Ouço rádio apenas quando conduzo, mas como ando a conduzir demais estou a começar a conhecer determinados programas. Gosto. Muitos são interessantes, ricos, provocadores e indutores de ideias. Aprecio sobretudo os últimos, os que conseguem induzir novas ideias. São autênticos rastilhos que chegam a provocar explosões de saudade, de preocupação, de esperança, de raiva, de ternura, enfim, tocam nas teclas do piano das emoções. Uma a uma, como as crianças que iniciam a aprendizagem ou como um compositor que, ao procurar uma nova harmonia, sente, subitamente, inspiração para uma nova criação. Não sei se é esse o processo subjacente. Mas se não é, imagino-o como tal e daí não vem mal ao mundo. O que interessa é criar.
Desta feita não consigo enquadrar o autor, nem o programa. Retive apenas a sua mensagem: “Hoje em dia, graças à internet, blogues, redes sociais e quejandos, muita gente passou a escrever como se tivesse alguma coisa para dizer, mas não encontro, pelo menos aparentemente, criativos ou génios da arte de escrever.” As palavras não foram textualmente estas, mas o sentido foi. Vislumbrei no autor um sentido crítico, quase que diria de menosprezo, ou seja, parece que toda a gente despertou para a escrita mas de qualidade duvidosa. Não gostei desta abordagem. Não é que me sentisse atingido. No meu caso escrevo porque gosto, porque sempre desejei e não sabia! Não escrevo para obter fama ou proveito. Não. Apenas para transmitir o que sinto e ter algum reconhecimento, claro. Quem é que não procura alguma forma de reconhecimento? Mesmo que escreva para si próprio, o autor acabará mais tarde ou mais cedo por abrir as páginas a alguém.
Todos devem escrever, mesmo os que tenham alguma dificuldade, sem preconceitos e sem receios. A palavra escrita prende-nos à vida, dá sentido à existência, ajuda-nos a saber quem somos, permite mudar o mundo, basta que para o efeito tenha apenas um leitor, o próprio. O leitor solitário ou o grupo restrito dos que privam com o criador acabarão, inexoravelmente, por modificar o pensamento. Será que todos dão conta deste fenómeno? E se todos passassem a escrever? Teríamos uma inundação de palavras, como se fosse o degelo de pensamentos e ideias armazenadas nas profundezas da alma humana. Consequências? Ondas gigantescas a precederem o aparecimento de uma nova ordem social, de uma civilização mais rica e solidária. É bom que se aproveite as novas tecnologias.
Recordo, a propósito de pessoas que escrevem mal, sem qualquer respeito pelas mais básicas regras gramaticais, um cronista que deverá ter aprendido os rudimentos da escrita fora da escola. Escrevia num semanário regional. Era sacristão de um pequeno povoado pertencente a uma freguesia perdida do interior. Simples, direto, contador de histórias e de inúmeros eventos, tais como: nascimentos, aniversários, casamentos, batizados, funerais, festas, férias de emigrantes, doentes e sua evolução clínica, sempre através de uma linguagem capaz de provocar gargalhadas ao mais sisudo dos sisudos. Mas ao lê-las ou relê-las com um pouco de atenção, nota-se a voz da natureza, dura, crítica, solidária, respeitadora, transparecendo o desejo de fazer bem e, até, de antecipar o julgamento final, sempre que os acontecimentos assim o exigissem, sem temor do verdadeiro dia, porque na altura não lhe faltarão argumentos lógicos para debater com o criador. Escrevia como falava, ou pior. Conseguia ouvir a sua voz, mesmo sem nunca ter ouvido qual seria o timbre e a forma das entoações. Imaginava-o a franzir o sobrolho, deliciava-me com o sorriso, malandro, irónico ou cínico, perscrutava-lhe a fácies escavada de profundas rugas, encimada por um olhar terno, e por vezes acutilante de águia, a quem a natureza terá, ao longo do tempo, opacificado de branca tristeza. Quem o lesse, lá na terriola, já deveria saber, por certo, as histórias e os acontecimentos, mas saboreá-los através das palavras impressas era uma forma única e diferente de rememorar certas vivências. De facto, os leitores do povoado, pouco mais de meia centena, ao verem os acontecimentos do dia-a-dia desenhados pela junção das letras, e alinhavadas através de frases desorganizadas, passavam a ser pessoas muito importantes. Tinham razão. Está escrito! E o que fica escrito não se pode apagar. Em qualquer altura, alguém, um ou milhares de pessoas podem saber o que aconteceu. E quando se passa a saber o que aconteceu, o que é que acontece? Passamos a ser diferentes!
