quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Qualidade da democracia, Tratado de Lisboa e povo ignato

Uma afirmação e um facto. A afirmação: o candidato a PR, Cavaco Silva, diz que Portugal tem um problema de qualidade da sua democracia. O facto: a passagem, ontem, de um ano sobre a entrada em vigor do Tratado de Lisboa.

A afirmação é, em si mesma, um facto que pode bem ser demonstrado pelo Tratado, pela forma como foi aprovado e, nalguns casos, ratificado.

O Tratado de Lisboa, é, na minha opinião, o expoente maior da falta de qualidade da democracia em Portugal, como em geral na Europa. É bom relembrar que em Portugal, há seis anos atrás, os responsáveis pelos principais partidos políticos portugueses juravam a pés juntos que sem referendo não haveria novo tratado europeu. Rendidos à lógica aristocrática de uma Europa cujas instituições devem muito às regras e aos princípios da democracia, prevaleceu a ideia de que o Povo é ignato e nunca alcançaria, por mais que lhe explicassem numa campanha pelo “sim”, as vantagens de uma Europa organizada como propunham as elites dirigentes da UE. E tudo se fechou em Lisboa, com grande pompa e foguetório com um sonoro “porreiro, pá!” do nosso Primeiro-Ministro.

Passou um ano desde que as novas regras entraram em vigor. Um ano só. Os resultados estão à vista. O Tratado de Lisboa não resistiu à prova da crise, são cada vez mais os que criticam a mediocridade das lideranças que conduziram a esta solução institucional manifestamente prisioneira de um poder burocrático que nada resolve e tudo complica, movendo-se no meio das dificuldades como a agilidade de um gigantesco elefante. São cada vez mais audíveis as vozes que clamam por uma revisão do Tratado. Um só ano depois da euforia.

Sim, o candidato Cavaco Silva tem razão. Temos um problema de qualidade da democracia que começa na desconfiança dos cidadãos nas instituições que os governam. Não acredito que venha a interessar a próxima campanha eleitoral, mas valeria a pena ponderar, a este título, nesta notícia publicada na edição on line do ´Expresso´ que nos revela que só 3% dos mais instruídos em Portugal conhecem o Tratado de Lisboa. Aquilo que não era um problema antes da aprovação do Tratado, é agora preocupação dos poderes púbicos. Suprema hipocrisia. Como inacreditável é a solução encontrada: um road show para explicar ao mesmo povo ignato, a quem foi subtraído o direito a debater o futuro da Europa, as virtudes de um Tratado moribundo.

Sim, temos um problema, grave, de democracia.

10 comentários:

  1. Por acaso o candidato Cavaco Silva não falou com o presidente da República Cavaco Silva condenando-o pela forma, no mínimo, manhosa como conspirou com o primeiro-ministro para que este ignorasse a promessa eleitoral de referendo a esse mesmo tratado de Lisboa? Não?

    É pena. é que aqui este cidadão não esquece essa do presidente da República Cavaco Silva e se o candidato Cavaco Silva se preocupasse realmente com a qualidade de democracia, estaria a dizer ao presidente da República Cavaco Silva que prescinda da candidatura a um segundo mandato.

    Isto sem falar naquilo que o tratado representa de cedência de soberania que o presidente Cavaco Silva jurou proteger, mas imagino que o candidato Cavaco Silva nos irá presentear também com um discurso de amor à nação para falarmos disso nessa altura...

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  2. Anónimo12:36

    Caro Ferreira de Almeida, estou plenamente de acordo com o texto que nos trouxe, tanto quando alude ao Tratado de Lisboa como aos expedientes usados para a sua aprovação como à qualidade das lideranças europeias. Mais, sempre vi a UE cada vez mais aprofundada como uma utopia impossivel de ser atingida, até.

    Sempre que leio textos como aquele que nos traz lembro-me de algo que li há um par de anos e felizmente ainda está disponivel na internet. O endereço é http://www.brusselsjournal.com/node/865 . Na altura pareceu-me acertado e, tirando questões de pormenor, globalmente o que este senhor diz vem precisamente de encontro ao que sempre previ para a União Europeia. Pressinto que já faltará muito pouco para começar a dobrar a finados.

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  3. Muito bem, Tonibler! Na "mouche"!

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  4. Se bem entendo "a falta de qualidade da nossa democracia" deve-se ao facto de o Tratado de Lisboa não ter sido referendado.
    Ou entendi mal?

    Partindo do princípio que entendi bem não consigo entender a sua conclusão.

    Porque, admitindo que o TL tinha sido referendado, duas situações, e só duas, poderiam ter ocorrido: O TL ou era aprovado por todos os povos da UE (hipótese remota), ou era rejeitado (hipótese altamente provável)

    Se tivesse sido aprovado, teríamos o TL tal qual temos. Nenhuma alteração se observaria na qualidade da nossa democracia para além da realização de um referendo.

