Fui na semana passada ao Teatro Villaret ouvir e ver “dizer” Fernando Pessoa por Jô Soares, o famoso apresentador e actor brasileiro mais conhecido pelo “Gordo”.
Foram 45 minutos de enorme prazer, em que doze textos de Fernando Pessoa e do seu heterónimo Álvaro de Campos foram “ditos” com sotaque português por Jô Soares, a sós, acompanhado de uma decoração minimalista aquecida por uma luz doce e suave e envolvida por uma selecção musical primorosa, por entre retratos de Fernando Pessoa magicamente colocados no palco no qual não faltaram a mesa e a cadeira pessoanas.
Cada palavra “dita”, uma por uma, transportou cada um dos espectadores presentes para o tempo e o espaço de cada retrato de vida declamado, como se cada um de nós estivesse a viver uma história, se revisse como um seu protagonista, recordando ou imaginando a sua própria história.
“Dizer” Fernando Pessoa com graça e humor, contidos na simplicidade e sobriedade do estar e sentir, é uma forma talentosa de enaltecer a sua grande obra, mas também de fazer chegar àqueles que não sendo poetas encontram e descobrem em Fernando Pessoa sentidos de vida e sentimentos da vida que de tão comuns e extraordinários que são escapam à memória viva e ficam quase sempre esquecidos e arrumados nas gavetas do tempo.
Pena que este espectáculo tenha terminado, justamente na sexta-feira passada, e tenha estado em cartaz tão pouco tempo. Pode ser que regresse. Vale muito a pena. Aqui fica um dos textos “ditos” que mais gostei.
Foram 45 minutos de enorme prazer, em que doze textos de Fernando Pessoa e do seu heterónimo Álvaro de Campos foram “ditos” com sotaque português por Jô Soares, a sós, acompanhado de uma decoração minimalista aquecida por uma luz doce e suave e envolvida por uma selecção musical primorosa, por entre retratos de Fernando Pessoa magicamente colocados no palco no qual não faltaram a mesa e a cadeira pessoanas.
Cada palavra “dita”, uma por uma, transportou cada um dos espectadores presentes para o tempo e o espaço de cada retrato de vida declamado, como se cada um de nós estivesse a viver uma história, se revisse como um seu protagonista, recordando ou imaginando a sua própria história.
“Dizer” Fernando Pessoa com graça e humor, contidos na simplicidade e sobriedade do estar e sentir, é uma forma talentosa de enaltecer a sua grande obra, mas também de fazer chegar àqueles que não sendo poetas encontram e descobrem em Fernando Pessoa sentidos de vida e sentimentos da vida que de tão comuns e extraordinários que são escapam à memória viva e ficam quase sempre esquecidos e arrumados nas gavetas do tempo.
Pena que este espectáculo tenha terminado, justamente na sexta-feira passada, e tenha estado em cartaz tão pouco tempo. Pode ser que regresse. Vale muito a pena. Aqui fica um dos textos “ditos” que mais gostei.
Aniversário
No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhaslágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...
Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos)
Demasiado deprimente, mas muito belo e realista, pois bem no fundo todos experimentamos esta saudade e sentimento de perda!
ResponderEliminarSim, concordo com a Fenix, é demasiado triste e em particular para um dia de anos. Ter memória desses aniversários, saber que alguém um dia gostou de nós, esperou algo de nós e que gostavam de nos ver felizes deve ser uma fonte de alegria e não uma tristeza sem fim. Um poema lindissimo, sem dúvida, mas demasiado triste para celebrar um aniversário, só olha para trás, ora, para a frente é que é o caminho, não é cara Fenix? Ânimo, e cá esperamos as suas notícias.
ResponderEliminarCara Suzana
ResponderEliminarGrata pelos votos de ânimo. Viver é uma condição e há-que fazê-lo o melhor que soubermos e pudermos. Quanto ás notícias, vou deixando pegadas aqui e ali, provando que ainda estou viva...
Sem dúvida, o melhor que pudermos em cada momento, o tempo é feito de muitos segundos. Um abraço, cara Fenix, cá a esperamos a picar o ponto:)
ResponderEliminarCara Fenix
ResponderEliminarContamos sempre com os seus contributos, ainda que por vezes sobre textos com um sabor, porventura, menos alegre.
Não deixe de nos visitar. Todos os dias há coisas novas para partilhar. Aceite um abraço amigo.
Parece-me, e julgo não errar, que Fernando Pessoa, é mais lido, mais entendido e mais apreciado no Brasil, que própriamente no seu país-natal.
ResponderEliminarA propósito; este post cara Drª. Margarida, lembrou-me alguem que em tempos comentou no "Quarta" com o nick "Chavalier de Pas" e que, de uma forma "misteriosa"... deixou de o fazer.
Devemos um agradecimento a Jô Soares, que segui na série televisiva e de quem guardo um expressão que considero... emblemática «Quem sois vós... quem sois vós...? Sois rei...sois rei!!!»
Força, cara Fénix. E ânimo sempre forte,como parece ser seu timbre!...
ResponderEliminarCaro Bartolomeu
ResponderEliminarJô Soares é um amigo de Portugal e desde muito novo aprendeu a conhecer Fernando Pessoa. O espectáculo no Teatro Villaret foi uma reprise de outros espectáculos dedicados a Fernando Pessoa no Brasil.
Estive a ler que Chavalier de Pas (Alexander Search) terá sido o primeiro heterónimo, criado por Fernando Pessoa era então muito jovem, quando estudava no ensino secundário. O nick name nunca mais ninguém o viu...
é verdade, cara Drª. Margarida...
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