domingo, 6 de junho de 2010

Constitucionalizar o défice adiantaria alguma coisa?

1.Depois de sugerida pelo Ministro dos Negócios Externos (entretanto desmentido pelo PM), vários ilustres pensadores têm vindo a emitir a sua opinião sobre as vantagens ou desvantagens da inserção, no texto constitucional, de um limite ao défice orçamental.
2.Note-se, em desabono da ideia, que em Portugal, quando não se quer ou não se sabe resolver um problema, é hábito criar mais uma lei para tranquilizar as consciências…
3.Outra dificuldade de tomo: depois da intervenção do MOF na sessão parlamentar da última 4ª Feira, “borrifando-se” positivamente para a Constituição da República – com o silêncio cúmplice dos habituais zelosos defensores – a dignidade constitucional de tal limite poderia acrescentar muito pouco…
4.Na verdade, se a “subtil” arengada que o referido governante utilizou para justificar o desrespeito do texto constitucional passou incólume, perante os olhos esbugalhados dos analistas de serviço, é legítimo perguntar o que é que adiantará inserir na dita Lei mais um limite ao défice…
5.Tendo em conta estas dificuldades, susceptíveis de matar liminarmente o interesse do tema, resta-nos aborda-lo na perspectiva estóica do cidadão esmagado pelo Estado -neste momento, lamentavelmente, a condição da generalidade dos portugueses – que busca uma tábua de salvação para a desgraça que lhe está reservada.
6.Caberá indagar, “prima facie”, se adiantará alguma coisa limitar o défice na Constituição…
7.Como se mediria esse défice – devem, para além das Administrações Públicas, entrar os défices das empresas, institutos, fundações e outras criações destinadas a retirar despesa do perímetro orçamental, como tem sucedido em grande escala nos últimos anos?
8.Sem isso, o défice é uma grandeza pouco significativa, que não esclarece a real situação das finanças públicas e, menos ainda, serve para avaliar o impacto económico do nível asfixiante de despesa pública…
9.Muito dificilmente haveria vontade política dos responsáveis do regime para definir um perímetro tão exigente do défice orçamental…
10.Mas admitindo, heroicamente, que era possível resolver a questão anterior, importa indagar quais as soluções a adoptar caso o limite constitucional fosse ultrapassado.
11.O que fazer, em tal hipótese:
- Alterava-se o preceito constitucional para acomodar o novo valor do défice e para que todos continuassem felizes?
- Aplicavam-se sanções duríssimas, atribuindo aos responsáveis cargos bem remunerados em organismos internacionais?
- Adoptar-se-ia uma solução menos drástica do que qualquer das anteriores?
12.Como já se terá percebido, limitar o défice em preceito constitucional pouco ou nada adiantaria: seria mais um preceito legal para desrespeitar na próxima aflição das finanças públicas portuguesas, sem qq consequências sérias…
13.Poderia talvez pensar-se em limitar a dívida pública em vez do défice: com efeito, a dívida constitui hoje um instrumento de medida do estado das finanças públicas muitíssimo mais fiável que o défice.
14.Mas a limitação da dívida colocaria tb problemas conceituais: pouco serviria limitar apenas a dívida directa do Estado…seria necessário, para além das Administrações Públicas, incluir as dívidas dos Institutos e Fundações Públicas, das Regiões Autónomas, dos Municípios, das empresas públicas ou com participação maioritária do Estado, das empresas regionais, das empresas municipais…
15.Se tudo isso fosse incluído, a percepção do monstro que resultou da formidável capacidade de endividamento da 3ª República poderia levar-nos a fugir em pânico, não voltando tão cedo ao País…pelo menos enquanto a 4ª República não fosse proclamada…
16.Será mesmo melhor deixar as coisas como estão, não mexer na Constituição, vamos vivendo mais uns meses neste doce engano…

8 comentários:

  1. Caro Tavares Moreira:
    De qualquer forma, mesmo com todas as reticências do meu amigo, seria um travão. Claro que teria que se definir previamente o perímetro do défice ou a dívida. Porventura seria essa a grande dificuldade.
    Mas tudo o que seja restringir o despesa, o défice ou o endividamento, por meios legais, constitucionais ou à pedrada É BOM.

