Como aqui escreveu ontem o Dr. Tavares Moreira, a Grécia está a debater-se com enormes dificuldades na colocação da sua dívida pública nos mercados financeiros, apesar dos elevados prémios que oferece em termos de taxa de juro. A gravidade da situação decorre do facto do tesouro grego não ter a opção de adiar a emissão de obrigações governamentais até que a conjuntura se pacifique. Isto porque, as necessidades de financiamento mais prementes resultam do vencimento de dívida já existente, a qual tem que ser paga na íntegra, sob pena da Grécia entrar em incumprimento. Ou seja, a Grécia tem que conseguir endividar-se de modo a poder honrar as suas dívidas anteriores.
O perfil temporal dos vencimentos da dívida pública grega implica a obrigatoriedade do tesouro grego emitir um montante superior a 10 mil milhões de euros até meados de Maio, tarefa que se afigura hercúlea, a menos de uma improvável melhoria do sentimento dos investidores face à Grécia. Acresce, que os mercados poderão decidir testar o grau de credibilidade do plano de assistência financeira à Grécia acordado no Conselho Europeu de 25-26 de Março, recusando o financiamento de que o estado helénico necessita. Dessa forma, as autoridades gregas serão forçadas a accionar o tal plano, o qual requer a participação financeira do FMI em complemento à dos parceiros europeus. Como o processo de mobilização de fundos por parte dos países da área do euro está sujeito a uma tramitação burocrática algo complexa, na prática, será o FMI a surgir na primeira linha da operação de resgate à Grécia, caso esta venha a suceder. Com que implicações?
Tipicamente, a intervenção do FMI tem um impacto imediato muito benéfico, que se traduz na queda acentuada dos prémios de risco associados à dívida do país intervencionado. Dessa forma, a chegada do FMI a Atenas poderia ser a experiência redentora que o executivo e a população grega tanto almejam. Contudo, estes processos estão sempre envoltos em grande incerteza, pelo que o melhor seria mesmo que uma solução autónoma.
E para Portugal? Quais seriam as consequências de uma eventual intervenção da EU/FMI na Grécia? Fica lançada a discussão.
Duas notícias de hoje indicam que o caso se pode tornar ainda mais interessante. O HSBC diz aos investidores para trocarem a dívida portuguesa por dívida grega e os gregos anunciam que a intenção de emitir em USD como que a dizer que já estão na direcção de outros amigos.
ResponderEliminarPara Portugal está encontrado o quadro de amizades que vai encontrar daqui para a frente e, nesse sentido, parece-me interessante que comece a tratar dos limites que lhe são colocados à agricultura e pescas, bem como às facilidades que tem dado na ZEE. Afinal, se é cada um por si...
Caro Dr. Brandão de Brito,
ResponderEliminarA questão que nos convoca a comentar é muito interessante...embora na minha perspectiva ainda falte saber quase tudo acerca do "modus operandi" da dupla EU/FMI na ajuda a países da zona Euro.
Embora desde o primeiro momento em que rebentou a pempestada financeira sobre a Grécia eu próprio, em Post aqui editado há uns meses, tivesse admitido que o FMI acabaria por estar na primeira linha de um qualquer plano de "ajuda" à Grécia, confesso que ainda não vejo ainda bem como essa "ajuda" poderá vir a materializar-se.
As intervenções do FMI, que, como bem diz, têm (habitualmente) um efeito benéfico sobre a credibilidade externa dos países contemplados, utilizam sempre como instrumental mais eficaz a política monetária-cambial.
Ora aqui essa vertente está à partida excluída, sob pena de se causar uma apoplexia generalizada em todos os dirigentes do BCE...que teriam de ser internados numa U.C.I. de Frankfurt...
Na vertente orçamental o FMI deve ou pode ter algo a dizer...mas aqui também parece colocar-se, porventura sem os graves impactos apopléticos do caso anterior, um problema de conflito de competências entre o FMI e a Comissão Europeia...
Por outro lado, temos a questão do momento em que esta ajuda deveria funcionar.
Segundo rezam as crónicas, isso só poderia acontecer depois de esgotada a solução de financiamento através do mercado -mas como avaliar o momento em que o mercado já não responde às necessidades da Grécia?
Se a Grécia estiver disposta a pagar 10% pela dívida a 10 anos, tenho a noção de que o mercado não ficará nunca saciado...
