quarta-feira, 23 de março de 2011

Crise de inteligência...

Ao reler o livro de Michel Crozier “La crise de l'intelligence” (1995) não pude deixar de sorrir ao verificar a sua actualidade e ao encontrar um paralelismo entre a crise moral e intelectual francesa e a mediocridade das elites governantes, encostadas ao status quo da burocracia e do imobilismo, e a crise de princípios e valores em que estamos mergulhados, aqui em Portugal.

“ (…) La crise que nos vivons est d'abord une crise morale et intellectuelle. Nous sommes em désarroi parce que nous n'avons plus confiance en nos elites, et même désormais de moins en moins en nous-mêmes.Nous avons perdus tous nos repères, et nos élites sont impuissantes car, quel que soit leur engagment partisan, elles parlent ce qui apaaraît maintenant à tous leus concitoyens comme une langue de bois.
Une crise de cette nature pourrait être salutaire si elle pouvait amener à une prise de conscience de la realité! Elle pourrait ainsi ouvrir la voie à la reforme intellectuelle qui nous permettra de trouver enfin dês réponses adaptées aux changements trop rapides du monde. Que les idéologies contratictoires qui nous ont paralysés aient enfin été balayées par les faits nous apparaîtrait alors comme une bénédiction et non pás comme le signe de l'absence de pensée.
Mais tel n'est pás le cas. Nos elites se crispent. Moins elles sont efficaces, moins elles supportent la critique. Il est proprement inconcevable que des gouvernants responsables, des dirigeants d ' institutions puissent déclarer sans vergogne qu ils sont incapables d ' effectuer le moindre changement à cause des rigidités, dês cloisonnements et du conservatisme de la société ou des organisations qu ils dirigent. Car c'est bien au sommet de l'État, des administrations, du système des grandes écoles et des grands corps de l'État que l'on découvre la raison de cês rigidités et de ces cloisonnements.
La société change et s'adapte tant bien que mal. Ce sont ses organismes faîtiers que la paralysent. Et le seul vrai danger qui nous menace ce n est pás la crise en elle-même mais le risque de régression que leur comportmente devant celle ci entraîne.
La société française de ce point de vue est menacée d'une vague régressive qui se développe aussi bien sur le front des responsables, des décideurs, que dans le débat public perturbe par la démagogie.
Du cote de l'État et de tous les autorités publiques on en revient instinctivement aux mécanismes classiques du rassemblement autour du préfet arbitre et de l'État aménageur. Dans ce pays qui souffre d'anémie collective on ferme toutes les fenêtres et on disserte sur la façon de répartir la pénurie au lieu d'essayer de stimuler l'activité. Ce n'est pas la faute des interest, c'est une faute profonde de raisonnement.
Si nous nous préocupons seulement de maintenir l'equilibre tradicionnel, qui n'est pourtant en fait qu'une apparence, nous n avons aucune chance de fair face au défi de l'avenir.
Le problème derrière les problèmes c'est, tout compte fait, l'intelligence à la française. Nous nous croyons intelligents et, en fait, nous sommes complètement inadaptés au monde dans lequel nous vivons. (…)”

Numa fase em que vamos ser obrigados a fazer a desalavancagem do elevado fardo da dívida pública que nos está a consumir, ao qual se junta o fardo da dívida do sector privado – empresas e famílias - que será também submetido a processos de emagrecimento, seria importante que a desalavancagem da sociedade portuguesa não se resumisse a uma abordagem exclusivamente financeira.
Precisamos de assumir de plena vontade a necessidade e o benefício de reorientarmos princípios e valores, comportamentos e hábitos, ambições e vontades na condução das nossas vidas, incorporando esta mudança nas nossas decisões e escolhas, com reflexos na vida colectiva, seja nas famílias, nas empresas ou nos serviços públicos.
O nosso problema é, antes de tudo o mais, um problema de inteligência, não à la française, mas à portuguesa. Julgamo-nos inteligentes e, afinal, não fomos capazes de nos adaptar ao mundo que mudou e de antecipar um modelo de desenvolvimento económico e persistimos nas mesmas soluções. Sofremos de uma anemia de visão e mudança que nos conduziu a resultados desastrosos. Precisamos de umas vitaminas vigorosas que nos dêem forças e energia para encarar a crise como uma oportunidade de mudança...

5 comentários:

  1. Anónimo22:55

    Excelente apontamento, Margarida. Há textos que sabem bem. Este confirma que não estamos, afinal, insanos.

