terça-feira, 16 de novembro de 2010

Dia mundial do não fumador

Colegas da Sociedade Portuguesa de Cardiologia pediram-me, há alguns dias, um pequeno texto, destinado ao público, relativamente ao "Dia mundial do não fumador". Aceitei o convite e escrevinhei algumas linhas, ideias e comentários.
Amanhã, dia 17 de novembro, comemora-se mais um dia na preservação da saúde do não-fumador. Por curiosidade fui ao portal da sociedade ver o artigo. Como o objetivo é a análise da problemática do tabagismo passo a transcrever na íntegra o mesmo.


"Não fumadores, fumadores e ex-fumadores...

Os comportamentos das pessoas e os ambientes em que vivem são determinantes para o bem-estar e saúde, mas podem ser, também, responsabilizados pelo sofrimento e doença.
Apesar do muito que se sabe – e não é de agora -, relativamente às consequências da exposição tabágica, que também ocorrem nos não fumadores expostos ao “fumo passivo” – cancro do pulmão e de outras localizações, enfarte do miocárdio, alterações graves da vascularização dos membros inferiores que podem terminar em amputações, patologias respiratórias responsáveis pela mais terrífica e diabólica forma de morrer, asfixia lenta -, muitas pessoas continuam a praticar esse hábito.
Os seres humanos são dotados de características próprias que os distinguem de outras espécies. Partilham comportamentos idênticos, por exemplo, comer, sem o qual não podem sobreviver. Mas a par dos “alimentos para o corpo”, o homem inventou, descobriu e desenvolveu outros tipos de alimentos, eufemisticamente designados “alimentos do espírito”. Como é a única espécie pensante, ou melhor, a única que tem consciência da sua existência e do advir, acabou por encontrar algo capaz de lhe provocar alterações no seu cérebro, através de vários mecanismos, entre os quais se destaca a procura do prazer. Nada a opor à procura de sensações que proporcionem bem-estar e prazer, o pior é quando esses hábitos, mecanismos ou atitudes acabam por provocar alterações da saúde.
A liberdade é um direito inalienável à condição humana, mesmo quando o seu uso esteja na base de prejuízos graves para a saúde do indivíduo. Deste modo, qualquer ser humano deve desfrutá-la, mas tem de ter a noção, e assumir a responsabilidade, de que alguns dos seus hábitos podem provocar-lhe a doença e levá-lo à morte precoce.
Quantas pessoas morreram no século XX devido ao tabaco? Cem milhões! E quantas irão morrer no decurso do atual século? Mil milhões! Um paradoxo próprio da conduta e interesses humanos. Sabem cada vez mais sobre tudo e sobre nada, mas não conseguem, à escala planetária, reduzir ou travar certos fenómenos, como é o caso do tabagismo.
O que se está a observar neste momento é uma dualidade de comportamentos e atitudes entre os dois mundos em que vivemos. No civilizado, ou dito como tal, diminui o número de fumadores, enquanto no mundo subdesenvolvido aumenta o efetivo de consumidores. Como nos povos subdesenvolvidos a população é substancialmente numerosa, face ao primeiro mundo, e bastante vulnerável face aos interesses económicos, aliados à falta adequada de informação, logo, podemos explicar a tendência para a decuplicação da mortalidade que irá decorrer ao longo do século XXI devido ao tabaco.
Nos povos mais desenvolvidos, a consciência dos cidadãos e a implementação de medidas legislativas foram determinantes para a redução deste fenómeno, tabagismo ativo e passivo. É a altura ideal para provar os efeitos das medidas de cariz legislativo. Tudo aponta, com base nalguns estudos, caso da vizinha Espanha, que as leis antitabágicas já começaram a dar um contributo significativo em número de vidas salvas e na redução de patologias associadas com o tabaco. Afinal, os detratores da legislação antitabágica, que em Portugal tiveram algumas atitudes lamentáveis, chegando ao ponto de utilizarem expressões ofensivas ao conotá-la com o espírito nazi, como um atentado à liberdade, uma expressão de “talibãs da saúde”, não têm razão nenhuma na sua “cruzada” pró tabaquito. A legislação não tem como objetivo impedir a liberdade e as opções individuais. Não, a legislação, neste caso concreto, tem como objetivo defender os que não fumam, a sua saúde e bem-estar. E estamos a conseguir.
Precisamos de “alimentos para o corpo”, devemos escolher os melhores “alimentos para o espírito” (há-os com fartura, sem prejuízos e até com benefícios) e devemos optar pelos melhores “alimentos para a sociedade”, neste caso medidas legislativas capazes de contribuírem de forma inequívoca para a saúde e a riqueza da nossa sociedade, que tão bem precisa.
Uma saudação a todos os que não fumam, aos que já deixaram de fumar e aos fumadores, porque todos têm os seus direitos e responsabilidades. Importa, pois, que cada “grupo” saiba representar com elevado sentido cívico o seu papel na sociedade, não caindo em fundamentalismos nem em falsos moralismos, mas respeitando sempre a saúde do próximo e, se possível, caso assim o entenda, também a sua...
Salvador Massano Cardoso
Professor Catedrático de Epidemiologia e Medicina Preventiva
(ex-fumador há 27 anos)"

