segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Tragédia Grega e o nosso TGV

1. As notícias da semana que passou foram dominadas pela evolução de uma Tragédia Grega em cenário de século XXI: a Grécia está colocada perante a alternativa de ver a sua dívida pública tornar-se investimento indesejável, criando enormes problemas ao financiamento futuro dos seus défices...ou de tomar medidas duríssimas de contenção da despesa pública que podem conduzir a uma situação social explosiva.
2. A dívida pública da Grécia tem sido fortemente penalizada pelos mercados financeiros nas últimas semanas, suportando nesta altura um custo que é superior em 2/3 ao da dívida alemã para prazos semelhantes – no prazo mais representativo, dos 10 anos, a dívida alemã paga 3,20% e a dívida grega 5,30%.
3. Por mais extraordinário que possa parecer, o custo de cobertura do risco de “default” da dívida da Grécia é, nesta altura, superior ao da cobertura de similar risco da dívida de países como a Hungria ou o Vietname...
4. As pressões para que o governo grego adopte medidas drásticas de redução das despesas públicas repetiram-se ao longo da semana, nomeadamente de responsáveis da União Europeia e do BCE, para além de diversas fontes internas.
5. Não se sabe ainda o que o governo grego vai ou não fazer, para já terá admitido reduzir o défice para cerca de 9% do PIB em 2010, dos quase 13% do corrente ano,mas ao que parece à custa de medidas de combate à evasão fiscal de resultado muito incerto...de cortes na despesa por enquanto nem se fala.
6. A situação é agravada pela dificuldade que qualquer governo grego tem em reduzir despesa pública sem enfrentar uma feroz oposição dos sectores instalados...e o actual governo (de maioria socialista) encontra-se numa posição especialmente incómoda pois, no poder há cerca de 2 meses, terá conduzido uma campanha eleitoral, de fresca memória, a prometer facilidades e maior despesa...
7. A redução do défice dos actuais 13% para 3% do PIB até 2013 faria apelo a medidas que, a serem aplicadas, colocariam a sociedade grega em polvorosa, quem sabe mesmo se em insurreição generalizada, sabendo-se como os gregos reagem violentamente a qualquer política de austeridade...a Grécia não é a Irlanda...
8. Enquanto esta Tragédia Grega se desenrola, nós por cá vamos continuando indiferentes a estes sinais dos mercados de que existe um limite para o endividamento, "mesmo" em moeda única.
9. Foi agora anunciado o arranque do TGV, projecto emblemático de uma política de assunção de enormes compromissos financeiros sem olhar à qualidade da despesa...este projecto é um daqueles com aptidão para agravar sempre a dívida, na fase de execução e também de exploração, pelos “cash-flows” negativos que deverá gerar durante um longo prazo e que exigirão mais dívida, sempre mais dívida...
10. Mas isso é feito em nome de um singular combate à crise económica, segundo o qual é preciso gastar para contrariar o abrandamento da actividade...
11. Nem reparamos que em cima da crise económica os países do “arco da dívida” enfrentam agora uma outra que consiste na realidade (caso da Grécia) ou iminência (casos de Portugal e Espanha) de um forte constrangimento financeiro que pode impor, de um momento para o outro, alterações drásticas de prioridades...
12. Ou seja, “combatemos” uma e apressamos a outra...

12 comentários:

  1. A típica "fuga para a frente", que tão bons resultados nos tem trazido. Quando foi conhecido o nome do ministro das Obras Públicas (ou será Público-Privadas?), qualquer réstia de esperança que houvesse numa inversão desta política obsessiva e suicidária foi desfeita.
    Parece que o bom do inginheiro quer mesmo ser o coveiro da pátria. Não nos deveremos esquecer, quando a altura chegar, quem foi responsável por estas e outras "obras do pugresso". E respectivos apoiantes e moços de recados...

    ResponderEliminar
  2. A ideia que tenho é a de que o Governo está a agir por simples fenómeno de compulsão. Já não é discernimento, é pura teimosia. Saíu o Lino, entrou o Mendonça, mas a luta continua... Como se, com estas posições obstinadas, quisesse mostrar que está forte, para lavar e durar! Não será isto?

    ResponderEliminar
  3. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderEliminar
  4. Mais dia menos dia, vai tudo de TGV!

    O tsunami vai chegar
    a grande velocidade,
    sendo difícil de o pegar
    tal será a ferocidade.

    Com o défice descontrolado
    para um nível insustentável,
    deste regime esfarelado
    brota um cheiro insuportável.

    Com a nau atolada
    em terrenos pantanosos,
    a tragédia revelada
    depois de anos luminosos.

    Mais milhão, menos milhão,
    o buraco está por tapar,
    mas lá estará o mexilhão
    mais uma vez a “lerpar”.

    ResponderEliminar
  5. Caros Ruben Correia e Alberto Valadão,

    Fuga para a frente ou impulsão assumem, neste contexto de rendição ao endividamento galopante, quase sinónimos...
    A "tentar" fugir de uma crise, vamo-nos meter noutra bem maior e quase sem saída?

    Caro Paulo,

    Como sempre um atento observador da realidade e um defensor das opções correctas - que agora até chamaria "opções inadiáveis"...
    A Irlanda acaba de nos dar um grande exemplo, está ali mesmo o que deveríamos copiar...
    Mas receio bem que já nada haja a fazer, vamos mesmo na direcção errada e com crescente convicção, ao que parece...

