“ - Este livro poderia ensinar que libertar-se do medo do diabo é sapiência (…) poderia ensinar aos doutos os enigmas argutos com que legitimar a subversão.(…) O riso desvia por alguns instantes, o vilão do medo.Mas a lei impõe-se através do medo e, a partir deste livro, o riso designar-se-ia como a arte nova, para anular o medo(…). “
“ - Mentiram-te. O diabo não é o príncipe da matéria, o diabo é a arrogância do espírito, a fé sem sorriso, a verdade que nunca é aflorada pela dúvida(…).”
“ - Mentiram-te. O diabo não é o príncipe da matéria, o diabo é a arrogância do espírito, a fé sem sorriso, a verdade que nunca é aflorada pela dúvida(…).”
Diálogo entre Jorge e Guilherme a propósito do livro de Aristóteles que “vê a disposição para o riso como uma força boa” in O Nome da Rosa, de Umberto Eco (Difel ed.)
Fui no domingo passado com um grupo de amigos a um passeio organizado ao Convento de Cristo, em Tomar. Para além da belíssima tarde a conhecer a longa história do edifício, acabámos o dia a assistir à representação de O Nome da Rosa pelo grupo de teatro amador Fatias de Cá. Devo dizer que me parecia muito difícil que se realizasse uma peça que desse ao menos uma pálida ideia da densidade e beleza do livro de Umberto Eco, mas enganei-me. A ideia é ousada mas muito bem conseguida. Com muito poucos meios e aproveitando ao máximo os cenários naturais das diferentes zonas do convento, os actores conseguem prender-nos a atenção num crescente tal que quase acabamos a sentirmo-nos um daqueles monges beneditinos do séc.XIV, atormentados pelo mistério da sucessão de crimes na abadia no momento em que é esperada a delegação do Papa João XXII, nos conturbados tempos do Cisma, a qual tinha como missão avaliar a heresia dos franciscanos, que exigiam o regresso da Igreja à pobreza evangélica. A pacatez do Convento é atravessada pelas forças do mal, internas e externas, políticas e religiosas, que ali se cruzam numa trama intensa.
Cada cena tem lugar no sítio próprio, ora nos claustros, ora no refeitório, na biblioteca, nos corredores ou no sótão, onde se situa o esconderijo do velho Jorge, o monge cego que queria defender o mundo do livro de Aristóteles sobre a comédia e o riso, que considerava profundamente subversivo. Os espectadores andam também de um lado para o outro, a acompanhar o desenrolar do quotidiano dos monges naqueles dias sombrios e é assim que no refeitório tomamos assento na mesa comprida onde se serve o jantar, simples mas saboroso como requer o ambiente da época, incluindo uma caneca do delicioso vinho quente com canela e um fatia de pão grosso, para melhor saborear a canja, ou nos sentamos solenemente na sala da conferência das delegações e, depois, na sala do julgamento, ou que subimos por uma escada de madeira íngreme até à zona decrépita que fez parte dos aposentos do Conde de Tomar, cenário para a fantástica recriação do incêndio final.
A noite estava morna e limpa, a beneficiar da luz irreal da Lua Grande a iluminar a quietude dos recantos do convento ou a fazer brilhar como prata as folhas das laranjeiras nos claustros, acentuando a sombra do desfile dos monges encapuçados e silenciosos, cada um com uma lamparina mortiça.
Um ambiente mágico para um trabalho de grande qualidade e simplicidade, apenas um pouco cansativo para as pernas citadinas, pouco habituadas ao sobe e desce das escadas de pedra com degraus altos e à dimensão fria dos corredores belíssimos, muitos deles forrados a azulejos, a contrastar com o inevitável abandono de grande parte do Convento, mesmo assim majestoso.
Visitar estes sítios e poder assistir a esta peça de teatro do grupo Fatias de Cá, que dá vida a um lugar precioso com uma obra que merece aquele cenário, reconcilia-nos com este Portugal surpreendente que consegue, miraculosamente, fazer brotar das pedras e da imaginação um programa de encantar.
Não deixem de ir ver, vale bem o esforço e o passeio. E não esquecer uns sapatos confortáveis porque tudo o resto, beleza, arte e jantar, está incluído no bilhete. E marquem com antecedência porque, apesar de estar em cena há cerca de seis anos, aos domingos, está sempre esgotado. Vão perceber porquê…
Tomar, Ourem, Fátima.
ResponderEliminarLi este post logo pela manhã, e não comentei, porque me pareceu imediatamente não se tratar somente de um roteiro turístico.
