarem tal frase, eu sempre a entendi como o aviso sobre o enorme peso que carregamos, esse da liberdade. AO escolhermos, ao rejeitarmos, ao renunciarmos, ao subjugarmo-nos, é sempre uma escolha porque haverá sempre, ao menos em teoria, uma alternativa.Essa possibilidade de escolha é permanentemente exercitada perante as pressões dos outros, a vida social, os conselhos médicos, o amor, o ódio, ou a simples vontade de sobreviver. Em qualquer caso, a escoha é nossa, invariavelmente, e do mesmo modo os caminhos são tantos que ninguém os poderá dominar inteiramente. Talvez o aperfeiçoamento pessoal, que tem tantas formas de ser estimulado, seja o modo como gerimos a nossa liberdade, ou olhando o futuro, privando-nos do que podemos ter hoje, ou vivendo hoje com o risco dos nossos filhos suportatrem as consequências, as também aí é de acordo com o que hoje se sabe e que será diferente do que se saberá no tempo deles. Conciliar a nossa liberdade com a queremos que eles próprios tenham é um exercício difícil e exigente, sendo certo que nunca saberemos tudo. Mas percebo bem a sua angústia, como pessoa exigente e profundamente conscenciosa que é. Gostei imenso do seu texto, dá que pensar.
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