segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Confusão legislativa...

O Tribunal Constitucional diz que há uma inconstitucionalidade no Código da Estrada, quando este diploma não prevê um direito de recusa dos condutores a efectuar o teste de recolha de sangue, perante uma fiscalização na estrada por parte das forças policiais. Segundo o Código da Estrada a recusa é um crime de desobediência.
Mas não foi este o entendimento do Tribunal da Relação do Porto que determinou que o condutor tem o direito de recusar, não havendo crime de desobediência.
Segundo entendi há inconstitucionalidade porque a não previsão de recusa do direito não é competência do governo mas sim da Assembleia da República.
Vai continuar a ser possível a um condutor recusar-se a fazer o teste de recolha de sangue, invocando junto de um tribunal que tal comportamento constitui um direito e não um crime de desobediência. Pode acontecer, no entanto, que o tribunal que julgar o caso venha a ter um entendimento diferente do Tribunal da Relação do Porto.
Pergunto: se é importante em termos de prevenção rodoviária precaver a recusa do teste de recolha de sangue por parte de um condutor porque é que a lei não é alterada? Para que serve uma lei que pode ter entendimentos diferentes por parte dos visados e estar sujeita a interpretações distintas por parte dos tribunais, impedindo assim que a sua aplicação seja universal? Uma dúvida tão importante parece estar instalada desde 2005, ano em que foi aprovado o novo Código da Estrada.
Fazer leis é uma actividade em que nos especializámos, em particular quando se trata de cuidar dos aspectos formais. As formalidades têm a sua importância, com certeza, mas não menos relevante deveria ser a eficácia das leis que produzimos.
Não sendo jurista fico sempre perplexa com tanta confusão legislativa e pergunto-me sempre porque é que o legislador é um ente tão complexo? Um "simplex" legislativo era capaz de ser uma boa ideia...

9 comentários:

  1. Não é o legislador que é complexo. É a renda que dá tornar complexo o legislador.

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  2. Cara MCA

    Enquanto duas figuras proeminentes da Justiça, como o são o pSTJ e o PGR, se entretiverem a dar exemplos pouco abonatórios do entendimento das leis, como o tem feito no caso Face Oculta, creio bem que não haverá "simplexes" legislativos que nos valham.
    Cordialmente

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  3. Na realidade a confusão legislativa e o desentendimento entre os seus aplicadores e intérpretes é chocante.
    Perante este “post” não resisto a contar um facto em que de uma maneira, não sei se directa ou indirectamente, entrei.
    Há alguns bons anos (ainda os agentes da autoridade cassavam a carta de condução no acto da autuação) fui abordado por um colega que, exibindo uma notificação, me pediu para fazer uma exposição aos responsáveis dos Serviços de Viação pedindo “clemência”para o que lhe acontecera. Havia sido multado e punido com uma proibição de conduzir por 60 dias ao ser apanhado a conduzir em excesso de velocidade e embriagado, quando regressava de uma festa na madrugada de 01/Janeiro. Acresça-se que o homem era o motorista do serviço e estava completamente em pânico.
    Eu, pobre de mim, que alguns meses antes havia sido punido com uma apreensão de carta por 15 dias por excesso de velocidade, quando levava a minha mulher ao médico (absolutamente verdade) e esse argumento de nada me valera, fiquei atarantado. No entanto, perante o desespero e insistência do homem, resolvi fazer algo. Enchi-me de “coragem” e, num grande arrazoado, fiz notar que tal actuação das autoridades era inconstitucional porquanto não permitia a opção de defesa. Quem garantia que o radar que mediu a velocidade estava aferido? Como poderia o autuado provar que não estava embriagado se o retiveram durante horas sem lhe permitir a possibilidade de uma contra-prova?
    E , embora descrente, lá seguiu a exposição…
    Surpresa das surpresas, na volta (sem exagero) do correio, veio o perdão da multa e a carta devolvida. Sem mais palavras.
    Elucidativo, não???

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  4. Salvo melhor opinião, a norma do Código da Estrada continua plenamente em vigor.
    A decisão do Tribunal Constitucional não tem, por enquanto, força obrigatória geral. São precisas três decisões no mesmo sentido, proferidas pelo TC e isso ainda não aconteceu. Por consequência, os agentes fiscalizadores podem continuar a aplicar a lei que está em vigor e a processar por desobediência os prevaricadores. Os processados podem sempre recorrer. Não há, nem nunca houve, leis perfeitas. Se as leis fossem perfeitas, para que serviriam os tribunais?

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  5. Caro Tonibler
    Assim sendo, tem alguma receita para baixar a "renda"?

    Caro Insatisfeito
    O estado da Justiça está a todos os níveis com problemas graves. Quando os exemplos não vêm de cima...

    Caro SLGS
    Se a sua táctica pega, lá se vão as receitas das multas por excesso de velocidade!
    Imagino que tenha tido honras de herói!

    Caro Parker
    Não ponho em causa que a dita norma esteja em vigor.
    A razão do meu texto era, a bem dizer, outra.
    Leis mal feitas e um sistema judicial que funciona mal são factores que convergem para o aumento da conflitualidade. Não são por certo as melhores razões para justificar a existência dos tribunais.

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  6. Margarida, as leis nunca são perfeitas quando as pessoas estão muito mais determinadas em incumprir do que em agir como deve ser. Uma pessoa que conduz embriagada é uma ameaça aos outros condutores e aos transeuntes e o teste do álcool não é uma violência mas uma acção preventiva e dissuasora, por isso até acho muito estranho que seja considerado um "direito" a recusa do teste, desde que solicitada no âmbito das competências e devido e correcto uso da autoridade.Muitas das leis são complexas e obscuras precisamente porque são feitas a pensar nas mil e uma formas de as incumprir, o que as torna labirínticas e burocráticas, falta a censura social aos comportamentos que põem em risco os outros e violam as leis.

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  7. Tal como a Suzana Toscano referiu, também eu duvido que a recusa a fazer o teste de alcoolemia possa constituir um direito. Foi outra a decisãodo TC e da Relação? Pois foi. Mas não é um dado adquirido que outras decisões do TC venham a ser proferidas no mesmo sentido. Sendo certo que sofremos de "legislativite aguda" e que boa parte das leis são feitas em cima do joelho, não posso, em consciência, acusar disso a norma em questão do Código da Estrada. É razoável para cada qualquer pessoa de bom senso. E como referiu a Suzana, o teste obrigatório não é uma violência mas uma acção preventiva e dissuasora.

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  8. Caro Parker
    Concordo plenamente que a referida norma é necessária e que o direito de recusa é um absurdo, retirando-lhe a eficácia para que foi criada.
    Mas parece que os diversos legisladores estão muito mais preocupados com os aspectos formais da dita norma do que com a sua substância, retirando-lhe as funções dissuasora e correctiva para que foi criada.

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  9. Ñão conheço a decisão do TC e por isso não me pronuncio sobre o caso concreto. Mas a prevalência das formalidades sobre a substância é um atavismo muito nacional, talvez consequência do medo de tomar decisões, porque na verdade as formalidades deviam ser apenas um modo de organizar o processo de decidir, garantindo as suas várias etapas e a possibilidade de serem verificadas. A questão é que ganham vida própria e tornam-se elas próprias "substanciais", dando a aparência de que tudo foi cumprido...e que o fundamental vem por acréscimo!

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