    ResponderEliminar
  6. Caro Tavares Moreira,

    Não sei se reparou no comentário do primeiro ministro sobre a situação financeira grega em que disse que "os gregos podem contar com a solidariedade europeia", como quem diz "defenderemos a Grécia até ao último contribuinte alemão!"? Pois, então já dá para perceber o que é que estas alminhas têm pensado para o caso português, quando chegar a hora...

    De resto, face ao enorme sucesso que tem a linha férrea no país e que têm experiências similares como o monocarril de Oeiras e o metro de Almada, o sucesso do TGV está garantido. Será uma nova era para os sucateiros nacionais, pelo menos para aqueles mais dedicados à pesca do robalo.

    ResponderEliminar
  7. Caro Tonibler,

    Explique lá a este reles ignorante o significado da expressão "pescar robalos"? Eu cá só percebo o significado literal... a não ser que isso seja outra moda, como a do palhaço.

    Muito agradecido,
    Paulo

    ResponderEliminar
  8. Caro dr. Tavares Moreira,

    João Miranda, no Blasfémias, cunhou há tempos um termo para esta política económica socratina: o cainesianismo tuga.

    Acho que acertou em cheio. E não vejo, tão cedo, que possamos esperar por algo melhor que a firme delicadeza da Sra. Merkel e do "seu" BCE.

    ResponderEliminar
  9. Caro Tavares Moreira,

    Quando os habituais economistas/comentadores de serviço do "regime" já começam a alertar para este problema, e para o facto de a crise que Portugal atravessa ser agravada por uma crise estrutural, é porque a coisa vai mesmo preta!
    Para além disso, vai valendo alguma união e mão-de-ferro por parte da oposição para fazer frente a este Governo. No entanto, confesso que acho piada ao facto de o Governo pedir ajuda ao PR pela oposição estar a cumprir a sua função. Ser oposição. E sublinhe-se que até está a ser uma oposição bastante positiva, no sentido que propõe bastantes alternativas, não se limitando a chumbar propostas do Governo.

    Quanto ao caso da Grécia, é caso para dizer que aquela malta se vai ver "grega" para resolver aquilo!

    ResponderEliminar
  10. Caro Paulo,

    Estudos recentes mostram que os sucateiros com capacidade para oferecer caixas de robalos têm mais hipóteses de sucesso que os seus colegas que não o fazem.

    ResponderEliminar
  11. Caro Tavares Moreira

    Apenas alguns comentários suplementares:

    Os investidores receiam que a Grécia não possa honrar os compromissos futuros, isto é, pagar as dívidas assumidas dentro de 10/20 anos. Receiam a veracidade dos dados fornecidos pelas autoridades gregas. Não acreditam nas proclamações, dos sucessivos responsáveis gregos, de que se vão emendar e arrepiar caminho.
    Por outras palavras, o problema grego é um elevado endividamento um mau cadastro anterior conjugado com uma péssima credibilidade.
    Nesse sentido, estamos melhor do que os gregos, porque em todos os itens acima, são menos negativos.
    Os mercados têm melhores expectativas quanto a Portugal do que quanto à Grécia. Faço notar que são apenas expectativas.

    Na perspectiva dos parceiros do norte e dos mercados, essa diferença de grau é levada em conta, daí que diferenciem as duas economias. No actual ambiente, essa diferença é importante porque nos proporciona espaço de manobra para alterar o rumo. Mas tem um reverso que é estarmos sujeitos ao efeito dominó, isto é, num cenário de "interrupção de pagamentos" por parte da Grécia estamos em segundo da fila e, para os segundos os efeitos demoram menos tempo a chegar.

    Para Portugal podemos estar a chegar a um momento de "tempestade perfeita":
    Volatilidade internacional;
    Turbulência na parceria em que nos encontramos;
    Bloqueio político interno;
    Forte influência das expectativas futuras nas decisões económicas.

    O pano de fundo deste confronto não está circunscrito, nem é dominado pela disciplina ou as boas maneiras financeiras; é um elemento, mas é para o longo prazo.
    No curto, as questões são mais lhanas: o limiar da sustenbilidade do modelo económico alemão foi fixado na cotação €/USD$ em 1.55.
    Se a turbulência interna na União permitir que a cotação venha para valores próximos da paridade, os principais acionistas agradecem. Por isso é que a adopção de uma estratégia tipo "região autónoma da Madeira" pode ser contrapruducente e ter um efeito boomerang.
    Henrique IV de França converteu-se ao catolicismo porque Paris valia bem uma missa; uma boa expulsão pode valer uma cotação mais competitiva e um cumprimento mais entusiástico do pacto de estabilidade.

    Visto assim, podemos compreender algumas das atitudes que os principais acionistas da União tem vindo, agora e sublinho agora, a tomar relativamente à Grécia, esta pôs a jeito...

    Dito isto, alguns comentadores internacionais, consideram que, neste confronto a Europa vai ser a primeira a ceder, pois, acho que não e, desconfio mesmo que, o actual Governo grego (e outros), sabem-no.

    Cumprimentos
    joão

    ResponderEliminar
  12. Caro Manuel Brás,

    Sua veia poética sempre a propósito...

    Caro Eduardo F.

    Muito pitoresco esse cainesianismo tuga...bem apanhado!

    Caro André,

    Aos economistas do regime falta dizer que se tivessemos ouvido os seus avisos, não teríamos chegado onde chegamos...só lhes ficava bem esse gesto de humildade!

    Caro Tonibler,

    Sarcástico, mas sempre muito inspirado seu comentário!

    Caro João,

    Subscrevo boa parte do seu comentário...prometo voltar ao assunto.

    ResponderEliminar