Voltei a lê-lo agora e consolido a minha opinião, fundamentada no ênfase que a cara Drª. Suzana coloca no ambiente das salas, das escadas, etc.
O convento foi construído pelos monges-guerreiros, sob a égide do Grão-Mestre da Ordem, Dom Gualdim Paes. Os Templários, como sabemos, detinham imenso poder, porque detinham, para além de imensas riquezas, um conhecimento que lhes garantia supremacia sobre o poder da igreja e até, sobre o poder real.
Mencionei Tomar, Fátima e Ourem, porque são os ângulos de um triângulo que assinala o centro geográfico do país, onde aconteceram factos históricos e religiosos que desenharam o dever de acontecer, deste país com séculos de existência.
Ha um bom par de anos, durante as comemorações do 10 de Junho, que decorreram em Tomar, encontrava-me uma manhã sentado numa esplanada da praça da República, observando a estátua do fundador da cidade e a fachada da igreja, quando sem que tivesse notado, se sentou ao meu lado um senhor de avançada idade, com uma ar imensamente aristocrático. Sem mais nem porquê, desatou a falar-me da igreja e da simbologia que lhe estava associada. O discurso era irrepreensivelmente coerente e cativante e, apesar de focar aspectos da história que eu já conhecia, chamou-me no entanto a atenção para um aspecto que me tinha passado ao lado. A ligação entre o culto ao Espírito Santo e a Cruz de Cristo, símbolos que encimam e ornamentam os tabuleiros, o primeiro criado no reinado de D. Dinis, devido à devoção da Raínha Santa Isabel e o segundo, tomado pelos cavaleiros da Ordem de Cristo.
A Rainha, sabemos que era devota do Espírito Santo e Rosacruciana, os Templários porque defendiam os lugares santos na Palestina, mas... porque é que tudo culmina em Portugal, no centro geográfico de Portugal, onde se deu a aparição de Nossa Senhora?
Talvez o Infante D. Henrique nos tenha dado a resposta para este enígma e para o mistério das sensações que a cara Drª. experimentou, ao percorrer os corredores do convento e ao sentar-se à mesa comprida do magnífico refeitório.
Agostinho da Silva afirmou que o Quinto Império se cumprirá na Lusitaniedade, O Infante, que também foi Grão Mestre da Ordem, lançou as caravelas, e nós...?
Para esse Império se levantar, o presente terá de ser destruído.
ResponderEliminarQuerida Anthrax;
ResponderEliminarAo longo dos séculos, sempre houve lugar para que o futuro suceda à mudança, sem ser necessário destruir o presente.
O V Império foi profetizado e pretence a uma nova ordem social, a uma mudança que, a meu ver, cumpriu a fase de gestação e passou já à fase de nascimento. A data do parto é ainda desconhecida, mas está para breve, asseguro-lhe. Ultimam-se os perperativos e, apesar de se prever um parto difícil, deseja-se acima de tudo, que a criança nasça forte e saudável!
;)
Meu querido Bartolomeu,
ResponderEliminarA isso chama-se optimismo, é bom. Mas, não sei o que é que me passou pela cabeça esta manhã, que me deu para ler o PEC IV como se aquilo fosse uma candidatura a uma subvenção comunitária. Nem queira saber qual foi o resultado.
Depois agarrei na entrevista do PPC e fiz-lhe o mesmo... não queira saber qual foi o resultado.
Temo que a criança vá ser um nado morto, porque ninguém está a pensar no futuro dela. A única coisa em que estão a pensar é em cumprir algo que nos está a ser exigido por terceiros.
E agora estão a pedir-nos uma maioria absoluta, para que seja possível implementar um plano de recuperação a 8 anos. A questão que se me coloca agora é porquê 8 anos, se podemos resolver isto em mais ou menos 36 meses? Para isso só precisamos de uma coisa. Falência.
Sim, querida Anthrax, Portugal declarar-se insolvente, pode ser a libertação da obrigatoriedade de pagar o que deve. Mas não será com certeza a forma de recuperar a sua economia e de os portugueses aspirarem a uma vida digna e sustentada.
ResponderEliminarSe Portugal se declarar incapaz de satisfazer as obrigações que aceitou com o estrangeiro, passará para a classe de país falido, desgraçadamente colocado à parte, ou então, pior ainda, será absorvido por outro estado, e perderá completamente a sua identidade e a sua independência.
É necessário pensarmos nas consequências sem esquecer as causas, e lutar com seriedade e determinação, pela concretização dos ideais que são o bem estar geral.
