1. No meio da confusão oratória que reina em torno da crítica situação económica e financeira que estamos vivendo, os nossos sempre patrióticos media têm dado especial relevo a múltiplas histórias que apelidarei, à falta de melhor, de “histórias esfarrapadas”.
2. Assim conhecemos já:
(i) a lenda do inimigo americano que atenta ferozmente contra a vida do Euro, procurando preservar a hegemonia do USD;
(ii) a denúncia do imoral comportamento das agências de rating, que nos traíram com os seus inoportunos “downgrades”, acompanhada da magnífica ideia da criação de uma agência de rating europeia, devidamente obediente aos órgãos políticos para garantir doravante a suma qualidade dos riscos nacionais;
(iii) a desfaçatez dos mercados, dominados por especuladores que não reconhecem a superior qualidade das políticas de consolidação orçamental dos nossos inspirados governos, etc, etc.
3. Também conhecemos a determinação de fazer avançar – não se sabe ainda se rumo ao frigorífico ou ao congelador – as grandes obras públicas que na actual conjuntura deverão constituir um motivo de especial conforto para os nossos credores, que estão muito confiantes no “free cash-flow” esperado de tais projectos para poderem finalmente descansar sobre a qualidade dos seus créditos...
4. O que não conhecemos ainda é o impacto orçamental, em 2010, 2011, 2012...das medidas “adicionais” de consolidação (admitindo que existiam algumas antes...) entretanto anunciadas mas sem que se saiba quando e como serão “implementadas” para escorar a situação precária das finanças públicas...
5. Lembrei-me destas breves considerações quando esta tarde li declarações, habitualmente bem fundamentadas e sensatas, do nosso conhecido Daniel Gros, que recomenda a Portugal a adopção imediata de duras medidas de austeridade para evitar ser o segundo País a necessitar da assistência dos outros países do Euro (sem ou com Grécia é uma boa pergunta...).
6. Daniel Gros mais uma vez chama a atenção para a similitude das situações entre Portugal e a Grécia no que aos desequilíbrios económicos respeita – com alguma desvantagem para Portugal, até – manifestando a sua opinião de que Portugal precisa de dar sinais inequívocos de que faz o “trabalho de casa” para não ser apanhado numa situação semelhante à da Grécia.
7. Ser apanhado numa situação semelhante à da Grécia significaria, concretamente, ser o próximo país a ter de pedir ajuda aos seus pares e ao FMI, caso a capacidade de financiamento no mercado vier a mostrar-se insuficiente para dar cobertura a todas as necessidades de financiamento da economia, tanto do Estado (em sentido alargado) como do sector privado.
8. Porque tenho em boa conta a opinião de Gros, concordo que é tempo de nos deixarmos de histórias “esfarrapadas”, de "jumbo" obras públicas insaciáveis consumidoras de capital e mais destruidoras que criadoras de emprego - e de começarmos a fazer, como se impõe, o difícil mas incontornável trabalho de casa...que já tarda, de resto...
Além de acabar com obras públicas que só servem para alimentar os pançudos dos amigos, seria interessante que o governo português decidisse uma de duas coisas: ou saímos do euro (e trazemos a garantia aos gregos, já agora...) ou arranjamos maneira de indexar os gastos do estado à riqueza do país. Senão, medida de austeridade agora apenas serve para no futuro dizermos "já baixámos uma vez...". Mas, pensando melhor, nós não temos governo para isso, pois não?
ResponderEliminarCuriosamente, a avaliar pela reacção dos mercados, acho que havia uma esperança de que a crise grega acabasse de vez com o euro...
Tempus fugit...
ResponderEliminarDe histórias esfarrapadas
e com a casa por arrumar
muitas verdades deturpadas
agravam o nosso inflamar.
Difícil mas inevitável
o país está por consertar,
a loucura é lamentável
ceifando o nosso bem-estar.
Caro Tonibler,
ResponderEliminarSinceramente encontra alguma distinção entre os conceitos "medidas de austeridade", proposta de Gros, e "indexação dos gastos do Estado à riqueza..." alvitrada pelo meu Amigo?
Com o risco de estes artistas plásticos que dirigem a política económica ainda conseguirem arranjar uma indexação que lhes desse muito jeito...
Caro Manuel Brás,
O País - o Estado-Nação - está a precisar de grandes obras de reparação, desde o telhado até às caves...
Mas o processo de adjudicação tem-se atrasado imenso, os concorrentes não conseguem apresentar um plano de trabalhos convincente, os guardas de serviço têm-se encarregado de vandalizar os interiores e exteriores, não sei se ainda vai a tempo...
Tal como no futebol, a nossa equipa nunca joga mal e quando perde a culpa é sempre do arbitro e de maquinações sinistras dos adversários.
ResponderEliminarO nosso povo gosta disto e de se sentir vítima.
Não tem assim que fazer frente ás situações e assumir responsabilidades
Caro Tavares Moreira,
ResponderEliminarEncontro. Se a forma de pagar os défices fosse meter mais papel na máquina da Casa da Moeda, essa indexação estava feita. Como não podemos (não podemos? hum....está aqui uma ideia para o governo explorar...se ninguém souber...) essa indexação não é a mais fácil de fazer. Teríamos que ir ver como é que o Mississipi faz isso.
Interessante comparação, caro ricardo, é isso mesmo...
ResponderEliminarRecordemo-nos do "orgulhosamente sós", agora convertido em "orgulhosamente tesos"...
Caro Tonibler,
Claro, lá temos o inevitável Mississipi, aquele mesmo que serviu para a genial e memorável sátira contra os maldizentes do nosso mui querido e benéfico endividamento externo, pronunciada nos alvores do século XXI...
Quanto ao resto, é sempre possível contrafazer Euros, não lhe parece?
A ideia de produzir euros clandestinamente não me parece muito pior que andar a aldrabar a contabilidade.
ResponderEliminarEu diria que são práticas culturalmente gémeas, com a marca comum e indelével da ocultação da realidade para fins de proveito próprio, caro Tonibler...
ResponderEliminarNão me parece que os cultores de qq uma delas possam ter legitimidade para lançar pedras aos cultores da outra...