Enfim, uma multiplicidade de questões que haverá que clarificar - salvo melhor juízo, é evidente - antes de nos embrenharmos na problemática dos impactos sobre a situação portuguesa...
Que esses impactos poderão ser muito significativos, estou persuadido que sim...detalha-los é que me parece por ora uma tarefa bastante oracular...
Mas acho que fez muito bem em levantar o tema, posso dizer~lhe que me provoca desde já a maior curiosidade...
Caro Tavares Moreira, por ausencia só agora contraponho aos seus comentários no Post do Pinho Cardão de 29.03.10 “uma livre escolha”,
ResponderEliminarAs observações apontadas por Tavares Moreira, padecem em minha opinião de algum rigor e prestam-se às maiores confusões. Vou tentar demonstrar o que afirmo.
Afirma-se - que o mundo mudou drasticamente desde o momento em que esses modelos eram apreciados na sua quase-virgindade. Que o mundo mudou desde há trinta anos seguramente que sim, agora já não compreendo o que se quer dizer com “desde o momento em que esses modelos…” Se bem entendo, pretende dizer-se que o mundo mudou pelo que a social democracia já não tem aplicação nos tempos de hoje. Eu diria precisamente o contrário, porque o mundo mudou e da forma como mudou só a social-democracia, a genuína, a virginal, poderá inverter o “desenvolvimento” económico que desde há 30 ou 40 anos se afirmou como dominante e tem provocado a par de um decréscimo no crescimento económico um contínuo aumento das desigualdades sociais. Tenham-se em conta estes dados – “Segundo o relatório da Unctad (United Nations Conference on Trade and Development) de 1997, o crescimento mundial, reduziu-se de cerca de 4% ao ano nos anos 70, para cerca de 3% nos anos 80, e 2% nos anos 90” ou ainda um recente relatório da UE– “a parcela de riqueza que é destinada aos salários é actualmente a mais baixa desde, pelo menos, 1960 (o primeiro ano com dados conhecidos). Em contrapartida, a riqueza que se traduz em lucros, que remuneram os detentores do capital, é cada vez mais alta”.
Na verdade, neste “mundo que mudou drasticamente”, no actual estágio do sistema capitalista verifica-se que embora ele represente um bom instrumento de organização da produção, constata-se que não sabe distribuir, organiza muito precariamente a absorção produtiva dos recursos humanos, e desvia para actividades especulativas a já precária poupança da população. Como consequências temos o agravamento das desigualdades sociais e menores crescimentos económicos, o mesmo é dizer, maior desemprego e diminuição da qualidade de vida dos cidadãos. Dentro do liberalismo ou do neoliberalismo, não há qualquer saída, não há “reforma” que inverta esta lógica, e apenas haverá que esperar o agravamento da situação económico-social dos cidadãos. Claro que os liberais e os neoliberais tentam convencer os cidadãos que não há saída para este estado de coisas e que só lhes resta a resignação. Tentam apresentar o “novo mundo” como algo de inesperado e imutável. Numa dinâmica do pensamento único, na ideia de que este modelo de sociedade neoliberal é o ideal. Como disse Fukuyama, guru do neoliberalismo, "a história acabou". Crer nisso é acreditar que não há futuro. Claro que hoje existem problemas novos, o primeiro dos quais a especulação financeira, que retira dinheiro à produção aumentando o desemprego e diminuindo o crescimento económico. Esta, uma contradição da “mudança drástica do mundo” que gera sucessivas e mais acentuadas crises económicas.
A história diz-nos de forma evidente que o modelo neoliberal, adaptado e perfilhado pela “globalização”, demonstra hoje, não responder aos anseios de progresso das sociedades. A social-democracia, mais aprofundada ainda do que “na sua quase virgindade”, numa nova forma de organização social que assegure o controlo social permanente sobre o Estado e as Empresas. Uma nova forma de organização social, tendo como um dos seus objectivos a valorização da democracia participativa. A democracia não é apenas uma forma de governo, uma modalidade de Estado, um regime político, uma forma de vida. É um direito da Humanidade (dos povos e dos cidadãos). Democracia e participação se exigem. Não há democracia sem participação, sem povo. O regime será tanto mais democrático quanto tenha desobstruído canais, obstáculos, óbices, à livre e directa manifestação da vontade do cidadão.
