quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Um depoimento bem ilustrativo

1. Temos aqui sustentado a tese de que o crescimento da despesa pública a que continuamos a assistir nos últimos anos – abrangendo os sectores empresariais públicos, tanto do Estado como regionais e autárquicos – com a ajuda do lançamento de programas de investimento altamente consumidores de recursos, impõe um ónus cada vez mais sério às empresas expostas à concorrência interna e sobretudo externa.
2. Essa realidade está hoje bem patente nas maiores dificuldades de acesso ao crédito testemunhadas por empresas privadas, em resultado do agravamento dos critérios de análise de risco bem como da maior exigência de garantias traduzida em rácios “loan-to-value” muito inferiores aos que vigoravam até há cerca de 2 anos.
3. As dificuldades de crédito não atingem o sector público, administrativo e empresarial, que vai utilizando facilidades de crédito bancário em volume crescente, no caso do sector empresarial muitas vezes recorrendo à garantia pessoal do Estado para suprir a insuficiência de garantias e como forma de adiar indefinidamente processos de saneamento económico e financeiro que há muito deveriam ter sido aplicados.
4. O nosso companheiro Pinho Cardão tem vindo a editar uma série interessantíssima de Posts em que aborda estes temas a propósito de uma certa mitologia que na sociedade portuguesa se foi instalando, com muitas ideias feitas e oficialmente propagandeadas até à exaustão nalguns casos, sem qualquer correspondência com a realidade.
5. Curiosamente, encontrei este fim-de-semana no semanário O SOL (pág. 21 do suplemento de economia) um depoimento de uma pessoa que não conheço, o Dr. Pedro Carvalhosa, Director Executivo de uma empresa de consultoria multinacional, a Brand Finance - depoimento esse que refere, em testemunho de experiência profissional, este mesmo problema sobre o qual aqui temos teorizado.
6. Diz o Dr. Carvalhosa, a propósito do crescimento da dívida pública em % do PIB, que “...nem seria preciso ser economista para encarar estes números com preocupação, tanto mais que conheço bem as enormes dificuldades que as empresas enfrentam no seu quotidiano para tentar obter financiamentos e ganhos de produtividade”.
7. E acrescenta o Dr. Carvalhosa “ De facto, são já vários os projectos e estudos que desenvolvi para empresas clientes da Brand Finance e que depois não foi possível concretizar devido, precisamente, à grande dificuldade em obter financiamento. Situação que será complicado ultrapassar enquanto a Administração Pública continuar a absorver em força os fundos disponíveis...”.
8. E ainda há quem diga que no 4R se inventam dificuldades, que estamos contra os grandes projectos de “investimento” do sector público porque somos contra o progresso do País...enfim, uns “botas-de-elástico”!
9. Quem não parece partilhar essa versão é o Dr. Pedro Carvalhosa...que se fundamenta na sua própria experiência de trabalho e não se resume a exprimir opiniões mais ou menos clubistas...
10. Só falta dizer ao Dr. Carvalhosa que a hipótese de a Administração Pública vir a absorver menos recursos nos anos mais próximos é apenas mais um mito – ou não será, Pinho Cardão?

9 comentários:

  1. Caro Tavares Moreira:
    É claro que o crédito é um bem escasso e não chega para tudo. E também é claro que, por enquanto,bem ou mal, os Bancos ainda preferem financiar o Estado e as Empresas do Estado e os Project Finance que têm o Estado por detrás a financiar projectos privados. Mais grave ainda é que muitos ditos "investimentos" do Estado são puro gasto corrente. Como é conhecido, muitas despesas de funcionamento corrente saem do orçamento da despesa e são afectas a Projectos de investimento apenas para possibilitarem que aquele Orçamento não apresente maiores desvios. O Tribunnal de Contas refere regularmente estas irregularidades. Isto para já não falar na natureza de muitos investimentos públicos, cujo ctitério teve como fim exclusivo dar honra e glória aos políticos, sem qualquer fim económico ou social relevante. Impedindo as empresas, por falta de crédito, de investir em projectos no domínio dos bens transaccionáveis.
    O Dr. Carvalhosa tem pois toda a razão, melhor dizendo, acompanha as opiniões persistentemente expendidas neste Blog. Mas nunca será voz ouvida nos programas informativos das televisões. Nunca chegará a Grande Economista nem a Comentador de Referência.
    Porque é necessário, para a sobrevivência de grande parte dos nossos políticos actuais que os mitos persistam.
    Portanto, caro Tavares Moreira, não duvido de que, como dizes, "a hipótese de a Administração Pública vir a absorver menos recursos nos anos mais próximos é apenas mais um mito".

