terça-feira, 26 de abril de 2011

“O Estado tem de mentir”

No livro “Ponto Ómega”, de Don DeLillo, há uma passagem, referente a um interessante diálogo, que me chamou a atenção. Confesso que fiquei um pouco perturbado. De acordo com o autor há estrategas que têm como objetivo criar realidades, “A perceção humana é a saga da criação da realidade”. A propósito das guerras e de uma em particular ocorrida nos últimos tempos é possível ler a seguinte afirmação: “Não há nenhuma mentira na guerra ou na preparação na guerra que não seja defensável”, a justificar dois períodos prévios, “Mentir é necessário” e o “Estado tem de mentir”.
Li e reli este capítulo e fiquei convicto de que poderia ser reescrito da seguinte forma: Não há nenhuma mentira na governação ou na preparação para a governação que não seja defensável. O que tenho lido e ouvido nos últimos tempos legitima perfeitamente esta adaptação. Os governantes explicam as razões de certos acontecimentos, por exemplo, aumento do défice, dizendo que são resultantes de novas metodologias, novas maneiras de contar as coisas, que não vão continuar no futuro, considerando-os, inclusive, bons sinais, porque nos próximos anos só iremos obter receitas! Dizem isto pestanejando com uma frequência superior ao habitual, ou, então, inclinando a cabeça para trás, com medo de que a verdade lhes fira as faces sem vergonha. Mentiras facilmente detetáveis pelos mais grosseiros e vulgares polígrafos que estão à nossa disposição: olhos e ouvidos aliados a uma inteligência normal e à experiência de vida.
Quanto a ser necessário mentir não tenho dúvidas, faz parte da natureza humana. Mas há muitos tipos de mentiras; as aceitáveis são as “mentiras brancas”, mas as produzidas no âmbito da política, do social, da religião, da publicidade e dos negócios são perigosíssimas e difíceis de controlar. Sendo assim, o Estado não pode nem deve mentir, e o facto de continuamente nos mentir é a principal razão de termos chegado a esta situação. Quem governa deveria, na tomada de posse, substituir o tradicional juramento por outro, mais adequado; dizer que nunca mentirão e que mostrarão ao povo toda a verdade dos acontecimentos e decisões. Está certo, acredito que mais nenhum seria reeleito, mas pelo menos responsabilizaria o povo a ter de aceitar aquilo que não quer ouvir: a verdade, sim, porque o povo adora quem lhe minta, e quanto mais, melhor...

5 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. John J. Mearsheimer’s “Why Leaders Lie”



    http://www.washingtonpost.com/entertainment/books/john-j-mearsheimers-why-leaders-lie/2011/03/09/AFqk88jD_story_1.html

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  3. Retenho, de uma entrevista de Joaquim Aguiar a propósito de umas eleições, há vários anos:
    "Quem falar verdade não ganha eleições"

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  4. O que as pessoas querem é que os políticos lhes dêem razão para acreditar e ter esperança, não querem ser enganadas mas deixam-se enganar, o que é um pouco (e suficientemente) diferente.Aproveitar esta ânsia de esperança para mentir é imperdoável e leva as pessoas a desistir e aceitar a tirania. Falar a verdade sem abrir caminhos de esperança também é recusado,porque o que move as pessoas não é a consciência dos erros mas a confiança em que eles serão corrigidos. è por isso que a política a sério, com honestidade e rasgo, é muito difícil, será também certamente por isso que é tão comum dizer-se que hoje há falta de lideres...

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  5. Em tese poderia concordar consigo, mas a prática diz-me que não é bem assim, infelizmente. São tantas as fontes de engano, que não se restringem apenas à política, e são tantos os exemplos de aldrabices com que mimoseiam o povo que só me resta manter a minha opinião (salvaguardando as esperadas exceções): os portugueses gostam, adoram que lhes mintam... O fenómeno não é de agora, e não vale a pena tentar encontrar virtudes onde não existem, mas se quisermos encontrá-las, pois bem, então temos de esperar pela miséria e pela tragédia! Talvez não demore muito.

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