Caro Prof. Brandão de Brito
ResponderEliminarO exercício que lança é desafiante mas confesso difícil porque é difícil não considerar as dificuldades políticas de compatibilização das competências entre a Comissão Europeia e o FMI. A intervenção do FMI evidenciaria a incapacidade da Europa para resolver os seus próprios problemas, enfraquecendo-a num momento em que se debate com graves problemas económicos e financeiros. Está também em causa o pilar fundamental da solidariedade que sendo um princípio é também um factor de coesão essencial para a sobrevivência da União Europeia. Defender este princípio não significa defender que os "maus alunos" continuem a viver à custa dos "bons alunos". Este é um problema que não está obviamente resolvido.
Uma vez aberta a porta à entrada do FMI num país da União Europeia, ficaria "facilitada" a intervenção noutros países. Creio, no entanto, que não seria desejável. Seria bom, que nós, europeus, fossemos capazes de resolver os nossos próprios problemas.
Caro Tonibler,
ResponderEliminarO teor eurocéptico do seu comentário faz jus à sua alcunha. Mas eu compreendo que o alcance da sua mensagem vai para além da piada...muito para além, aliás. O compromisso entre as nações europeias em torno do projecto de integração é tão extenso, que qualquer tipo de ruptura poderá ter consequências imprevisíveis.
Caro Dr. Tavares Moreira,
São muito interessantes as questões que levanta relativamente a uma operação de resgate UE/FMI. Não penso que existam respostas peremptórias. Aqui ficam as minha inclinações.
A impossibilidade de accionar o instrumento monetário-cambial dificulta, mas não condena, necessariamente, ao fracasso uma intervenção à la FMI, como o recente exemplo da Letónia ilustra. Aí, foi mantido o peg ao euro, mas ainda assim os CDS da dívida soberana contraíram-se fortemente após a entrada do FMI.
No plano orçamental existe, de facto, uma tensão de competências entre CE e FMI, mas penso que já terá sido resolvida a favor da primeira. O plano de consolidação orçamental grego foi cozinhado e benzido em Bruxelas, mas o forte elogio do Sr. Strauss-Kahn ao mesmo constitui aprovação tácita para efeitos de intervenção do FMI.
Relativamente ao trigger para uma intervenção UE/FMI é, como muito bem diz, muito complicado de antecipar. Penso que seria difícil que a Grécia conseguisse colocar dívida a 10%, pois isso representaria um grau de desespero que afastaria qualquer investidor estrangeiro. Aliás, parece-me existir no mercado uma barreira psicológica em torno dos 500 p.b. nos CDS, a partir da qual o tesouro grego não logrará emitir. Vale o que vale...
Caro ruy,
ResponderEliminarMuito bem, é sempre tempo de discutirmos mais um pouco as nossas ideias!
O que disse e mantenho é que as alterações profundas de cenário macro em Portugal condicionam hoje enormemente as opções de política económica bem como as subjacentes opções ideológicas...
Dou-lhe só mais este exemplo: alguém imaginaria, há 25 ou 30 anos, um governo PS adoptando um quadro de medidas equivalente às que constam do PEC? Nem "a tiro", com FMI a tiracolo...
Outra questão é a da decantada repartição funcional do rendimento, ou seja a da distribuição da riqueza produzida entre capital e trabalho.
Sabendo-se, como certamente sabe, que os fundos de pensões estão hoje entre os principais investidores institucionais, mobilizando muitos milhares de milhões de Euros e de USD, em que classe os inclui - no capital ou no trabalho?
Na análise para que aponta, estes investidores estariam na classe capital - mas fará isso algum sentido, sabendo-se quem beneficia dos rendimentos dos fundos de pensões?
A social-democracia não está morta, longe disso, o problema é que a evolução sofrida pela economia portuguesa nos últimos 20 anos, com o aumento descomunal da parcela de recursos colectivos absorvida pelo Estado, reclama soluções urgentes de redução do Estado...
Se me disser que é exactamente esse o caminho que uma solução social-democrata apontaria, então "fixe"! Estaremos consonantes!
Caro Dr. Brandão de Brito,
Não estou longe das suas cogitações em torno do tema da possível "ajuda" UE/FMI à Grécia...