    Mas isso só não chega. Outra limitação constitucional deveria ser à carga fiscal. É a carga fiscal que tem incidência sobre os agentes económicos, particulares ou empresas. Limitado o endividamento e limitada a carga fiscal, a despesa teria que autoconter-se nesses limites.
    Com sanções, se tais limites fossem excedidos sem aprovação com maioria de dois terços do Parlamento.
    Tenho dito e penso eu de que...

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  2. Caro dr. Tavares Moreira,

    Depois da extraordinária declaração do Ministro das Finanças em que este se arroga o poder de derrogar preceitos constitucionais, a bem de fins "mais absolutos", é perfeitamente compreensível o seu cepticismo.

    De qualquer modo, julgo relevante o princípio - até pelos efeitos pedagógicos junto dos cidadãos - da observância do princípio do orçamento equilibrado.

    E se é certo que, mais do que o défice público, é a evolução da dívida pública que constitui a variável mais relevante a vigiar (veja-se a evolução do défice da AP Central e da dívida pública de Janeiro a Abril), também me parece relevante instituir, constitucionalmente, a proibição de todas as práticas de desorçamentação.

    Agora, não deixo de concordar consigo: do que precisamos primeiro é de uma nova República que, naturalmente, exigiria uma nova Constituição.

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  3. Reconfesso o meu cepticismo, caro Pinho Cardão...não obstante seu meritório empenho em encontrar meios - todos os meios - para travar a insanidade que continua a reinar na gestão das finanças públicas.
    Com o absoluto desrespeito das normas constitucionais a que acabamos de assistir - perante a passividade e o conformismo gerais - que adianta barrar constitucionalmente o défice ou a carga fiscal?
    Neste ambiente de verdadeiro "far-west" fiscal que estamos a testemunhar, as leis são as primeiras vítimas da insanidade...e arrastam atrás de si a desventura dos cidadãos indefesos e humilhados - E esta, hein?

    Caro Eduardo F.

    Ora aí está, uma 4ª República é exactamente o que necessitamos...antecedida de um trabalho que talvez só a Bayer será capaz de fazer - uma desratização radical do ambiente político!

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  4. Anónimo09:22

    Estou de acordo com o meu Amigo quanto às dificuldades de contemplar na Constituição um limite ao déficite do Estado. Aliás, leis com as características das Constituições acomodam mal normas que visem impor respeito por limites quantificados, mesmo que esses limites se expressem na lei ordinária tendo em atenção opções de política económica ditadas pela conjuntura ou pela necessidade de correcções estruturais, o que pressupõe alguma liberdade concedida ao legislador.

    Já não me parece que se levantem as mesmas objecções à introdução de normas que tragam certeza e disciplina às finanças públicas. Aliás, o nosso direito financeiro constitucional é pouco desenvolvido na própria lei fundamental.
    Princípios e regras que delimitem o perímetro orçamental; que proscrevam a desorçamentação da despesa materialmente pública; que reforcem o controlo orçamental; que tornem obrigatória a revisão orçamental verificados determinados pressupostos ..., deveriam caber na Lei Fundamental e servir de limites á imensa discricionariedade legislativa de que os governos beneficiam nesta matéria.

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  5. Caro Tavares Moreira

    Apenas umas achegas ao tema:

    a) É Necessário consagrar na Constituição para ser cumprida a norma? No anterior regime não o era e, curiosamente, existiu equilíbrio.
    b) Pelo facto de estar inscrita na Constituição torna-a mais efectiva e eficaz? Não. A regionalização está consagrada há quase 35 anos e ainda não está sequer implementada.
    c)Para além das questões, essenciais, que coloca relativas à definição de défice, ainda se podem colocar as seguintes:
    1. Quem terá competência para determinar o défice?
    2.Quem terá competência para o declarar/proclamar?
    3. Quem terá poderes para julgar da inconstitucionalidade?
    4. Quem terá poderes para promover o processo junto da entidade competente para avaliar da constitucionalidade?
    5. Quais as consequências práticas, no plano administrativo de uma declaração de inconstitucionalidade?
    6. Podem, quaisquer das decisões supra, serem objecto de contestação? Como? Em que circunstâncias, condições e pressupostos?
    d) Por isso, uma das questões seria: qual o grau de eficácia da aplicação de uma norma, como a proposta, poderia ter no ordenamento jurídico?
    e) Será a consagração constitucional desse normativo o modo mais adequado para se concretizar os objectivos propostos?
    f) Até que ponto, uma norma como a proposta não poderia ser, inconstitucional, dado que poderá limitar a soberania nacional ou, mesmo, a sua aplicação, fazer perigar a estabilidade do estado de direito?
    g)Por último e não menos importante, quanto pode "custar" uma norma como essa?
    Como vê, e como muito bem apontou, a proposta apenas "prima facie" parece interessante: porque a sua concretização pode trazer mais problemas do que soluções
    Cumprimentos
    joão

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  6. Caro Tavares Moreira,

    Carregar a constituição com mais coisas para não serem respeitadas só vai trazer o incómodo de largar mais tinta no rabo dos nossos políticos quando a usam.

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  7. Anónimo12:51

    Caro Tavares Moreira, relacionado com o seu ponto 14º, passaram-me há dias um link, que deixo aqui:

    http://dn.sapo.pt/inicio/economia/interior.aspx?content_id=1586125

    Se bem percebi a notícia, isto significa que o governo poderá conceder avales às empresas públicas com um limite de 32 mil milhões de euros durante o ano de 2010. Ora, essas empresas - e as que conheço melhor são as do sector dos transportes mas suponho não errar fazendo a analogia com as outras - não podem de maneira nenhuma atender o serviço da dívida que já têem quanto mais continuarem e endividar-se. Embora se não se endividarem, e como o Estado não lhes dá dinheiro, têm que suspender a sua actividade.

    Quem irá pagar isto tudo? Até onde podem as empresas públicas permanecer neste ciclo de contrair dívidas para consolidar empréstimos anteriores e mais um bocado para sobreviverem mais uns meses, a seguir outro empréstimo para pagar a dívida anterior e mais um bocado para continuar a viver? Por outro lado, o que acontece se de hoje para amanhã a CP ou a REFER, um belo dia, disserem "oops, lamento, não lhe posso pagar, senhor banco credor"? Toda esta história de compromissos assumidos para o futuro sem ninguém saber como se paga o quê faz-me muita confusão...

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  8. Caro Ferreira de Almeida,

    Pelo menos estamos de acordo em parte, o que já não é mau...
    Quanto à sua sugestão de inscrever na lei fundamental normas disciplinadoras da actividade financeira do Estado, impedindo escapatórias e desorçamentações, ela esbarrará, por certo, no horror que os políticos do regime nutrem por esse tipo de disciplina que lhes estraga os planos de trabalho...

    Caro João,

    Excelentes os seus apontamentos sobre este tema.
    Eu não quero chegar ao ponto de dizer que a regulação destas matérias em sede constitucional traga mais inconvenientes que vantagens...
    O que me parece é que não traz qq vantagem perceptível, tendo o inconveniente de ser mais uma fonte de ilusões!

    Caro Tonibler,

    Ora aí está aquilo a que se pode chamar um comentário de forte inspiração e intensidade neo-realista!

    Caro Zuricher,

    O número que cita também o ouvi - a ser verdade significaria que as empresas públicas deficitárias, cada vez mais deficitárias mas continuando a viver com uma sólida abundância de meios, vão devorar recursos em 2010a um ritmo nunca visto...
    Pareceu-me que alguém terá dito que nesse limite estariam incluídas as garantias para o Fundo Europeu de Apoio às Vítimas dos Especuladores e das Agências de Rating (FEAVEAR)...
    Aguardemos o competente esclarecimento...

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