Desta feita não consigo enquadrar o autor, nem o programa. Retive apenas a sua mensagem: “Hoje em dia, graças à internet, blogues, redes sociais e quejandos, muita gente passou a escrever como se tivesse alguma coisa para dizer, mas não encontro, pelo menos aparentemente, criativos ou génios da arte de escrever.” As palavras não foram textualmente estas, mas o sentido foi. Vislumbrei no autor um sentido crítico, quase que diria de menosprezo, ou seja, parece que toda a gente despertou para a escrita mas de qualidade duvidosa. Não gostei desta abordagem. Não é que me sentisse atingido. No meu caso escrevo porque gosto, porque sempre desejei e não sabia! Não escrevo para obter fama ou proveito. Não. Apenas para transmitir o que sinto e ter algum reconhecimento, claro. Quem é que não procura alguma forma de reconhecimento? Mesmo que escreva para si próprio, o autor acabará mais tarde ou mais cedo por abrir as páginas a alguém.
Todos devem escrever, mesmo os que tenham alguma dificuldade, sem preconceitos e sem receios. A palavra escrita prende-nos à vida, dá sentido à existência, ajuda-nos a saber quem somos, permite mudar o mundo, basta que para o efeito tenha apenas um leitor, o próprio. O leitor solitário ou o grupo restrito dos que privam com o criador acabarão, inexoravelmente, por modificar o pensamento. Será que todos dão conta deste fenómeno? E se todos passassem a escrever? Teríamos uma inundação de palavras, como se fosse o degelo de pensamentos e ideias armazenadas nas profundezas da alma humana. Consequências? Ondas gigantescas a precederem o aparecimento de uma nova ordem social, de uma civilização mais rica e solidária. É bom que se aproveite as novas tecnologias.
Recordo, a propósito de pessoas que escrevem mal, sem qualquer respeito pelas mais básicas regras gramaticais, um cronista que deverá ter aprendido os rudimentos da escrita fora da escola. Escrevia num semanário regional. Era sacristão de um pequeno povoado pertencente a uma freguesia perdida do interior. Simples, direto, contador de histórias e de inúmeros eventos, tais como: nascimentos, aniversários, casamentos, batizados, funerais, festas, férias de emigrantes, doentes e sua evolução clínica, sempre através de uma linguagem capaz de provocar gargalhadas ao mais sisudo dos sisudos. Mas ao lê-las ou relê-las com um pouco de atenção, nota-se a voz da natureza, dura, crítica, solidária, respeitadora, transparecendo o desejo de fazer bem e, até, de antecipar o julgamento final, sempre que os acontecimentos assim o exigissem, sem temor do verdadeiro dia, porque na altura não lhe faltarão argumentos lógicos para debater com o criador. Escrevia como falava, ou pior. Conseguia ouvir a sua voz, mesmo sem nunca ter ouvido qual seria o timbre e a forma das entoações. Imaginava-o a franzir o sobrolho, deliciava-me com o sorriso, malandro, irónico ou cínico, perscrutava-lhe a fácies escavada de profundas rugas, encimada por um olhar terno, e por vezes acutilante de águia, a quem a natureza terá, ao longo do tempo, opacificado de branca tristeza. Quem o lesse, lá na terriola, já deveria saber, por certo, as histórias e os acontecimentos, mas saboreá-los através das palavras impressas era uma forma única e diferente de rememorar certas vivências. De facto, os leitores do povoado, pouco mais de meia centena, ao verem os acontecimentos do dia-a-dia desenhados pela junção das letras, e alinhavadas através de frases desorganizadas, passavam a ser pessoas muito importantes. Tinham razão. Está escrito! E o que fica escrito não se pode apagar. Em qualquer altura, alguém, um ou milhares de pessoas podem saber o que aconteceu. E quando se passa a saber o que aconteceu, o que é que acontece? Passamos a ser diferentes!
E o sacristão não se candidatou à Presidência?
ResponderEliminarQuando fui educado, lembro-me bem como me ensinaram a lutar por aquilo que queria e a compreender que nada caía do céu e tudo levava tempo.
