Algures na Europa cumpridora, um grupo de colegas combina, como era costume, viajar no mesmo automóvel para realizar um trabalho longe do sítio onde moram. Sempre se deram bem, com muita cordialidade e respeito, divertiam-se no caminho e conversavam sobre os seus países. Um é grego, os outros são de diferentes países da Europa. Mas de repente esta viagem foi diferente das outras. A conversa tomou inevitavelmente o caminho da crise e logo começaram a dizer cobras e lagartos dos gregos, que são mentirosos, que enganaram a Europa, que são inconscientes, que não sabem governar-se até que, inebriados com a sua ira excitada por todos os noticiários, comunicados e conferências de imprensa ao mais alto nível, viram-se para o grego e dizem-lhe que ele lhes deve dinheiro, sabes quanto é tu nos deves, sabes? Nós é que estamos a sustentar-te, vê lá o que dizes.
Este é um episódio verídico, que possivelmente se repete por todos os cantos dessa maravilhosa Europa da mobilidade. Pela primeira vez um jovem europeu sente na pele o estigma da acusação, da humilhação e da vergonha de ser tratado sem respeito nem dignidade. Cada país apressa-se a vir ao palco dizer que não é como a Grécia, Deus nos livre, pois não, uma espécie de vírus vergonhoso e contagioso, ligam a televisão e assistem à revolta, à violência e às multidões e assustados dizem “nós não somos assim, nós não somos assim”. Talvez resultasse melhor se dissessem que todos tiveram culpa, que a Grécia somos todos nós quando ignorámos os sinais, quando se estimulou o recurso ao crédito, quando se fizeram manobras financeiras visionárias, quando se aceitaram défices errados, estatísticas políticas, promessas impossíveis. Viram e calaram? Tiveram culpa. Não viram e confiaram? Tiveram culpa. Acabada a festa, é preciso apanhar as canas e reconhecer que, em maior ou menor grau, somos todos gregos. Por este caminho, a crise financeira vai deixar feridas bem profundas, ódios e ressentimentos que o dinheiro não resolve. Os povos merecem respeito e os políticos deviam sabê-lo.
Este é um episódio verídico, que possivelmente se repete por todos os cantos dessa maravilhosa Europa da mobilidade. Pela primeira vez um jovem europeu sente na pele o estigma da acusação, da humilhação e da vergonha de ser tratado sem respeito nem dignidade. Cada país apressa-se a vir ao palco dizer que não é como a Grécia, Deus nos livre, pois não, uma espécie de vírus vergonhoso e contagioso, ligam a televisão e assistem à revolta, à violência e às multidões e assustados dizem “nós não somos assim, nós não somos assim”. Talvez resultasse melhor se dissessem que todos tiveram culpa, que a Grécia somos todos nós quando ignorámos os sinais, quando se estimulou o recurso ao crédito, quando se fizeram manobras financeiras visionárias, quando se aceitaram défices errados, estatísticas políticas, promessas impossíveis. Viram e calaram? Tiveram culpa. Não viram e confiaram? Tiveram culpa. Acabada a festa, é preciso apanhar as canas e reconhecer que, em maior ou menor grau, somos todos gregos. Por este caminho, a crise financeira vai deixar feridas bem profundas, ódios e ressentimentos que o dinheiro não resolve. Os povos merecem respeito e os políticos deviam sabê-lo.
zé sapatilhas lembra-me a gravura de Andreas Vesalius denominada
ResponderEliminar'esqueleto pensador'
Há aí muita verdade, cara Suzana. Até há pouco tempo, os Bancos não punham qualquer reserva a emprestar dinheiro aos gregos...
ResponderEliminarA resposta à crise internacional consistiu, desde finais de 2008, na transformação de dívida privada em dívida pública.
ResponderEliminarEste processo tem óbvios limites. Só poderia resultar se o sector privado retomasse rapidamente uma trajectória de crescimento, o que não aconteceu.
O tempo decorrido desde Agosto de 2007 desfez as esperanças de contínuo e crescente endividamento dos devedores. A fase em que agora entrámos convencerá os credores de que se enganaram ao pensar que poderiam recuperar com juros tudo o que emprestaram.
O socorro da União Europeia à Grécia foi na verdade um socorro aos bancos alemães, franceses e ingleses que corriam o risco de sofrer perdas colossais. Gasta toda a pólvora numa única salva, é normal que os investidores se interroguem: e se for preciso dinheiro para ajudar a Espanha, donde virá ele? A resposta curta e grossa é: não virá.
Contudo, face à urgência da actual crise, vale a pena pensar o que ainda há pouco tempo parecia impossível, mesmo no plano da teoria económica: Porque não pôr o BCE a comprar os títulos de dívida pública? Este mecanismo, proibido estatutariamente, traduz-se na simples emissão monetária, tendo como contrapartida os títulos emitidos pelos Estados que pagariam a taxa de juro definida pela autoridade monetária. Em suma, não seria mais do que dar aos Estados o bem sucedido tratamento providenciado aos bancos comerciais aquando da crise de 2007-09. Estaríamos só a eliminar os intermediários do actual financiamento dos Estados, os bancos comerciais, que agora se financiam junto do BCE quase gratuitamente.
Não sei, caro Weggie, a sensação é a de que um mundo onde se controla tudo, está desgovernado.
ResponderEliminarÉ o deus Mercado, cara Suzana, a quem tanta gente presta culto....
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