Os fenómenos de “quase morte” aliciam qualquer um, sobretudo devido aos relatos de algumas pessoas que os contam e vivem com particular intensidade, uma luz maravilhosa, um túnel no fim do qual vislumbram luminosidades difíceis de explicar, traduzidas como sendo receções ou portas divinas para o paraíso. Já ouvi alguns relatos. Um deles marcou-me, porque foi contado com um sentimento de revolta por o terem ressuscitado, impedindo-o de ir para aquele espaço deslumbrante. Quando o ouvi, num programa televisivo, fiquei estupefacto pela forma como o ex-doente e quase morto criticava os que o salvaram. Este episódio fez-me recordar várias coisas, as razões destes tipos de fenómenos e um caso ocorrido comigo há muitos anos.
Numa noite, nas urgências do velho hospital, vi um senhor com graves dificuldades respiratórias. Solicitei uma radiografia do tórax, que se fazia na última sala. Não tinha decorrido muito tempo quando me chamaram. O senhor acabava de entrar em paragem cardíaca. Estava ainda na maca e comecei a tentar ressuscitá-lo sem convicção, porque de todas as vezes que o tinha feito, morreram todos. Era muito novo e voluntarioso. Os enfermeiros que me seguiram, ao fim de algum tempo de manobras de reanimação disseram-me: - Está morto, senhor doutor. Já está morto! Não me intimidei. Continuei com as manobras e, subitamente, verifiquei que o coração retomava os batimentos. Fiquei atrapalhado, porque não estava à espera. E agora? Agora tenho que o intubar, porque as dificuldades respiratórias mantinham-se. O pior é que nunca tinha feito essa manobra. A noite começava a ser cumprida e pedi que chamassem o colega da reanimação. Mas podia demorar e por isso tinha que avançar. Naquele tempo as coisas eram muito diferentes de agora. Já estava, meio nervoso, a iniciar a intubação, e ao mesmo tempo a tentar vigiar a parte cardíaca, quando o meu professor e diretor da reanimação passou, ocasionalmente, pelas urgências. Não estava de serviço. Olhou-me e perguntou face à minha mais do que visível ansiedade: - Oh S. o que é se passa?! Eu expliquei-lhe. Num ápice correu para mim e pediu-me para continuar com a vigilância cardíaca enquanto lhe enfiava o tubo pelas goelas abaixo, o que conseguiu logo à primeira tamanha era a sua experiência. Em seguida comecei a aspirá-lo, intervalando com uma ventilação manual. Não sei quanto tempo se passou, mas foi muito, até estar em condições para ir para o serviço de reanimação. Fiquei exausto. Nem sei como aguentei o resto da noite. Tinha conseguido, pela primeira vez, ressuscitar alguém. Recordo-me de na altura ter pensado: - Se o senhor se safar gostava de lhe perguntar se viu ou ouviu qualquer coisa durante esse período. Mas como muito provavelmente nunca mais o iria ver, dei por terminado este episódio.
Um interessante estudo esloveno efetuado em dezenas de pessoas que experimentaram o fenómeno quase morte revelou que os tais fenómenos, luz intensa e brilhante, “saída do corpo”, sensação de paz e de tranquilidade se devem a elevadas concentrações de dióxido de carbono. O que os autores não sabem é se os altos níveis de dióxido de carbono são devidos à paragem cardíaca ou se já existiam antes da morte iminente. É certo que algumas experiências demonstraram que a inalação de dióxido de carbono pode originar alucinações similares aos casos de quase morte. É uma associação e dificilmente se pode estabelecer nexo de causalidade e nem sei se algum dia poderá ser estabelecido, mas não deixa de ser interessante.