11 comentários:

  1. Com o devido respeito, Senhor Professor, o viciozinho está escondido, mas a saudade...

    ResponderEliminar
  2. Altitude

    Um fumador é como um alcoólico. Pode não fumar, pode não beber, mas não deixa de ser um "fumador" ou um "bebedor". E não me importo de declarar que, mesmo hoje, passados tantos anos, ainda tenho - agora menos vezes -, sonhos em que fumo com um prazer dos diabos!

    ResponderEliminar
  3. É quase jazz para os meus ouvidos, sabendo eu que ainda guarda o seu último maço de cigarros!

    ResponderEliminar
  4. Não é por nada mas esses 20 milhões que morreram no século passado mais estes mil milhões que vão morrer no corrente agravariam por demais, caso não fumassem, o problema da sobrepopulação. Isto se fossem eternos. Como suspeito que quem não morre do fumo morre doutra coisa qualquer, fumar pelo menos não cria o problema desses depósitos de velhos cheios de doenças senis, de todos esquecidos e esquecidos, muitas vezes, deles próprios. Por mim, ficaria grato se a Medicina tratasse de encontrar curas para as doenças que os vícios originam e se abstivesse de regular a vida das pessoas - isso é mais da competência das Igrejas.

    ResponderEliminar
  5. Agravariam o problema de superpopulação?!! - Como?
    Tabaco como medida eugénica?!! – Onde já se viu?
    Medicina a regular a vida das pessoas?!! – Credo! A medicina constitui ou deveria constituir o baluarte contra qualquer tipo de discriminação, nomeadamente no acesso e prestação dos cuidados.
    Leia melhor e reflita, porque vai encontrar as respostas...
    E quem quiser fumar, que fume, desde que não imponha a sua “moralidade” aos outros...

    ResponderEliminar
  6. Fumar é um problema socialmente aceite, esse facto é positivo, porque temos maneiras pensadas e estudadas para ajudar e acompanhar os fumadores... é negativo porque muito mais facilmente nos vimos com esse tipo de problemas em mão. reflectindo... Somos um país com uma boa variedade de vícios socialmente aceites, isso acaba por traçar um risco na personalidade nas pessoas em comum, são todas estas pequenas coisas somadas que acabam por nos definir culturalmente enquanto povo...Não sei que valor de juízo posso dar a estas enações, mas fica aqui o meu contributo para este post.

    ResponderEliminar
  7. 5 anos no próximo dia 30...

    Confesso que falhei na minha intenção de não me tornar um anti-tabagista fanático, fascista e militante (tudo sinónimos, mas pronto...). Não tenho pachorra, não tenho que ser solidário socialmente com o pessoal que fuma quando eu vou a correr. Não são dos meus, já me faz confusão entrevistar alguém para um emprego que cheire a tabaco e encaro as pessoas com o mesmo desprezo com que encaro os gajos que dão golpes no trânsito ou levam cães para a praia. Não me sinto bem a pagar impostos para esta gente, eles que fumem 40 maços em 10 minutos.

    é assim que me sinto agora e imagino como as pessoas que viviam à minha volta se sentiam, uma vez que de todos os fumadores que conheci eu fui, de longe, o maior de todos.

    ResponderEliminar
  8. Não preciso, creio, de ler melhor, e o dedo espetado que as interjeições sublinham não me deixa pávido. O Senhor Professor é que precisa, aparentemente, de ler, não digo melhor, mas mais devagar: poupava-se objurgatórias escusadas. Quanto a impôr a minha moralidade, há leis que me impedem de fumar feitas por não-fumadores; não há leis a obrigar que se fume feitas por fumadores.

    ResponderEliminar
  9. quase 4 anos! Não consigo compreender como é que andava a fumar dois maços daquela coisa nojenta...

    E sim, também eu me transformei num fascizóide anti-tabagista.

    ResponderEliminar
  10. É muito difícil não nos tornarmos anti-tabagistas, pois ficamos muito mais sensíveis ao fumo. Os maus amigos já me gozam, pois há dias na rua cheirou-me a tabaco e estavam a fumar no 3º andar... estou mesmo intolerante... e já lá vão 10 anos....

    Tenho um grupinho que aproveito para promover:

    http://www.facebook.com/profile.php?id=1283847206#!/group.php?gid=116805164996295

    Bem hajam,

    Tiago

    ResponderEliminar
  11. Deixe-me reforçar, caro Tiago, que a intenção é ficar "fascizóide anti-tabagista". Esse sim é o auge de qualquer ex-fumador.

    ResponderEliminar