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  2. Uf! Respirei de alívio por ver de volta o Dr. Tavares Moreira. Ainda bem que não foi nada de grave!

    O iluminado SOL traz sempre boas notícias quando a gente não conta; e sempre, sempre, mais um argumento e, desta feita, de verdadeira autoridade: o Dr.Pedro Carvalhosa.

    Tudo estará certo, mas as almas aflitas que eu vejo a preocuparem-se com o investimento público esquecem-se de que as dificuldades que atravessamos (não são só nossas) se devem fundamentalmente à crise financeira internacional que bateu forte e feio (não é ficção ou será?)

    Daqui resulta que os bancos tenham apertado a torneira à concessão de crédito, passando a utilizar critérios mais selectivos e de maior rigor. E é natural que o Estado ofereça maiores garantias e, nessa medida, as empresas menos sólidas se sintam "prejudicadas" pela "concorrência" do Estado.

    Gato escaldado de água fria tem medo! Vi algures que as marcas dos 100 principais bancos de todo o mundo, só no ano passado, desvalorizaram 123 mil milhões de euros!

    E em tempos de crise tamanha que quererão os nossos liberalões? Chutar o Estado para canto?

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  3. Recomenda-se leituras mais atentas sobre o crowding-out e menos empirismo básico. Recordo que para cada problema existe uma resposta simples, intuitiva...e geralmente errada.

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  4. Anónimo01:36

    Caros Pinho Cardão e Tavares Moreira, a propósito do que vêm escrevendo sobre o endividamento da Républica, aproveito para abusar um bocadinho (oops, peço desculpa mas acho que tem cabimento aqui) e fazer uma pergunta sobre os avales que vêm sendo dados para o endividamento das EP.

    Como são contabilizados estes avales nas contas públicas? Decorrente da anterior, há limites fixados para o montante total dos avales que o Estado pode ter a correr em cada momento ou depende apenas do mercado aceitar esse aval como bom tendo em conta o credit rating do avalista?

    Agradecido pela explicação sobre esta questão que, de há muito, tenho para mim dado o espectacular endividamente de várias empresas.

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  5. Caro Tavares Moreira

    Os efeitos do nosso sobre endividamento estão já a verificar-se.
    A notação dos bancos nacionais já foi rebaixada.
    O crédito concedido pelos bancos está mais caro.
    O prémio pela emissão de dívida pública já aumentou, pagamos mais do que a dívida alemã, mas menos do que a dívida irlandesa (por enquanto).
    Em Novembro vamos emitir dívida, pelo menos é o que está previsto, nessa altura vamos saber o que valemos este ano.
    (Um ponto importante e "uma herança pesada", as nossas +/- 480 ton de ouro valorizaram-se quase 35% desde o ano passado. Com a onça a +/-USD$ 1000 (+/- € 600) arranjamos alguma folga).
    O consumo vai demorar a adaptar-se, e normalmente, conduz a mais endividamento antes de alcançar um novo patamar.
    Voltámos a uma época de turbulência cambial muito elevada, com as consequências para as nossas exportações para países terceiros.
    Mas não é necessário "carrear" mais elementos para o processo: o desemprego é o sintoma mais claro desse endividamento e a manifestção da falência de um modelo económico e financeiro.

    Três/quatro gerações de portugueses, isto é, desde 1945, não conheceram qualquer aperto financeiro significativo, apenas três grandes crises relativamente curtas (não significa que não tenham sido graves). Vamos entrar numa época de crise continuada com um desemprego permanente na casa dos 500.000 e com a acessão de +/- 120.000 novos potenciais empregados todos os anos ao mercado de trabalho.

    Parafraseando o Dr Medina Carreira, vamos para uma época de muito barulho.

    Cumprimentos
    joão

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  6. Caro Pinho Cardão,

    Plenamente de acordo com esses judiciosos comentários, cabendo apenas acrescentar que a preferência dos Bancos pela concessão de crédito ao Esatdo ou a entidades respaldadas no Esatdo reflecte um comportamento racional. Os Bancos percebem, melhor que ninguèm (o aumento superior a 100% do crédito mal-parado a empresas não-financeiras nos últimos 12 meses ensina-lhes alguma coisa) que o risco nos sectores expostos à concorrência - apesar de aí se situarem as empresas mais competitivas e com melhor produtividade - é muito mais elevado do que nos sectores protegidos, embora muito menos produtivos...
    E assim, racionalmente, a afectação de recursos vai-se fazendo de forma cada vez mais irracional...