    Se tivesse sido rejeitado, teríamos a situação anterior, aquela que existia antes do TL.

    Degradou-se a qualidade da emocracia, de há uma ano a esta parte, de forma tão evidente que possa atribuir-se essa deterioração à entrada em vigor do TL?

    Se não existisse o TL a crise estaria a ser enfrentada de forma mais eficaz?

    Francamente não me parece que o TL, neste caso, seja um bode expiatório bem armado.

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  5. Anónimo21:49

    Não, caro Rui Fonseca, não percebeu. Mas será concerteza deficiência minha.
    Pode ser que pedindo de empréstimo o que Miguel Frasquilho escreveu aqui em tempos consiga passar a mensagem. Se quiser ter a bondade de ir a http://quartarepublica.blogspot.com/2008/01/ratificao-parlamentar-outra-promessa.html

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  6. Fui ler.

    Depreendo que a qualidade da democracia depende do cumprimento das promessas eleitorais. O que transfere a questão do incumprimento da promessa do referendo ao TL para um universo de incumprimentos mais vasto: o do incumprimento em geral do prometido em campanha política.

    Concordo, só em parte.`

    Por uma razão simples: a da alteração das circunstâncias.

    Não prometeu Sócrates o TGV?
    Não é, geralmente, considerado uma aberração a obsessão do PM que temos o cumprimento dessa promessa?

    Por exemplo.

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  7. Anónimo09:54

    Um péssimo exemplo, convenhamos, meu caro Rui Fonseca.
    Seja como for não são comparáveis as situações.

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  8. Mas eu não pretendi comparar as situações mas dar um exemplo de uma promessa que será preferível não ser cumprida.

    No caso do referendo ao TL, eu sou, sempre fui contra o referendo nestes casos. Prometeram o referendo e não o fizeram, fiquei satisfeito. Não deveria?
    Quem votou no promitente votou por aquela promessa ou por outras? Para quantos foi decisiva aquela promessa no momento do voto?

    De entre o conjunto de promessas feitas pelos candidatos a qualquer coisa há sempre um número delas que não são do nosso agrado. Votamos, no entanto, num deles apesar desse facto. Exigir que um candidato faça o pleno das nossas preferências é utópico.

    O incumprimento desqualifica a democracia? Depende das circunstâncias que contribuíram para esse incumprimento. Se o promitente o fez com a única intenção de capitalizar votos, sabendo, ou devendo saber, da impossibilidade da sua realização, sem dúvida que o incumprimento fere a democracia.

    Recentemente, Passos Coelho prometeu não aceitar o aumento de impostos, ameaçando rejeitar o OE 2011. Reconsiderou, e foi muito criticado por isso, inclusive por parte de (algum) PS que lhe pediu apoio.

    Desqualificou a democracia por isso?
    Deveria, contra os interesses do país, manter o prometido? Penso que não.

    M Frasquilho bateu-se durante muito tempo pela redução dos impostos (e menos pela redução da dívida)chegando a reclamar a redução de pelos um ponto percentual do IVA.

    Sócrates disse que nunca, considerando o estado em que se encontravam as finanças públicas.

    Mais tarde, deu o dito por não dito e baixou o reclamado tal ponto percentual, indo ao encontro de Frasquilho. Cometeu mais um erro.

    Desqualificou a democracia? Desqualificou por demagogia porque sabia, ou devia saber, as consequências negativas da sua decisão.

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  9. ARRASTADO SILVA
    Cavaco: "Escrevi com sete anos de antecedência o que está a acontecer hoje em Portugal"
    O problema não foi Cavaco ter escrito com sete anos de antecedência o que está a acontecer em Portugal.
    Há sete anos também a minha pequena filha e os filhos dos meus amigos, e os amigos dos meus amigos... Portugal inteiro (com excepção dos senhores da política) já discorria sobre o que ia acontecer.
    O problema foi já ninguém o ter ouvido. É que Cavaco há muito que já só é um peso para o orçamento de Estado, um elemento decorativo passado, orgulho apenas da presidência da sua Maria, arrastando-se penosamente como quem mal deglute um pedaço de mau bolo - rei.
    Será que Cavaco tem noção da figura de cavaleiro triste que faz? Reforme-se Aníbal Cavaco Silva, não estrague por ambição política a imagem ainda positiva que carrega!

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  10. Caro P.A.S., o problema não é não o terem ouvido, é terem ouvido e não gostarem do que ouviram, nem do que ele disse nem do que disseram várias outras pessoas, algumas também afastadas, como agora propõe para CS, exactamente por terem dito o mesmo. Se CS não tivesse dito nada, é porque não tinha dito nada. Como disse, é porque não se fez ouvir. Quando se fez ouvir, foi porque se tinha feito ouvir e incomodou muita gente que preferiu continuar a fazer-se desentendida. Há-de reonhecer que é difícil ser prior nesta freguesia...!

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