domingo, 24 de outubro de 2010

“Sem culpa”

A vida atulha-nos de acontecimentos como se fossemos um aterro a céu aberto. Outras vezes delicia-se a fabricar circunstâncias só para não termos acesso a um pouco de tranquilidade e à beleza de um parque agradável. E já nem falo do éden. É preciso apanhá-la distraída para podermos entrar, mas acaba por durar pouco; os “securitas”, uma versão mais prosaica de uma qualquer ordem a imitar a divina, prontificam-se a convidar à saída. Xô, xô, fora daqui! Enxotados que nem uns cães, vamos tentando viver com mais ou menos tranquilidade, sempre sobressaltados com o que o vai acontecer no dia seguinte.
As causas dos infortúnios são variadas, umas vezes é a dita natureza, devido à sua “natureza” probabilística, cega, surda, muda e indiferente às pretensões humanas, e outras, talvez as mais comuns, são da responsabilidade humana. Neste último caso, deparo-me com um fenómeno universal, constante e difícil de eliminar ou de controlar, a falta de caráter de muitos seres humanos. É incrível que, ao longo do tempo, não tenhamos conseguido grandes conquistas nesta área. Nem o aparecimento de novas religiões, nem a evolução do direito, nem a generalização do acesso à educação, conseguiram travar um fenómeno que tem causado muito sofrimento nas vítimas. Um horror. Provavelmente, e de acordo com as evidências científicas, a razão assenta no funcionamento do cérebro. Em termos práticos, certos comportamentos psicopatas têm explicações na forma como o cérebro trabalha, ao ponto de algumas pessoas não serem condenadas, porque são “assim mesmo”. Mas não é preciso chegar a casos extremos, também os casos minor, os mais comuns, podem ser explicados de acordo com a estrutura e funcionamento cerebral. Vigaristas, ladrões, corruptos e quejandos poderão, um dia destes, justificar os seus atos graças ao funcionamento dos seus cérebros, logo não têm culpa. E se sentirem culpa, o que duvido, também não deixarão de encontrar justificações produzidas pelos seus cérebros “doentios”. Uma maravilha quantificável e suscetível de ser visualizada com as novas técnicas.
Na prática, as consequências da falta de caráter podem ser dramáticas, ao ponto de provocarem o suicídio da vítima. A leitura de um relato sobre um homem de 38 anos, que se suicidou como forma de reagir à sentença de violação de um sobrinho aos três anos de idade, causou-me mal-estar.
"Sem culpa", a obra escrita pelo suicida, é uma história que exige atenção e uma profunda reflexão. Após a leitura da notícia acabei por ler o pequeno livro. A notícia do jornal comporta novos dados, muito importantes, a favor da inocência da vítima e da falta de caráter de alguns intervenientes.
Quando alguém opta pelo suicídio para provar a sua inocência, qual deveria ser a resposta da sociedade? Culpada! Eu ainda não ouvi, e tenho dúvidas de que algum dia possa assistir a algo de semelhante.
No bilhete do suicídio, o autor remete para o livro as suas razões. Mas há no contrato com a morte um pormenor que merece ser realçado: “Prefiro morrer livre no vosso país a viver no meu, Portugal. O meu último desejo é ser enterrado nos EUA. Por favor, make it happen”.

4 comentários:

  1. Caro Professor Massano Cardoso
    Também li a notícia, o livro não. Pensei como a vida pode ser injusta e como pode haver gente tão mal formada. E pensei, como pode a sociedade impedir casos como este?
    Infelizmente da maldade nunca nos iremos corrigir. Haverá sempre quem esteja disposto, seja a que custo for, a não olhar a meios para atingir os seus interesses, nem que para isso seja necessário matar, roubar, incriminar, etc.
    Nem a justiça, por mais perfeita que seja, deixará também de cometer injustiças.