    Caro Wegie,

    Tem toda a razão no que diz, é certamente muito mais cómodo, civilizado e racional (tb aqui) refugiarmo-nos na abstracção das etatísticas globais e esquecermos a dura realidade dos factos cuja agregação produz essas mesmas estatísticas.
    E nada melhor do que tratarmos essa referência anedótica a que se refere o Dr. Carvalhosa como "empirismo básico" para sossegarmos o nosso exigente intelecto...
    Tem toda a razão, repito.

    Caro Zuricher,

    A lei do OE deve fixar, para cada ano, um limite para a prestação de avales pessoais pelo Estado - é o que dispões o artigo 31º, nº1, alínea h, da Lei de Enquadramento Orçamental (Lei nº 91/2001, de 20 de Agosto).
    A mesma Lei de Enquadramento Orçamental determina, no seu artigo 76º, nº2º, alínea a), que nos elementos informativos anexos à Conta Geral do Estado conste "A identificação das garantias pessoais do Estado, dos serviços e fundos autónomos e da segurança social".
    É o que, com todo o gosto, lhe posso dizer acerca da disciplina legal aplicável a esta generosa actividade financeira do Estado.

    Caro João,

    O Senhor tem o dom de produzir considerações e reflexões sempre judiciosas, sensatas e oportunas.
    Acompanho-o nas suas preocupações não deixando de acrescentar uma declaração da Ministra francesa das Finanças, Ghristine Lagarde, no F. Times de hoje, segundo a qual "Só quando formos capazes de reduzir o desemprego poderemos dizer que a crise acabou".
    Muito na linha do seu raciocínio, por isso achei interessante fazer esta referência.

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  7. Caro Tavares Moreira

    Apenas uma "pequena" informação que, calculo, que já sabe.
    Ontem a emissão de € 15.000.000 de dívida soberana da Letónia ficou deserta.
    Eu sei que está longe e, antes de aqui chegar os efeitos, passa por outros locais, mas, neste mundo complicado e caótico, nunca estamos a coberto do "efeito borboleta".

    (Aliás o Mr Jean Claude Trichet fugiu a responder a uma pergunta directa, sobre o assunto, na conferência de imprensa de hoje.)

    Um reparo, no meu anterior "post" sobre as vendas em "short" de acções do Lehmman pelo Goldmann, referia-me a uma operação de "naked short selling" (com as regras anteriores ao colapso do Lehamman) de 1.7 milhões de acções deste último banco.
    A operação foi "fechada, por um valor 60% abaixo da cotação do dia e a data da operação foi 9/10 antes, sublinho antes, do colapso do Lehmmann

    Veja lá o jeito que o responsável por esta operação no Goldman não faria para os meus boletins semanais do euromilhões???!!!

    Cumprimentos
    joão

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  8. Anónimo15:54

    Caro Tavares Moreira, muito obrigado pela explicação. Pelo que percebo, então, não há quaisquer limites à concessão dos avales. Basta que esteja no OE onde até, por absurdo, pode estar um limite altissimo e depois usa-se ou não até ao fim.

    Como disse, tinha esta dúvida há longo tempo mas agora recentemente aflorou-se com maior premência dado duas empresas, CP e REFER, terem emitido empréstimos obrigacionistas num valor total de 1000 milhões de Euros com aval do Estado.

    Obrigado! :-)

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  9. Caro João,

    A Letónia está pasando um mau bocado, vide FT de hoje...é claro que não pode usar o guarda-chuva do Euro, como nós,é o que por enquanto nos vai valendo...
    Parece-me no entanto que este guarda-chuva reveste características muito especiais,funcionando certamente mas a chuva vai-se acumulando sobre ele, como se de melaço se tratasse...
    O guarda-chuva funciona mas vai ficando cada vez mais pesado, é necessário um esforço cada vez maior para o suportar...
    Quanto à GOLDMAN e ao negócio da "China" que fez vendendo acções Lehman a descoberto, estamos entendidos!

    Caro Zuricher,

    Limite para os avales existe e não deve ser excedido sem alteração da lei, pode acontecer é que o limite fixado em cada ano seja sempre generoso e na prática não tenha qualquer efeito disciplinador...
    Recordo que a Assembleia da Republica não tem o hábito de se preocupar com este tema, o que não é saudável...
    Nem depois atribui qq importância à discussão da Conta Geral do Estado, assunto que tanto este seu amigo como Pinho Cardão bem batalharam para que merecesse maior atenção do Plenário mas com limitadíssimo sucesso...
    Os grandes clientes dos avales são esses dois mais os Metros de Lx e Porto, a TAP, a Carris, os STCP, e, não esqueçamos no caso de 2008 o grande financiamento de € 450 milhões ao BPP para pagar a alguns credores comuns esquecendo outros credores comuns...

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