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  2. Sinto muito Margarida ..mas não são vitaminas que precisamos ..tem quem precise isso sim de um bom par de bofetões ..para acordar e entrar nos eixos.
    Alguns outros ... como socrates e quadrilha precisam é de uma jaula...

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  3. O nosso problema... um dos nossos múltiplos problemas, cara Drª. Margarida, é também o da falta de carácter.
    Noto, que muitos se esqueceram já, do ambiente reinante, que deu a José Socrates a oportunidade de ganhar as eleições pela primeira vez.
    O mundo muda a uma velocidade alucinante, a inter-comunicação, utilizando a auto-estrada que se chama internet, permite a chegada da informação e a sua discussão em tempo real, entre pontos diferentes, mesmo que distantes entre si.
    Um tanto paradoxalmente, esta facilidade de comunicação, gera fossos entre as pessoas. O facto de ser possível comentar, concordar e discordar tão em cima do acontecimento, proporciona a inconsistência das opiniões e, origina que as mesmas, por vezes, sejam formuladas erradamente resultando numa algazarra que impede as pessoas de se ouvirem.
    O ambiente que ontem teve início, mesmo antes de o primeiro ministro ter anunciado a sua decisão de demissão do cargo, apesar de ter o aspecto de monólogos sucessivos, deu-nos a visão que os portugueses irão atravessar de novo um período de algazarra, um período de pregões e de prestidigitação politica.
    É necessário restituir a voz ao povo - convergiram os líderes políticos discursantes.
    Triste frase esta, pois atesta o espírito generalizado, de que a voz do povo só deve ser reactivada, quando os políticos precisam de ser eleitos. Uma espécie de on/off. Mais ou menos como: pessoal, votem, digam quem acham que é o maior, o que em vossa opinião deve ocupar o poleiro, sacar á grande, dar a sacar aos amigos e camaradas de partido, ti maria, dê cá uma beijoca, sô manele então é o reumáticoque o atormenta... deixe lá que se eu for eleito, a primeira coisa que faço é aprovar uma lei que proiba o reumático, votem em mim! votem em mim! tia anastácia... essa menina tão linda é sua neta? chegue-a cá para lhe dar umas beijocas nas bochechas... ó sô jornalista filme aqui eu a dar uma beijoca á menina. Isto é o on. O off é o contrário disto, o distanciamento o passar nas artérias das cidades e nas auto-estradas em carros topo de gama, com batedores à frente e atrás, viajar de avião em classe VIP, alojar-se em hoteis de 6 estrelas... tudo à pala do esforço dos ingénuos, dos crentes que levantaram nos braços a menina rechonchuda, para que "sua magnificência" lhe osculasse as angelicais facies rosadas, que um dia, após anos de agruras e desânimos, se tornarão pálidas e enrugadas.
    C'est la vie...

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  4. Caro Bartolomeu
    A facilidade de comunicação tem como diz, e muito bem, os seus perigos. Há excesso de informação, que nasce como as cerejas, a que se junta a falta de critério para a seleccionar, deitando fora o lixo. O tempo dispendido na ingestão de toda a informação retira tempo para pensar e reflectir. Não que a informação seja muita em qualidade, muito pelo contrário. Na aparente ânsia de captar a atenção do grande público e de aumentar a quota de mercado de popularidade cada vez mais políticos, comentadores, etc., com honrosas excepções, simplificam até à caricatura as mensagens que procuram transmitir. E quando não simplificam, quem se atrever a ser mais pedagógico é transformado numa disputa para daí retirar um ganho e castigar quem se atreveu a ir mais longe.
    Parece que a inteligência se mede pela capacidade de reduzir os argumentos e as questões mais complexas a poucas palavras, se possível rematadas com uma frase sonante. O importante é reduzir os assuntos verdadeiramente importantes à dimensão caseira, à emoção passageira, à espuma do dia. Bem, já me afastei um bocadinho do tema…
    Caro Bartolomeu, não sei se pudemos classificar de falta de carácter a ignorância, o comodismo e a falta de memória. Por vezes convenço-me que as pessoas não querem ouvir falar de problemas e soluções, que preferem que lhes mintam para que as coisas, ainda que aparentemente, não se alterem. Com esta mentalidade a "espécie de on/off" funciona muito bem. Mas a actual crise que vai trazer grandes problemas económicos e sociais para a maioria da população pode ser que traga exigência em termos das tais elites de que fala Michel Crozier.

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  5. Caro Caboclo
    Então, e os outros? Vamos correr toda a agente a bofetões?

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