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  2. Caro Professor Massano Cardoso
    Também li a notícia. É aterrador e o processo que conduziu à condenação por abuso sexual do menor em questão correu em Portugal! Ao que tudo indica, tratou-se de mais um grave erro judiciário, neste caso com consequências fatais! A prova resumiu-se às declarações do menor (pela nova legislação - CPP de 1988 - as antigas declarações das suposta vítimas converteram-se em depoimentos e os seus autores, testemunhas!). Para mais, este caso ocorreu após o início do chamado Processo Casa Pia. Uma corrente mediaática do mais puro populismo varreu Portugal de norte a sul. Era preciso apresentar resultados e esses estão à vista: A morte de um inocente! Passamos por isto e não meditamos no que está por detrás! Depois de me dar ao trabalho de ler o extensíssimo acórdão do Colectivo que julgou e condenou os arguidos do processo Casa Pia, concluo quanto é fácil qualquer de nós ser julgado e condenado SEM PROVAS. Eu não quero aqui passar certificados de inocência ou de culpabilidade a tais arguidos. Interessam-me é saber se tais arguidos foram condenados com provas. E estas não as vi! O que vi foi uma sentença execrável, cheia de contradições e de pré juizos! Este e outros processos do mesmo tipo são característicos da nossa época. Exalta-se como coisa perfeitamente normal a homossexualidade e , num ímpeto para a frente, legalizam-se os casamentos entre pessoas do mesmo género! Do mesmo passo, os homossexuais são perseguidos criminalmente como nunca o haviam sido! Dir-me-ão: uma coisa é a homossexualidade outra coisa é o abuso dos homossexuais sobre menores! É verdade, são coisas distintas. Mas do que tratou o processo Casa Pia, à excepção do presuntivo culpado Carlos Silvino, que terá violado em série menores à sua guarda, ainda em idade impúbere, foi de condenar presuntivos homossexuais por abusos em menores e adolescentes PÚBERES, instalados na senda do crime. Tais menores PÚBERES começaram por ser vítimas dos mais cruéis abusos. Depois, tornaram-se em algozes de outros menores indefesos e deram em PROSTITUTOS!
    Sem a menor das provas, sem um mínimo de consistência, foram condenados, pelo menos, alguns dos arguidos. O Embaixador Jorge Ritto assumiu perante o tribunal a sua homossexualidade; mais, assumiu a sua impotência desde 1967. Pode este homem ter violado alguém? Decerto que teve contactos com menores prostitutos. Mas violá-los?
    É uma perversão: considerar normal a homossexualidade e, depois, perseguir criminalmente os que assumem tal estado. As mesmas vítimas foram condenadas por roubo e extorsão a homossesexuais em outros processos! Estas nuances permitem condenar um homossexual, servindo de vítima o PROSTITUTO, o qual por sua vez, pode ser condenado por roubo e extorsão a outros homossexuais que, por fás ou por nefas, não interessará perseguir.
    É aterrador, Professor Massano Cardoso e fez muito bem colocar o seu post! Isto deve-nos fazer pensar! Vivemos num país muito perigoso e cheio de armadilhas...

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  3. Anónimo15:59

    Caro Professor, conhecia há muitos anos o visado por essa reportagem do Expresso e que, por fim, se suicidou em San Francisco com expresso pedido para não ser enterrado em Portugal. Há vários anos que tenho identico pedido no meu testamento. Sou relativamente novo mas para morrer a única condição é estar vivo daqui que não custe nada acautelar o futuro. Todo o caso, a historia, a envolvente, são do mais nojento que pode imaginar-se.

    Há muitos anos que não tenho qualquer confiança nas instituições Portuguesas e na Républica em geral. Aliás, a minha saída de Portugal deveu-se precisamente a essa total desesperança no país e no seu futuro e não teve os mais minimos fundamentos económicos dado que ganho o mesmo em Portugal, Espanha ou no Pólo Norte. Este caso consolidou precisamente a minha posição em relação às instituições da Républica e, o que é mais grave, no que toca à justiça, último garante dos cidadãos e das pessoas em geral. Se nem na justiça pode confiar-se e ter o credo de que, caso haja problemas, ela acode à sociedade, em que instituição podemos confiar? O colapso Português está em curso há muitos anos. A justiça Portuguesa colapsar e ter casos crassos destes (só por muito azar seria único) é uma machadada fortissima, não já na justiça mas sim na Républica e nas suas instituições. Vi e tive o previlégio de trabalhar com paises africanos (pelo menos 1) em que as instituições incutem maior confiança do que as instituições Portuguesas.

    Deus proteja quem se veja metido no emaranhado do sistema Português, seja a que nivel for. Porque, pelos vistos, só por sorte poderá ver justiça ser-lhe feita.

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  4. Fui ler o artigo do Expresso e os dados são difícieis de compreender, dizem que o miúdo tinha 3 (três) anos em 1998, data em que teria sido abusado e que foi com base no depoimento dele,em2006, anos mais tarde, que se formou a convicção dos juízes...Com três anos como é que uma criança pode interpretar o ambiente, fixar um casal que dormia no mesmo quarto, repetir tudo com detalhe? Parece-me impossível, mas até vem um extracto da análise de um psicólogo a dizer que talvez...!E esgotaram-se os recursos, envolveram-se magistrados no apoio ao suicida, tudo esbarrou na impossibilidade material de alterar a prova? Mas que história diabólica.

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