Dir-me-à, querida Anthrax: mas isso, para além de utópico e irreal, é absurdo, é contraditório. Pois se o nosso país se encontra inegávelmente à beira de entrar na situação de bancarrota, como raio é que poderá contrariar a corrente, o tsunâmi que o empurra e o submerge?!
Portugal encontra-se à beira de bancarrota porque deve, certo? E deve aos carteis da alta finança, aos grandes bancos internacionais, aos mesmos que estão a querer "abafar" a economia mundial, asfixiando os governos, certo? Assim, os grandes bancos financeiros, passaram de agiotas a carrascos, porque neste momento, ameaçam os governos de fazer implodir a economia mundial.
Ora bem, se analisarmos friamente a situação das economias mundiais, com especial atenção para a economia da Europa, percebemos que estamos numa situação muito idêntica, àquela que deu origem à II guerra mundial.
Nessa época, era ministro do estado, António Oliveira Salazar. E o que fez o Senhor Toni, nessa altura (não confundir com o nosso camarada Tonibler)?
Ía... jogou com ambos os lados... esperto, não lhe parece?!
Parte de mim consigo Bartolomeu, mas eu sou incapaz de deixar de pensar no caso da Islândia.
ResponderEliminarComo é que explica que em 2008 o país entrou em bancarrota, em 2009 a sua economia continuava em queda em em 2010 estavam com o PIB real a crescer? Depois pegamos nos papeis do PEC e uma das coisas com que nos deparamos é com a intervenção do estado no sector financeiro, quando isto foi exactamente uma das coisas que os islandeses impediram o seu governo de fazer.
A Islândia não é Portugal, isso é certo, mas alguma coisa eles fizeram bem (além de correrem com os governantes). Eu acho que é um caso que vale a pena ser analisado e não é nenhuma utopia.
Oooopsss!
ResponderEliminarEh ehe... falta o "concorda" ali na 1ª frase :)
A Islândia não se compara em nada, a Portugal. E à intervenção do estado no sector da finança, podemos chamar promiscuidade. Uma promiscuidade que se alarga a muitos outros sectores, com muitos protagonistas e intervenientes. Como aliás fez questão de afirmar Marinho Pinto, na cerimónia de abertura do ano Judicial, perante o Presidente da República.
ResponderEliminarAquele têm-nos no sítio!
http://www.youtube.com/watch?v=pb8sZR-bI6o
Bolas!
ResponderEliminarE são grandes!
Ah grande homem!
E já agora, partilho este link consigo http://www.youtube.com/watch?v=v5Cnwf-3FHY
ResponderEliminar;)
ResponderEliminarJosé Rodrigues dos Santos, termina o seu "O Anjo Branco" colocando a questão: o que é o bem e o que é o mal? E a seguinte reflexão: "O bem, é quando conseguimos colocar-nos no lugar do outro. E actuar em conformidade. O mal, é a incapacidade de imaginar os sentimentos dos outros e de os sentir como se pudéssemos ser nós."
Amém ;)
ResponderEliminarMuito interessante este post, pela ideia, pelos assuntos, pelos comentários e também pelas reflexões que tudo isto motiva. Até por ter sido “pris en otage”...
ResponderEliminarA fuga da realidade através de crenças irracionais, tem temporariamente as suas vantagens terapêuticas, tal como certas drogas em pequenas doses. As crenças ancestrais da humanidade estão cheias de esperanças na volta dum pacificador, profeta ou salvador, que nos trará o paraíso perdido. Isto vem dos xamãs, refinou no hinduísmo e continuou nos seus avatares, os abraãmicos (judeus, cristãos, muculmanos), mais os zoroastrianos, budistas e outros. O perigo está em que as doses das drogas podem tornar-se mortais...
Analisando o que os Templários efectivamente fizeram e ignorando a “fumisterie” necessária para manobrar a credulidade das épocas em que viveram, transparece que eram uma sociedade com um substrato secreto, pragmático, racional e investigador. Trouxeram para este canto perdido, longe da cobiça de Roma e de França, meios, conhecimentos e técnicas que transformaram os reinos hispânicos por vários séculos. Até que a irracionalidade atávica local estragasse tudo.
Para quem acredita em sebastianismos, é melhor recordar o aconteceu aos “índios” americanos, que antes da chegada oficial dos europeus esperavam uma idade de ouro com a volta de deuses brancos e barbudos…
A ponderar no tempo presente.
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ResponderEliminarCaged! Excelente ideia.
ResponderEliminarVou votar no primeiro partido que tiver um candidato chamado Sebastião. Assim, como assim, mal não deve fazer.
