quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Santo Onofre nos valha!

Época de festividades é sinónimo de confraternização, de bons almoços e jantares e uma ótima oportunidade para rever amigos e falar de múltiplos temas. Atendendo à situação de momento, crise económica e financeira, é percetível um certo desconforto e apreensão quanto ao futuro, apenas mitigado, embora temporariamente, pelo bacalhau cozido e o imprescindível acessório, o tinto.
Num destes convívios, o parceiro do lado, entre duas garfadas, atira para o grupo: - Vejam lá que estamos a endividar-nos ao ritmo de dois milhões de euros por hora. Olhámos uns para os outros, e eu comecei a calcular que no final de jantar seriam mais seis milhões de euros. Não me tirou o apetite, mas despertou-me a atenção para um pequeno artigo que tinha lido naquela manhã. E quando alguém começa a falar de tragédias, aparece sempre mais um a lançar gasolina no fogo. É típico dos portugueses. E foi o que eu fiz. – Então os senhores já sabem que “entre o aumento de receitas e diminuição de despesas, o Estado Português para reduzir o seu défice anual para os 3% precisa de 10 mil milhões de euros”? Ah! Não sabiam. O pior é que para alcançar esse objetivo teria de subir a taxa máxima de IVA para 35%, ou subir a taxa máxima do IRS para 87% (e as outras em proporção); ou reduzir em 47% os salários da função pública e, esperem aí, eu tenho aqui o recorte da nota do Daniel Bessa. E passei a lê-la. Durante aquele período de tempo, corri o risco de dar cabo do jantar, esfriando o bacalhau. Estava a ver que o jantar ia para o “galheiro” quando uma das colaboradoras, que andava a servir-nos, uma mulher do povo, de língua solta, analfabeta, mas não parva, useira e vezeira da mais pura linguagem vicentina, salvou a situação. – Então Senhor Doutor, está tudo bem? O bacalhau está bom? – Está sim senhora. Respondi. – E o senhor anda bem? – Ando, felizmente. E a Maria? – Eu também ando, nem dinheiro me falta desde que arranjei um Santo Onofre. -!!! Arranjou o quê? – Um Santo Onofre! – Sim. Arranjei um Santo Onofre, tirei a parte de baixo, que era de madeira, enfiei-o numa taça com aguardente até os joelhos do santo e coloco todos os dias um euro. – Explique-me bem, que eu não estou a perceber. - O Santo Onofre é o santo da prosperidade. Coloca-se um euro, diariamente, e reza-se uma oração durante 21 dias. Ao lado direito do santo põe-se um copinho de água com um raminho de salsa. Foi então que lhe disse: - Já que está enfiado em aguardente até aos joelhos, a água deve ser para a ressaca! - Mas olhe que a aguardente desaparece todos os dias. Veja lá que no primeiro dia, o gajo, que é “bêbado que nem um caraças (esta do caraças é a versão soft)”, bebeu toda a aguardente. Todos os dias tenho que botar mais.
A conversa continuou e fiquei a saber que teve de o esconder, porque o homem, que anda sempre “teso”, foi-lhe um dia ao santo. Descoberto pela mulher, desabafou, dizendo que, afinal, o santo tem mais sorte do que ele, não anda “teso”, dão-lhe dinheiro e ainda por cima “bebe” aguardente. A partir daqui a conversa tornou-se mais vicentina, ficando a conhecer o percurso da imagem, que até foi enviada para a capital para ser benzida. Nesta altura, alguém lhe perguntou: - Compraste o santo e mandaste-o para Lisboa para ser benzido?! E foi sozinho? – E não teve medo! Ripostou de imediato em tom de escárnio.
Independentemente dos aspetos mais caricatos da conversa, a senhora é mesmo devota, acredita piamente naquilo que faz, ao ponto de me prometer que, no dia seguinte, iria lá a casa mostrar o santo. Foi então que eu comecei a engendrar uma solução para a crise do país. O governo da República deveria arranjar muitos Santos Onofres, mergulhados em taças cheias de aguardente até aos joelhos, onde os diferentes ministros lançariam diariamente não um euro, claro está, mas uns bons milhões. E a mesma medida também podia ser adotada à porta da maioria das câmaras municipais do país. Aguardente é coisa que não falta por aí e enquanto for o santo a “beber” não virá mal aos fígados nacionais. Onofre, como é santo, deve ter maneira de proteger o seu! No final, o país até poderia ficar mais próspero.
No domingo de manhã, tal como me tinha sido prometido na véspera, o Santo Onofre da vizinha entrou-me em casa numa taça com aguardente e cheia de moedas de um euro. Peguei numa moeda e fiquei com a mão impregnada do seu cheiro. Pus-me a pensar: - No dia em que tirar notas de euro da minha carteira a cheirar a aguardente, então, o país já estará salvo! A não ser que, entretanto, a bebam toda...

6 comentários:

  1. Mas que bela ideia, caro Professor...um Santo Onofre a presidir às delegações da Contabilidade Pública junto de cada Ministério, poderia ser a solução para a superação dos pesadelos financeiros que o País sofre e vai sofrer mais no futuro próximo (tem feito por isso, pelo menos...).
    Mas a ideia sendo sua, porque não a prestigiada Universidade de Coimbra lançar o mote, podendo até dispensar futuras transferências orçamentais e criando uma enorme corrente de formação de devotos de Santo Onofre...

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  2. Maravilhosa estória, caro Professor.
    Apesar de toda a devoção, parece-me que a "sua" Maria não faz bem as contas. Senão vejamos: uma vez que o santo protector dos jogadores e dos tecelões e protector contra os males das bebidas alcoolicas, lhe bebe uma taça de agua-ardente por dia... das duas, três. Ou a taça é de reduzidas dimensões, ou o santo tem as canelas curtas, ou então a agua-ardente que a D. Maria coloca na taça é muito... diluída. Caso contrário, o eurito diário, não cobre a despesa.
    ;)))
    Mas como muito bem nos faz ver neste seu muito bem disposto texto, o que é preciso é ter fé, o resto, vem por consequência.
    ;)))

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  3. Caro amigo,aguardente é capaz de não faltar, já quanto ás notas de euro tenho mais dúvidas...! Mas enfim, haja vontade de festejar e fé, como diz o caro bartolomeu. E um ano maravilhoso para si e sua fam´lia, com um abraço muito amigo!

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  4. Aguardente não falta para aquelas bandas. Diluida? Nem pensar. O santo é pequenino.
    Bom Ano para todos e que Santo Onofre se lembre de todos com muita saúde.

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  5. Caro Professor Massano Cardoso
    Bem que precisamos de vários milagres para nos endireitarmos. Mas com Santos Onofre a consumirem aguardente daquela maneira, quer-me parecer que o Estado teria que emitir muita dívida para fazer o investimento. É que os Santos Onofre se não estiverem bem bebidos não fazem milagres.
    Tenhamos fé, como diz o nosso Caro Bartolomeu, e festejemos o Novo Ano que está a chegar.

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  6. Feliz Ano Novo, caro Massano Cardoso.

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