Voltando à minha vivência de há muitos anos, acabei, passados uns dias, ao chegar de manhã à minha enfermaria, de ver o doente numa das três camas que estavam sob a minha responsabilidade direta. Tinha tido alta do serviço de reanimação. Nunca tive a coragem de lhe fazer a pergunta. Achei que não devia. Recuperou e bem. Não sabia que era um paraplégico. Muito amável, educado e discreto. Afinal vivia no meu bairro. Diariamente fazia o seu percurso com a ajuda de familiares e contava a sua história quando tinha morrido às pessoas amigas ou conhecidas. Lembrava-se de, com muita falta de ar, ter ido ao banco e depois ficar tudo negro. Não viu nenhuma luz. Só ouviu vozes: - Está morto. Está morto. É preciso reanimá-lo. É preciso reanimá-lo. Já bate. Já bate. E contava a história repetidamente dizendo que o Salvador tinha sido o seu salvador. Cruzei-me com ele durante alguns anos, mas nunca fui capaz de lhe perguntar o que é que viu ou ouviu. Acabei por saber através de terceiros que, nas conversas do café, recontavam a história uns aos outros sem saberem quem eu era, naturalmente....
Numa noite, nas urgências do velho hospital, vi um senhor com graves dificuldades respiratórias. Solicitei uma radiografia do tórax, que se fazia na última sala. Não tinha decorrido muito tempo quando me chamaram. O senhor acabava de entrar em paragem cardíaca. Estava ainda na maca e comecei a tentar ressuscitá-lo sem convicção, porque de todas as vezes que o tinha feito, morreram todos. Era muito novo e voluntarioso. Os enfermeiros que me seguiram, ao fim de algum tempo de manobras de reanimação disseram-me: - Está morto, senhor doutor. Já está morto! Não me intimidei. Continuei com as manobras e, subitamente, verifiquei que o coração retomava os batimentos. Fiquei atrapalhado, porque não estava à espera. E agora? Agora tenho que o intubar, porque as dificuldades respiratórias mantinham-se. O pior é que nunca tinha feito essa manobra. A noite começava a ser cumprida e pedi que chamassem o colega da reanimação. Mas podia demorar e por isso tinha que avançar. Naquele tempo as coisas eram muito diferentes de agora. Já estava, meio nervoso, a iniciar a intubação, e ao mesmo tempo a tentar vigiar a parte cardíaca, quando o meu professor e diretor da reanimação passou, ocasionalmente, pelas urgências. Não estava de serviço. Olhou-me e perguntou face à minha mais do que visível ansiedade: - Oh S. o que é se passa?! Eu expliquei-lhe. Num ápice correu para mim e pediu-me para continuar com a vigilância cardíaca enquanto lhe enfiava o tubo pelas goelas abaixo, o que conseguiu logo à primeira tamanha era a sua experiência. Em seguida comecei a aspirá-lo, intervalando com uma ventilação manual. Não sei quanto tempo se passou, mas foi muito, até estar em condições para ir para o serviço de reanimação. Fiquei exausto. Nem sei como aguentei o resto da noite. Tinha conseguido, pela primeira vez, ressuscitar alguém. Recordo-me de na altura ter pensado: - Se o senhor se safar gostava de lhe perguntar se viu ou ouviu qualquer coisa durante esse período. Mas como muito provavelmente nunca mais o iria ver, dei por terminado este episódio.
Um interessante estudo esloveno efetuado em dezenas de pessoas que experimentaram o fenómeno quase morte revelou que os tais fenómenos, luz intensa e brilhante, “saída do corpo”, sensação de paz e de tranquilidade se devem a elevadas concentrações de dióxido de carbono. O que os autores não sabem é se os altos níveis de dióxido de carbono são devidos à paragem cardíaca ou se já existiam antes da morte iminente. É certo que algumas experiências demonstraram que a inalação de dióxido de carbono pode originar alucinações similares aos casos de quase morte. É uma associação e dificilmente se pode estabelecer nexo de causalidade e nem sei se algum dia poderá ser estabelecido, mas não deixa de ser interessante.