Mas retomando a análise do seu Post, existe uma questão operacional para a qual essa "ajuda" de pouco valerá, que é a da satisfação, no curto prazo, das necessidades de financiamento da República Helénica...
Para essas parece não haver outra solução que não a do mercado, pelo que iremos certamente ter oportunidade de avaliar como é que o mercado se comporta. Concretamente, veremos se o comportamento do mercado demandará, no final, o funcionamento do tal plano de "ajuda" ou se, pelo contrário, a Grécia encontrará o financiamento de que necessita no mercado...
Quanto a Portugal, creio que seria sensato começarmos a pensar que um qualquer segundo candidato à decantada "ajuda", após a Grécia, pode vir a ser defrontado com exigências mais pesadas do que aquelas que os gregos estão defrontando...
A Alemanha, em particular, se concluir que a existência de um cenário de ajuda é tida como um convite ao "laxismo", provavelmente endurecerá a sua já pouco mole posição...
Caro Tavares Moreira,
ResponderEliminar“a parcela de riqueza que é destinada aos salários é actualmente a mais baixa desde, pelo menos, 1960 (o primeiro ano com dados conhecidos). Em contrapartida, a riqueza que se traduz em lucros, que remuneram os detentores do capital, é cada vez mais alta”.
Quem o afirma é aprópria UE, pelo que creio não haverá duvidas quanto a isto. Que os investidores institucionais fomentem eles próprios a especulação financeira bem, a “globalização” especulativa financeira estende-se a tudo. Desde os investidores nacionais até às pequenas poupanças e fundos das empresas. Com isso aprofunda-se apenas a insustentabilidade do neoliberalismo.
As trocas especulativas diárias são da ordem de 1,5 triliões de dólares por dia, enquanto as trocas de bens e serviços realmente existentes mal atingem os 25 biliões, algo como 60 vezes menos.
Nesta lógica, no que constitui não uma excepção mas uma regular tendência das últimas décadas, assiste-se aos lucros crescentes de um lado, e a investimentos, salários e emprego decrescentes do outro, o que simplesmente torna este sistema neoliberal insustentável. A “crise financeira” actual é, afinal, o pronuncio do descalabro do neoliberalismo.
Concordo plenamente quando diz – “o aumento descomunal da parcela de recursos colectivos absorvida pelo Estado, reclama soluções urgentes de redução do Estado...” Contudo tal acontece por razões de má gestão e corrupção do sistema político em que vivemos. Na verdade, para as funções sociais do estado que são prestadas aos cidadãos, a despesa corrente primária é desmesurada sem duvida. Nesse sentido há que reformar a administração pública não no sentido dos cortes sociais mas no sentido de extinguir os órgãos parasitários do estado que foram criados sobretudo a partir de 1995 (institutos, fundações, autoridades, agencias, empresas municipais...).
Recordemos que enquanto no período 1986-1995 a DCP representava 29,7% do PIB, no período 1995-2001 ela galgou para 35,0%. Uma subida astronómica e não justificável por não ser acompanhada por quaisquer melhorias nos serviços prestados pelo Estado. Os cidadãos não sentiram melhorias na Educação, na Saúde, na Justiça ou na Segurança. A verba correspondente a 5,3% do PIB foi assim completamente desbaratada sem constituir qualquer benefício para os cidadãos. A criação de empresas municipais e outros órgãos do Estado paralelos aos serviços existentes, com dirigentes recrutados das clientelas partidárias, são a principal causa desta fortíssima subida da DCP. Este “edifício” da Administração Pública bem arquitectado pelos nossos políticos, ampliar-se-ia continuamente nos anos seguintes o que explica a subida, sempre crescente, da DCP. É um ónus, que os portugueses desde então pagam anualmente com o seu trabalho e com os seus impostos. Pagam o desperdício, a ociosidade e a corrupção institucional deste “sistema político corrupto-administrativo”.
Diz o Tavares Moreira - “o problema é que a evolução sofrida pela economia portuguesa nos últimos 20 anos, com o aumento descomunal da parcela de recursos colectivos absorvida pelo Estado, reclama soluções urgentes de redução do Estado...”- seguramente, só que a redução do Estado tal como seria necessário não implica cortes sociais.
Infelizmente será completamente utópico pensar que a nossa classe política, por sua iniciativa, poderá algum dia deixar de usufruir tais privilégios tão bem arquitectados.