sábado, 24 de outubro de 2009

Pelo consumo privado...não vamos lá!

1. Diversas análises de conjuntura recentemente divulgadas – INE, BdeP – dão conta de que se assiste nesta altura a uma recuperação da actividade económica movida pelo consumo privado. E isso é interpretado pelos comentadores, de uma forma geral, como um “indicador positivo”.
2. Não podemos deixar de nos interrogar sobre o significado desta realidade, nomeadamente quando se têm conta os problemas fundamentais da economia portuguesa de que quase diariamente se fala: (i) competitividade (insuficiente), (ii) produtividade (baixa), (iii) desequilíbrio persistente das contas com o exterior, evidenciando um desajustamento crónico entre a procura e a oferta de bens e de serviços, (iv) endividamento ao exterior muito elevado e em forte agravamento, (iv) desemprego a aumentar para níveis record…
3. O aumento do consumo privado – provavelmente resultante do elevado ganho real dos salários na função pública e nos sectores protegidos da economia duma forma geral, bem como do efeito-riqueza dos ganhos da Bolsa nos últimos 6 meses – constitui, à luz da necessidade de resolução daqueles problemas estruturais, uma pura ilusão na minha perspectiva.
4. Pura ilusão porque nos pode levar a crer que “as coisas estão a melhorar” quando, na realidade, se trata de uma “melhoria” efémera e de uma “melhoria” que só contribui para agravar aqueles problemas – nem a competitividade nem a produtividade nem o endividamento, nem mesmo o desemprego vão melhorar com esta recuperação do consumo privado.
5. Na fase em que nos encontramos, só o investimento produtivo, em actividades concorrenciais, gerando capacidade exportadora adicional de bens e de serviços (turismo de qualidade, por exemplo) pode ajudar a resolver aqueles problemas – mas não é isso que está a acontecer…
6. Nesta fase, que pode ainda ser demorada, em que o investimento produtivo está retraído ou “encolhido” – se alguma coisa acontece é desinvestimento, através da cessação da actividade de inúmeras empresas do sector concorrencial, por falta de mercado ou por incapacidade de acompanhar a concorrência.
7. Por outro lado, esta recuperação do consumo privado assenta numa carga fiscal excessiva, que suporta os aumentos reais na função pública e em boa parte dos sectores protegidos (via subsidiação orçamental, directa ou indirecta), a qual é certamente inimiga da competitividade.
8. E ainda contribui para eternizar o problema do endividamento ao exterior – num ano em que a economia contrai cerca de 3% ou mais, a balança corrente com o exterior vai apresentar um défice de quase 10% do PIB (FMI, último World Economic Outlook) – nunca em Portugal se viu uma coisa assim…
9. A conclusão parece-me manifesta: não é pelo consumo privado que vamos lá…mas o contraditório está aberto obviamente!

5 comentários:

  1. Caro Dr. Tavares Moreira,
    Embora a minha formação e actividade seja na designada micro-economia, não deixo de concordar com a sua opinião, aproveitando para expressar essa concordância desta maneira:

    São várias interrogações
    sobre o actual crescimento,
    sendo de evitar divagações
    de total deslumbramento.

    Problemas disfarçados
    pelo consumo privado,
    deixa alguns traçados
    de um futuro entravado.

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  2. De facto, não é pelo consumo privado que se vai lá, como muito bem o meu amigo demonstra.
    Mas todos os dias ouço a distintíssima gente que é por aí que lá chegamos...Tão distinta que só basta afirmar; já não têm que provar.
    De facto, e no fim, é o povo que vai provar o amargo.

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  3. Muito bem dito, caro Manuel Brás, "problemas disfarçados pelo consumo privado"...
    O disfarce é, no entanto, de fraca qualidade, deixa quase todas as fragilidades à mostra!

    Exactamente, Pinho Cardão, essa distintíssima gente tem sempre razão, está sempre na dianteira...
    Só falta esperar o dia em que retomam o discurso do 4R, apresentando-o como descoberta sua...
    Não deixa de me surpreender, entretanto, a tranquilidade com que as principais agências económicas domésticas divulgam estes dados, como se estivessemos no melhor dos mundos...

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  4. Caro Tavares Moreira

    A tragédia grega é o facto do herói conhecer o seu destino e não poder fazer nada para o alterar.
    O drama nacional é o país saber qual é, (pode ser), o seu destino e ser impotente para mudar.
    Na verdade, somos um país sociologicamente pouco "plástico", e, no entanto, não temos tamanho que justifique essa rigidez.
    A ironia do destino do actual governo é que vai ter de "reparar" os erros e acções, que uma parte importante dos membros componentes do mesmo, praticou no passado.
    Nesse sentido, com seis anos de atraso, vamos "provar" as mézinhas que foram propostas por Guterres.
    Cumprimentos
    joão

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  5. Caro João,

    Bem observado, do ponto de vista sociológico...
    Mas o drama mesmo são os problemas económicos que estão por e "para resolver" (as aspas são para aqueles que têm de ser resolvidos mas não têm solução, v.g. endividamento externo imparável)...

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