terça-feira, 5 de abril de 2011

"Jishuku"


A revista Pública de domingo passado tem um artigo muito interessante que nos diz que, depois do terrível terramoto de 11 de Março, os japoneses estão a abandonar o culto dos produtos de luxo, verdadeiros ícones da cultura moderna, pelo menos em Tóquio. O consumo exibicionista, produtos de marca, Dior Vuitton, Burberry, tudo era comprado na voragem de ter, de mostrar que se tinha, inutilidades absolutas arvoradas a necessidades prementes, numa espécie de demência que dominava sobretudo os mais jovens, muitos deles sem outro desejo que não fosse o de ganhar para comprar, e comprar o mais caro possível. Estranho símbolo de afirmação social e de sucesso, campo fértil para as indústrias que vivem disso mesmo, de produzir e vender o que antes era exclusivo de alguns que tinham em excesso e que, espantosamente, se transformou num “mercado de massas”, berloques, carteiras, roupas, tudo sinal de bem estar para-os-outros-verem-e-admirar. Segundo li, o mercado de luxo japonês é o terceiro no mundo, logo a seguir ao americano e à China e, em 2010, foi mesmo o maior consumidor.

Depois da catástrofe, os japoneses como que acordaram desse desvario da ostentação e retraíram-se bruscamente, assumindo agora o “jishuku”, a auto contenção, como nova atitude perante a vida, por sentimento solidário para com os que tudo perderam, sem dúvida, mas também porque de repente se lhes tornou evidente o grau de desperdício e de absurdo vazio em que centravam as suas ambições. A notícia cita uma escriturária de 23 anos, possuidora de dez malas Gucci e de outros produtos de luxo em que consumia o seu salário, que reconhece, com vergonha “percebo agora o quanto desperdicei, o sismo mudou a perspectiva das pessoas”.

Às vezes é assim, na vida das pessoas como na vida dos países, é difícil ir contra a corrente, contra as modas, contra a vertigem do imediato ou a armadilha das facilidades, se todos fazem, se os outros podem, é difícil resistir aos cantos de sereia que estimulam, que prometem, ou que desdenham dos que não querem deixar-se encantar. E é preciso que aconteça algo muito forte para que se recupere a sanidade mental, individual e colectiva e os excessos apareçam, com toda a evidência, como intoleráveis ou incompreensíveis.

5 comentários:

  1. Suzana
    Desde há muitos anos que os japoneses que vinham fazer tournées à Europa e aos Estados Unidos traziam todos os cartões de crédito e mais alguns na mira de tudo comprarem, de todas as marcas conhecidas, numa autêntica prova de poderio económico e ostentação de riqueza. Uma espécie, a bem dizer, de infantilização.
    Lembro-me de uma viagem que fiz ao Japão, há já uns bons pares de anos, e no regresso fiz escala em Amesterdão, que tem um aeroporto preparado para os japoneses perderem a cabeça em cada loja que entram até à derradeira entrada no avião.
    Nessa escala que fiz, lembro-me de um casal japonês, meia idade, estar a comprar um conjunto de malas de viagem Louis Vuitton (cinco ou seis malas, com vários tamanhos e feitios). Muito admirada, perguntei à empregada da loja como era possível levarem aquele castelo de malas para dentro do avião. Tive então a explicação que a companhia aérea do Japão tinha um serviço vip à entrada da manga que na hora do embarque permitia que as compras de última hora pudessem ser colocadas no porão.
    Mas é verdade que na vida de um país, e nas nossas vidas também, é preciso por vezes acontecer algo de muito forte para que surja um sobressalto que determine uma mudança, que se revejam prioridades e escalas de valores, que se valorize a vida e o mundo que nos rodeia de forma diferente. Umas vezes por necessidade e outras vezes porque a razão e o coração se impõem.

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  2. Era realmente assim, Margarida, mas não deixa de ser fantástico que a reacção seja quase imediata, da leviandade total à contenção, quer dizer que era só uma moda passageira e que a cultura deles está bem enraizada nos sacrifícios, no trabalho árduo e na ajuda solidária.

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  3. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades :)

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  4. Este post - como acontece frequentemente aos posts "multilayered" da autora - levanta algumas interrogações subjacentes à necessidade de contenção provocada pelos desastres que atingem o Japão. Aquilo que se chama o deslumbramento da frivolidade nos "netos de Hiroshima", aparente nas modas extravagantes das "lolitas", nas bandas de música, no choque da americanização com os valores tradicionais, nas incongruências económicas e políticas. Estes choques são um cruel despertar para a realidade.
    Coisas que não nos são totalmente estranhas, não é verdade?

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  5. Caro cagedalbatross, o que me pareceu no artigo é que eles, de repente, perceberam que encher a vida de tanta inutilidade era um absurdo, sentiram-se envergonhados.

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