Voltando à minha vivência de há muitos anos, acabei, passados uns dias, ao chegar de manhã à minha enfermaria, de ver o doente numa das três camas que estavam sob a minha responsabilidade direta. Tinha tido alta do serviço de reanimação. Nunca tive a coragem de lhe fazer a pergunta. Achei que não devia. Recuperou e bem. Não sabia que era um paraplégico. Muito amável, educado e discreto. Afinal vivia no meu bairro. Diariamente fazia o seu percurso com a ajuda de familiares e contava a sua história quando tinha morrido às pessoas amigas ou conhecidas. Lembrava-se de, com muita falta de ar, ter ido ao banco e depois ficar tudo negro. Não viu nenhuma luz. Só ouviu vozes: - Está morto. Está morto. É preciso reanimá-lo. É preciso reanimá-lo. Já bate. Já bate. E contava a história repetidamente dizendo que o Salvador tinha sido o seu salvador. Cruzei-me com ele durante alguns anos, mas nunca fui capaz de lhe perguntar o que é que viu ou ouviu. Acabei por saber através de terceiros que, nas conversas do café, recontavam a história uns aos outros sem saberem quem eu era, naturalmente....
Eu nunca salvei ninguém!
ResponderEliminarE como portuguesa (e católica) que sou acrescento: e Deus queira que nunca esteja numa situação em que isso seja necessário.
Todavia, tenho uma pequeníssima ideia de como as pessoas se devem sentir quando o podem fazer. Ou por bravura ou por conhecimento e determinação como foi o caso presente. Posso imaginar como os que foram salvos se sentem e as palavras que não têm (porque não existem) para transmitir a sua gratidão ao seu salvador.
Também acredito que há pessoas tão rabujentas, tão azedas que são capazes de disparatarem com o “senhor doutor” porque os salvou e não tinha nada que as salvar porque é a vida delas, elas é que deviam decidir. Ninguém tem nada com isso!!
As prováveis (?) razões dessas luzes e túneis na “quase morte” é bastante interessante. Já tenho lido relatos desse “outro mundo” mas nunca acerca de uma possível explicação mais... digamos... fisiológica.
Vivendo e aprendendo.
E já agora aproveito para dizer que tenho um grande respeito pelos médicos e quero-os ao meu lado!!! Mesmo assim, vou sempre dando os meus palpites: senhora doutora, não será melhor fazer este teste e este e mais este..por uma questão de prevenção! E que tal se......Tenho sorte de ter uma médica de família muito paciente! : )
«A Vida é o Mistério! E "mistério" filologicamente identifica-se a
ResponderEliminar"musterium" e a "mysticum", o que está dentro, o que comparticipa da
natureza do mesmo, entendendo-o segundo o Espírito e vivenciando-o segundo a
Matéria.»
Sabemos que, em cada momento da nossa vida, algo sucederá, contudo, não sabemos o que será… mistério.
Sabemos que podemos, estudando, alcançar uma formação técnica, ou académica, ou científica, mas não sabemos se a completaremos, antes de a completarmos... mistério. Sabemos que essa formação nos dará acesso a determinado posto de trabalho, a determinada posição social, a determinado estatuto, a determinada realização pessoal, mas não sabemos se a alcançaremos, antes de a alcançarmos… mistério.
Sabemos que o maior grau de conhecimento, nos confere maior capacidade de auto-determinação mas, nenhum conhecimento é tão grande que nos permita… conhecer o mistério.
;)
após reler o meu comentário anterior, impõe-se que apresente o meu acto de contrição.
ResponderEliminarimagino que alguns dos comentários que exponho, não colham a simpatia dos autores, este poderá ser um deles, dependendo do modo como for interpretado.
imagino também que a benevolência e humildade dos autores contribuam para uma certa condescendência, relativamente ao sentido que parece ser o dos meus comentários.
como diz um amigo meu que aqui pontua com os seus comentários «eles às vezes devem pensar que és maluco»… diz a voz do povo que, de médicos e loucos, temos todos um pouco… assim será.
contudo, gostaria de deixar claro, que o meu comentário anterior, não pretende mais que, deixar expressa uma reflexão que não pretende minimamente atingir a grandeza do conhecimento e da pessoa do Senhor Professor Salvador Massano Cardoso, a quem estimo demasiadamente, para tanto.
;)
Caro Massano Cardoso, posso confirmar que há essa maravilhosa sensação de leveza, de ausência de dor e de absoluta indiferença perante o que se ouve ou acontece, diria mesmo que o "regresso à vida" é um tanto penoso...
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