ResponderEliminarOs pais treinavam os filhos a saber esperar, a saber persistir, a aguardar diligentemente a compensação do seu esforço.
Hoje, são poucos os pais que educam segundo este modelo. O critério do ter imprime um ritmo frenético à vida.
Antes, havia tempo para o ritual do tempo, a vontade era formada na resistência.
Hoje, o tempo tem o ritual de cada momento, a vontade é formada no frenesim de cada satisfação.
Antes, o tempo era uma escola, hoje é um embaraço. Antes, a disciplina interior sabia a libertação, pela firmeza que conferia à nossa atitude, hoje, a disciplina interior sabe a escravidão, pelo custo que confere a realização imediata daquilo que queremos.
Nos nossos dias, os pais desmesuram-se em ajudas aos filhos, em apoios, em cursos, em oportunidades, como antes não sucedia.
Mas negligenciam, nesta mímica social estranha de correr para todo o lado, os mais simples valores da correcta formação humana.
Quantos pais hoje falam aos filhos em disciplina? Quantos pais hoje ensinam os filhos a saber esperar?
Resmungamos generalizadamente que há um desencontro entre o que todos querem e o que é possível a todos dar.
Resmungamos, mas não vamos ao fundo da questão.
Como podem os pais de hoje transmitir aos filhos os valores mais preciosos, se eles próprios os abandonaram?
Como podem os pais educar os filhos a saber esperar, se eles próprios abraçaram a lógica imediatista da vida moderna?
Como podem os pais transmitir disciplina aos filhos, se eles próprios perderam os critérios em que a disciplina se funda?
A disciplina, no entanto, é a ferramenta decisiva da vida, como o saber esperar é a atitude própria das grandes realizações.
Como diz M. Scott Park, com alguma disciplina, resolvemos alguns problemas da vida, com total disciplina resolvemos todos os problemas da vida.
Na vida afectiva, não há grandes amores, nem grandes amizades sem disciplina.
Na vida em geral, em todos os aspectos da vida, não há destinos significativos à espera de quem não tem disciplina.
A disciplina olha os problemas de frente e resolve-os.
A disciplina cuida da força de vontade, dispõe-se ao essencial, sabe esperar.
A disciplina aceita a renúncia, o sacrifício, a abdicação — palavras hoje interditas.
A solução dos problemas de Portugal passa por aquilo que cada um de nós souber fazer a este respeito.
Reconheço aqui o Sacristão de Espinho (Mortágua)... Não estou enganado, pois não?!
ResponderEliminarUma bonita homenagem!
Parabéns!
Lino
ResponderEliminarSim. Reconhece muito bem o sacristão de Espinho (Mortágua), que não conheci pessoalmente, e que nunca se candidatou a Presidente da República(!), mas era homem para ensinar outros que bem necessitam.
19590821
É pena não saber o seu nome,olho para o número 19590821 e tento encontrar-lhe um significado. Parece-me ser uma data de nascimento, 21 de Agosto de 1959? Alguém que atingiu meio século? Só pode ser. As suas reflexões, interessantes e profundas merecem mais do que uma leitura. Pretendo fazer. Ao ler o seu estranho nome, 19590821, fez-me recordar um ensaio de George Steiner, “Da Casa dos Mortos”. Neste pequeno texto, Steiner diz que “os prisioneiros nunca eram tratados pelos seus nomes – tão-somente pelos números que usavam nas costas – porque chamar um homem pelo nome é honrar a natureza humana”. As pessoas devem deixar de usar os “nicknames” sejam eles números ou junção de letras; ao mostrarmos os nossos nomes estamos a honrar a natureza humana.
Caro PROF. Massano Cardoso:
ResponderEliminarPois, imagino bem o quanto os escritos do sacristão faziam crescer a importância daqueles que tinham o privilégio de ser mencionados na gazeta…
“(…)De facto, os leitores do povoado, pouco mais de meia centena, ao verem os acontecimentos do dia-a-dia desenhados pela junção das letras, e alinhavadas através de frases desorganizadas, passavam a ser pessoas muito importantes.(...)”
