Foi um dia, e outro dia, e outro ainda.
Só isso: o céu azul, a sombra lisa,
O livro aberto.
E algumas palavras. Poucas,
Ditas como por acaso.
Eram contudo palavras de amor.
Não propriamente ditas,
Antes adivinhadas. Ou só pressentidas.
Como folhas verdes de passagem.
Um verde, digamos, brilhante,
De laranjeiras.
Foi como se de repente chovesse:
As folhas, quero dizer, as palavras
Brilharam. Não que fossem ditas,
Mas eram de amor, embora só adivinhadas.por isso brilhavam. Como folhas
Molhadas.
Eugénio de Andrade
Não quero que as palavras más invadam a minha vida. Não quero habituar-me a elas, não quero assistir indiferente, ou apenas incomodada, à violência dos que agridem com a dureza do que não deve ser dito, do que não há o direito de dizer, ou dos que simplesmente deixam de proferir a palavra certa, quando ela tem ali o seu lugar à espera, e esse lugar fica irremediavelmente vazio.
Pensei, em jeito de balanço deste ano que finda, nas inúmeras ocasiões em que tive a boa sorte de ouvir palavras amáveis, das vezes que atendi uma voz amiga, das outras tantas em que pude encontrar um lugar de amizade ou das mil uma formas por que se apresentam os laços de amor. Difícil eleger uma ocasião que simbolize todas elas, sou tão afortunada como isso, tenho por onde escolher. E quando revejo cada um desses momentos, por breve que fosse, faço deles um antídoto para as palavras más e os rancores que também todos encontramos no nosso caminho.
Mas vou escolher, apesar de tudo, um desses momentos. Um dia deste ano que agora acaba recebi um telefonema de uma pessoa que conheci há muitos anos e de cuja família fui muito próxima, mas que nunca mais encontrei pessoalmente depois das voltas imprevistas que a vida tantas vezes dá. Ao passar dos anos resistiram, porém, os cartões de boas festas, ou dos parabéns quando era um aniversário, ou a propósito dos momentos importantes, bons e maus, que marcam o nosso percurso e que só as amizades atentas e profundas sabem assinalar. Fiquei surpreendida quando me disse que me queria ver, pedia-me que lhe desse esse gosto, já tem idade avançada e queria encontrar-me ainda uma vez, antes da vida se acabar. Esperou-me com um ramo de flores e um pequeno presente e escondeu envergonhado a bengala que lhe permite ainda deslocar-se sem apoio, sabe, a velhice não perdoa, disse emocionado enquanto os seus olhos, já apertados entre um mar de rugas, procuravam ver em mim os traços da jovem que se tinha habituado a tratar como uma filha. Conversámos longamente, naquele desenrolar caótico de pequenos nadas porque não se sabe por onde começar, de repente como dizer o que foi importante, como contar as alegrias e tristezas, como preencher o tempo do tempo que voou? Por fim, sorriu largamente quando tirou na carteira uma fotografia amachucada onde estávamos todos na varanda da casa de família, a mulher, os filhos e eu, lembra-se?, filha, nesta altura ainda acreditávamos que viesse a entrar para a família, eu e a minha mulher falámos nisso até ela morrer, nunca nos esquecemos de si. E queria agora fazer-lhe uma pergunta, não me leve a mal, mas eu e ela pensámos nisso tantas vezes, não queria morrer sem lhe perguntar, a vida deu-lhe a felicidade que merece?
Espero e desejo que todos possam encontrar no balanço do ano que passa a marca de palavras amigas, de provas de afecto, de sinais de amor e ternura. E que elas se multipliquem sem cessar no ano que agora chega, afastando as palavras más e dando lugar às que, mesmo sendo poucas, valem por todas.
Um abraço amigo e um Ano Novo muito Feliz, como merecem.
Um abraço amigo, cara Susana. Feliz Ano Novo.: )
ResponderEliminarUma pergunta que vale uma vida, sabendo, apesar da idade, que a vida nem sempre rima com felicidade.
ResponderEliminarUm abraço.
Suzana
ResponderEliminarÉ uma linda história, a transbordar de ternura.
O que é realmente importante na vida são os afectos, que damos e que recebemos. E a saúde é, também, fundamental.
Por isso, o que lhe desejo com amizade, Suzana, é a continuação de uma Vida Feliz. Bom Ano Novo!
Para todos os "Quarta Republicanos", Comentadores, Leitores e Amigos desejo um Ano 2011 muito Feliz.
« ...como preencher o tempo do tempo que voou?»
ResponderEliminarCitando o Profº. Massano Cardoso, direi... o tempo... sempre o tempo, que não desiste, insiste em comandar as nossas decisões e as nossas dúvidas... e quanto a isto não bastam as ternas palavras do poema de Eugénio de Andrade «Mas eram de amor, embora só adivinhadas».
Ha relativamente pouco tempo, uma amiga que estimo, zangou-se e deixou de me falar, mesmo depois de tentar explicar-me e saber ao certo se teria entendido o sentido da quilo que lhe disse e deu origem à sua zanga. Respondeu-me que esperava de mim, palavras de apoio e não de crítica.
O caso, é que esta "minha" amiga, vive numa grande quinta não muito longe de Lisboa. Entre outros animais, tem na quinta e em liberdade dois cães da raça Serra D'Aires. Dois bisontes. Certo dia, a minha amiga disse-me que os cães conseguiram abrir um buraco na rede que cerca a quinta e andaram pela rua, assustando os vizinhos. A GNR, foi-lhe bater à porta e avisar que deveria manter os cães presos.
Então, muito indignada, a minha amiga contou-me o incidente, referindo que os cães apesar de grandes, eram meigos, que não faziam mal a ninguém. Depois de a ouvir, aconselhei-a a prender os animais, porque poderiam morder em alguém, ou noutros animais, ou até provocar um acidente de viação.
Foi o suficiente para que deixasse de me falar, considerando-me talvez, mais um dos que elegeu como seu inimigo, por ser incapaz de lhe colocar a mão na cabeça e lhe oferecer a minha benção...
Nem sempre as pessoas estão interessadas em ajuda para ultrapassar as dificuldades que lhe surgem, por vezes, precisam que se lhes diga, aquilo que desejam ouvir, em lugar do que é sensato...
Uma das coisas boas neste ano que passou foram, entre as das restantes autoras e autores deste blogue, as belas palavras que por aqui foram sendo escritas pela Suzana. Que não nos faltem em 2011. As da Suzana, as da Margarida, do Pinho Cardão, as do Massano Cardoso, do Tavares Moreira, do Miguel Frasquilho, do Vitor Reis, do Brandão de Brito. Que se voltem a juntar as do David Justino e da Clara Carneiro que aqui fazem falta para, com as palavras dos nossos amigos comentadores, continuarmos a manter vivo este espaço.
ResponderEliminarCom este particular voto junto-me a todos os que desejaram um ano bom. Sejam felizes.
Cara Suzana,
ResponderEliminarUma história que trás memórias do príncipe de Salina no romance de Lampedusa “Il Gattopardo”. O velho aristocrata que se pergunta se o sobrinho merece a mulher com quem vai casar, alguém a quem ele próprio saberia sem dúvida dar o devido valor. Mas este já não é o seu tempo. Sente-se invadido pela nostalgia do desencontro, da inexorabilidade da ampulheta da vida que se esvazia.
Já tarde (com as minhas desculpas pelo atraso) e de longe (a distância geográfica só importa pelo desfasamento), os meus votos (ah, este paganismo ancestral, mudam os deuses, ficam as superstições…) para que o Novo Ano traga felicidade, saúde e a realização dos desejos.
JSR