segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Agências de "rating": faz sentido "colar" Portugal à Grécia?

1. Um conhecido Banqueiro, em entrevista hoje conhecida a um também bem conhecido diário, usa, a propósito deste tema, uma expressão curiosa, que diz mais ou menos isto: “Porque raio as agências de “rating” ligam Portugal à Grécia?”.
2. Em discurso ontem proferido, o quase-candidato à Presidência Manuel Alegre desferiu fortes críticas às agências de “rating, dizendo que, para além de muito desacreditadas, terão querido fazer uma pressão intolerável sobre o OE para 2010...
3. Quanto às declarações de Alegre, parece que poderemos limitar-nos a perguntar o seguinte: se as agências de “rating” estão assim tão desacreditadas, qual o motivo da nossa preocupação com os comentários e avisos das mesmas?
Para quê perdermos tempo ou, pior ainda, afligirmo-nos com o que dizem de nós?
4. Quanto à interrogação do Banqueiro, o assunto pode merecer um pouco mais de reflexão – haverá porventura algum motivo sério para que alguém, agências de “rating” ou qualquer outra entidade, faça uma colagem entre a nossa situação e a da Grécia?
5. Uma interessante resposta é dada por um muito reputado economista, Daniel Gros, Director do “Centre for European Policy Studies” (Bruxelas), em artigo publicado na edição da última 6.ª Feira do F. Times. Nesse artigo, intitulado “Greek burdens ensure some Pigs won’t fly”, Gros estabelece uma estreita relação entre as situações da Grécia e de Portugal, separando-as dos casos de Espanha e da Irlanda por aquelas serem, na sua análise, bem mais graves.
6. Gros põe em evidência a baixíssima taxa de poupança bruta da Grécia (7,2% do PIB) e de Portugal (10,2%), muito inferiores à média da zona Euro (20%) e também muito inferiores às da Espanha (19%) e da Irlanda (17%).
7. A situação da taxa de poupança em Portugal e na Grécia significa que não podemos financiar por essa via o investimento (público e privado) e o consumo de capital.
Com taxas de poupança tão baixas, tanto a Grécia como Portugal não têm conseguido financiar nem um nível mínimo do investimento líquido com recursos gerados internamente – e daí a necessidade de se endividarem pesadamente no exterior, ano após ano, situação que, pelos vistos, pelo menos pela nossa parte vai continuar...
8. O caso da Grécia é especialmente grave segundo Gros pois, praticamente desde a criação da zona Euro, tem gerado uma poupança líquida negativa - insuficiente mesmo para cobrir o consumo de capital, atingindo essa deficiência 5,1% do PIB em 2008.
9. Mas acontece que em 2008 só Portugal teve um resultado pior que o da Grécia...
10. Gros observa que mesmo os estados do Báltico, apesar de terem tido de financiar uma euforia na construção, se encontram numa posição bem melhor do que a Grécia e Portugal, apresentando uma poupança líquida positiva confortável...
11. Esta grave insuficiência de poupança, combinada com uma elevada dívida externa, torna a solução dos desequilíbrios de Portugal e da Grécia extraordinariamente penosos: “salvar um país que está consumindo excessivamente faz sentido se e só se a comunidade política desse país aceitar que aquilo que se requer é mais do que um ajustamento orçamental...” (para conhecer recomendações concretas de Gros, sugiro a leitura do artigo em causa).
12. Será que as situações de Portugal e da Grécia são então muito similares como argumenta, com aparente solidez, Daniel Gros?
Se assim for, justificar-se-á fustigar as agências de “rating”?
Não seria melhor dedicarmo-nos, sem mais demora, a fazer o trabalho de casa?

4 comentários:

  1. Já agora porque é que não referiu o nome do conhecido banqueiro, como referiu o de Manuel Alegre (o quase candidato) à PR. Este Sr. Moreira ainda acalenta o sonho de ver o Alegre fora da corrida! Sonhem, sonhem, que logo acordarão...

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  2. Caro Tavares Moreira

    Algumas adendas ao seu post:

    a) Perorar contra as agências de rating é hipocrisia bem (ou mal) intencionada; alêm do que afirma, não é verdade que, durante mais de 20 anos beneficiamos de uma taxa de juro que as agências nos "concederam"?; nessa altura porque não invectivámos a notação?
    b) O "problema" (eu diria a questão) que nos une -Portugal e da Grécia - é que os credores não acreditam que possamos pagar, no médio prazo, uma parte substancial da quantia que vamos pedir de empréstimo; as contas gregas podem estar "apimentadas", as nossas podem ser honestas, em ambos os casos, não conseguimos convencer que podemos pagar;
    c) Para o efeito, tanto faz estarmos bem ou mal acompanhados, não acreditam que possamos pagar, veja o Japão, deve mais de 200% do PIB e, curiosamente, ninguêm deixa de lhe emprestar....
    d) No mundo do faz de conta em que vivemos até podemos pensar que vamos conseguir encontrar o crédito, pelo menos por mais um/dois anos, depois, basta ver o que se passa com a Grécia hoje, para ter a certeza do nosso amanhã....
    Por isso é que dizer que a Grécia é diferente de Portugal, é o mesmo que afirmar que a Bolt e Obikwelo são diferentes porque um é português e outro jamaicano..... foi isso que o Dr RSalgado fez.......

    Cumprimentos
    joão

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  3. Pois, pois, são tão credíveis que os juros da dívida portuguesa já desceram hoje!!! E parece que estão dispostas (as agências de "rating") a dar a mão à palmatória. Grécia para cá, Grécia para lá.... Não sabem falar doutra coisa. Vivem em constante martírio estes senhores!

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  4. Caro João,

    Bem estruturado e sensato seu comentário - como é habitual, de resto.
    Em aditamento à sua previsão de secagem do crédito, devo dizer-lhe que interpreto esta suspensão "sine die" do programa de novas concessões rodoviárias como um sinal de que essa secagem já ´se iniciou...

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