Este post é mais uma maravilha a transpirar simplicidade, humanismo, que nos obriga a pensar o quanto é gratificante para todos o facto de nos acharmos reconhecidos de alguma forma pelos outros…
Lembro-me de que quando comecei a trabalhar na ex. Caixa de Previdência, ali na av. EUA, comecei por ser ensinado a atender ao guichet. Ensinaram-me muita coisa mas a mais importante, que ainda hoje retenho, foi a de que deveria dizer sempre o nome da pessoa, em voz alta, que estava do outro lado. Diziam-me: -a coisa mais importante para alguém, e sobretudo para dar boas ou más notícias, é ouvirem o seu próprio nome em voz alta!...
Bem, naquela altura ainda se preocupavam com estas coisas, e hoje!? Bem, hoje não ouvimos o nosso nome em voz alta, mas temos o desprazer de o ver escrito na maioria das vezes em “gazetas” pouco agradáveis como aquelas notificações das finanças…
Eu sei um sábio...
ResponderEliminarO sábio que sei, escreveu um livro,(entre vários) composto por diferentes histórias reais, cada uma mais gostosa que a anterior.
Este sábio que sei, escreve muitíssimo bem e, chamo-lhe sábio porque reune diversas características imensamente valiosas, uma das quais, oferecer conhecimento a todos que o queiram aceitar.
Este livro, escrito por este sábio, tem o título "Raminho de alecrim", na contra capa, pode ler-se um pensamento do autor: «Diz o povo que cada um sabe de si e que Deus sabe de todos. Pode ser que seja, o que é certo é que eu também sei de alguns...»
E alguns, muitos, sabem d'ele também...
;)
Ao abrigo do anonimato – nas suas várias e criativas formas – e sentindo-se livres de não ter que observar o que é socialmente inaceitável, muitas pessoas (reitero: muitas, não todas) sentem-se desresponsabilizadas por aquilo que escrevem, dando, frequentemente, largas aos seus instintos menos simpáticos. É o que tenho observado através das minhas deambulações blogosféricas. As pessoas aproveitam estes espaços para se insultarem, para proferirem obscenidades, que muitos bloguistas deixam passar, para depreciar, para chamar a atenção em termos desdenhosos as falhas de estilo e gramaticais de alguns comentadores como se, até nestes espaços, o elitismo de escrita fosse uma obrigatoriedade.
ResponderEliminarHá muito que aprender em termos de tolerância, de aceitação da capacidade deficiente de algumas pessoas no que se refere à expressão escrita. A culpabilização dessas deficiências nem se podem atribuir totalmente a esses cidadãos... Aos que querem escrever, que pensam que têm algo de bom para dizer, deixemo-los (eu me incluo neste grupo dos “los”) escrever...mesmo que não sejam “criativos ou génios na arte de escrever.” Faz parte do processo de aprendizagem e quem sabe se daqui a uns anos teremos mais candidatos a prémios literários. : ) Compreendo que os que são considerados ou os que se consideram “autores” ou “escritores” - eles, os “escrevidores”, fazem uma diferença entre uns e outros - são muito ciosos do espaço literário que conseguiram conquistar no reduzido cantinho luso, mas é tempo de tornar esse cantinho mais abrangente e dar lugar aos potenciais génios...
Eu bem desconfiava!!!! : )
ResponderEliminarApós um ano de “ler” o caro Bartolomeu, (eu) já devia saber que ele não escreve à toa...
Estava lá em baixo na cozinha a tentar demonstrar os meus dotes culinários (ou falta deles...) e peguei num raminho de alecrim... Parei o que estava a fazer, subo a escadas de novo, sento-me em frente aqui do meu companheiro (o computador) e vou de imediato ao google. Voilá! Lá está o “Raminho de Alecrim!
Na primeira oportunidade vou adquiri-lo e sei que não vou ficar decepcionada!
Faça isso Catarina. Garanto-lhe que será uma decisão, de que não se arrependerá. O meu "raminho" chegou-me pela altura do Natal de 2009. Foi uma prenda inesquecível!
ResponderEliminarBartolomeu, acha que desejar ter um “Raminho” autografado será muita pretensão minha?!
ResponderEliminarCatarina, é uma aspiração muito justa, em meu entender.
ResponderEliminarE penso que o autor, não lha negará...
Catarina
ResponderEliminarNegar? Para mim seria um prazer oferecer-lhe um exemplar. Se tivesse os elementos necessários...
Basta dizer para onde.
scardoso@fmed.uc.pt
Caro Professor,
ResponderEliminarChegou hoje! : )))
Uma pérola que guardarei com muita estima e carinho.
Muito obrigada!