Não sei se será boa opção, querida Anthrax... diz a cantilena que o fulano come tudo, tudo, tudo, sem colher e ainda por cima, ao chegar a casa, dá tareia na mulher...
ResponderEliminarAh ah ah ah ah ah :D
ResponderEliminarBom, isso é porque a mulher não é a Maria da Fonte, nem a padeira de aljubarrota.
Nem a Ângela da mercearia...
ResponderEliminarOlá! Então não é que os ingleses acordaram?
ResponderEliminarGrande lata! A deles foi maior que a nossa!
Cara Suzana:
ResponderEliminarAqui está um excelente texto, onde, além do mais, está presente o o serviço público de promover um espectáculo e um grupo teatral que ajudam a dar vida a um precioso monumento nacional. O Nome da Rosa, que li por alturas de 1984, aquando da sua publicação, é um poderoso romance histórico medieval e, sem dúvida, um livro que me deixou uma profunda impressão. Creio que foi um êxito editorial, também no nosso país. Ao tempo, exercia funções na Sorefame. Pois aconteceu que, numa metalomecânica pura e dura como era a Sorefame, o Presidente do CA, um engenheiro, também lera o livro e ficou tão apaixonado por ele que convidou meia dúzia de quadros da empresa para um debate sobre o mesmo e o seu significado profundo.
Passaram cerca de 30 anos. De permeio, deu origem a um filme. Que não conseguiu de forma alguma captar a intensidade da acção e da trama, ficando-se por episódios menores ou procurando apenas tirar partido de uma ou outra cena que produzisse efeitos mais espectaculares. Face ao livro, o filme seria como água salobra perante um vinho da mais alta qualidade.
Li o livro há cerca de 30 anos, talvez 26 ou 27 anos. Comento de memória . O Nome da Rosa é o retrato de uma época, onde, como hoje, os fundamentalismos imperavam.
No decorrer da trama, confronta-se a ortodoxia mais violentadora, que procura esconder a verdade ou interpretá-la de modo exclusivo com o desejo da liberdade de interpretação das ideias e dos factos. É a eterna luta das trevas contra a luz. Nesse combate desesperado, vale tudo, em nome da “pureza” das ideias, como quase sempre, da “pureza” das ideias de um monge louco.
Ninguém escapa, e até o próprio Inspector, espírito aberto, enviado , creio, pelo Papa, para investigar o que se passava no Convento, e apesar da autoridade que lhe advinha do mandato e da sua alta reputação pessoal, chegou a temer pela vida quando o Tribunal Inquisitorial tomou a iniciativa de intervir.
É que, se agora a arma fundamentalista reveste diversas formas de terror, na altura era o fogo que prevenia ou depurava o politicamente ou religiosamente incorrecto.
Um romance admirável, de luzes e de sombras, mais parecido com o que se passa actualmente do que se pode pensar. É que, no fundo, no fundo, o homem permanece o mesmo, na sua inumanidade ou no heroísmo da solidariedade. Ditadores que agora são combatidos, que amarguram e torturam populações têm o seu contraponto na abnegação dos bombeiros e técnicos japoneses que heroicamente procuram reparar os reactores nucleares que ameaçam a vida de milhões. Tendo passado já tanto tempo, esta é a minha interpretação do livro. Esbatida pelos anos, poderá não ser uma fiel interpretação. Mas não deixei de a partilhar, motivado pelo belo post da Suzana. Que me acicatou o apetite de num destes domingos me deslocar a Tomar.
Rectificação da parte final do 3ª parágrafo a contar do fim do comentário:
ResponderEliminar"Nesse combate desesperado, vale tudo, em nome da “pureza” das ideias, como quase sempre, da “pureza” das ideias de um louco, no caso de O Nome da Rosa de um monge louco.
Suzana
ResponderEliminarVale imensa a pena ir ver e participar no espectáculo. É fantástica a representação e a criatividade de envolver as pessoas na "descoberta da verdade", de combinar O Nome da Rosa com a carga histórica do Convento de Cristo, de explorar os seus cantos e espaços, de nos fazer recuar no tempo e imaginar como era a vida dos monges beneditinos.
Faz muita pena a degradação do Convento e dos espaços que o integram e o rodeiam. É lamentável que um património tão rico e tão importante na História de Portugal esteja tão mal tratado. Não merecia este destino. É incompreensível que tratemos assim o que de melhor temos. É a nós próprios que fazemos mal. Só pode ser mesmo uma prova de ignorância, uma visão muito estreita sobre o futuro. O problema não é, uma vez mais, o dinheiro.