segunda-feira, 25 de abril de 2011

Páscoa grega



A internacionalização das novas gerações tem destas coisas, leva-nos também a estreitar laços com famílias de outros azimutes, e foi assim que fomos celebrar a Páscoa à Grécia, a convite de uma encantadora família que fez jus à fama da hospitalidade grega.
Atenas estava livre do habitual trânsito caótico, porque a crise é uma coisa e a tradição é outra bem diferente e uma boa parte dos citadinos tinha rumado às suas aldeias de origem para celebrar em conjunto esta importante festa religiosa, para eles aind amais importante que o Natal.
Impressionou-me a intensidade dessas celebrações e o ritual que se segue na Igreja ortodoxa. As centenas de pequenas igrejas espalhadas por toda a cidade estavam a abarrotar de gente, que se espalhava também nos largos e ruas adjacentes, sobretudo ao princípio da noite, altura em que se acendem as velas lisas e castanhas que todos devem levar consigo, na 6ª feira de Paixão. À noite, saem à rua os Epitáfios, elaboradas armações de flores brancas, que variam em dimensão e profusão de flores, que ocupam o centro de cada igreja até os levarem para fora, num andor carregado aos ombros de quatro homens. Simbolizam o túmulo de Cristo e as pessoas que vão em procissão fazem fila para passar por baixo do andor, um processo lento que vai engrossando a multidão que se junta à passagem do andor, ladeado pelos padres ortodoxos, de longas barbas e batinas negras, que espalham incenso e entoam os cânticos monótonos e cadenciados. De todas as ruas sai um Epitáfio, cruzam-se e confundem-se nas praças abertas, e de repente a cidade transforma-se num compacto formigueiro de gente vagarosa e concentrada nas suas rezas, num luto pontilhado por milhares de pequenas chamas trémulas. Dizem que este ano as igrejas encheram como já não se via há muito tempo.
No sábado, depois do jantar, voltam a encher-se e a transbordar largamente as igrejas, para esperar a hora da ressurreição. As velas agora são brancas e muitas delas enfeitadas com fitas e flores, e só se acendem à meia noite, altura em que explode um grito imenso de alegria que ecoa por todos os lados, à mistura com o tocar dos sinos e o estrondo aterrador de foguetes. Todos se cumprimentam calorosamente, dizendo “Kalo Pasca", Feliz Ressureição. Manda a tradição que chegue a casa pelo menos uma vela acesa, e que se desenhe uma cruz na porta com o fumo negro do pavio. É então a altura de preparar tudo para o grande encontro da família, ao almoço do dia seguinte.

Ao almoço juntou-se a família toda, primos, tios e amigos, todos são poucos para se deliciarem com o enorme carneiro que é assado, inteiro, num espeto armado ao ar livre. Uma geringonça estranha faz de motor e o espeto vai rodando desde manhã cedo, espalhando no ar um cheiro intenso ao assado, porque a gordura vai caindo nas brasas, tudo sob o cuidado atento do anfitrião. Num espeto paralelo vai assando um rolo feito com as tripas e recheado de fígado, a primeira iguaria a ser servida, além de variadissmos pasteis e tartes de queijo feta e espinafres.
A animação atinge o auge quando se desarma o espeto e se retira o assado, que é trinchado e apreciado em grande algazarra, numa festa colorida em que convergem também muitas e deliciosas variedades de bolos trazidos por cada uma das famílias. Não falta o vinho grego e, claro, o Ouzo, uma bebida de anis que, diluída com água, serve de refresco mas aumenta muito a animação.

Foram uns dias fantásticos.

6 comentários:

  1. Como fantástica é a descrição.
    Boa Páscoa,cara Suzana!...

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  2. À dias, após o jantar, enquanto passeávamos pelos campos, eu e a minha mulher, recordávamos os pic-nic que fazíamos com a família, quando éramos crianças. Recordávamos sobretudo o espírito que reinava nesses tempos, entre os membros da família e ainda as relações de amizade que se estabeleciam, com membros de outras famílias. Lembrámo-nos que havia muito menos dinheiro naquela época, mas existia um sentimento de solideriedade e um gosto por fazer e manter amizades. Entre amigos, existia um espírito de solideriedade e entre-ajuda. Nos negócios, o valor da amizade e da honradez, ultrapassavam largamente uma garantia bancária.
    Passaram os tempos e este gosto pelo convívio e pela amizade desinteressada, dilui-se e acabou por perder-se. Algumas famílias que antes passavam tardes em alegre convivio, partilhando as refeições, as conversas, as alegrias e tristezas, afastaram-se, quase sempre sob o pretexto da falta de tempo.
    Por aquilo que a Drª Suzana nos conta, a crise económica conseguiu roubar aos gregos, alguma qualidade de vida, mas não lhes roubou o espírito de união e de solideriedade familiar.

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  3. Caro Pinho Cardão, e é resumido!, há-de reparar que não entrei em detalhes gastronómicos, não se pouparam em mostrar-nos as delícias da cozinha tradicional grega.
    Pois é isso mesmo, caro Bartolomeu, os gregos (ainda) não desistiram e a família é muito importante,família alargada, com várias gerações e respectivos núcleos, com pouco ou com muito o importante é juntarem-se numa conversa sem fim e não se poupam a trabalhos quando toca a reunir. Acho que nós já perdemos bastante isso, seja por falta de paciência, seja por falta de interesse,e o facto é que ficamos muito mais frágeis perante as dificuldades.

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  4. Esta bela descrição da Páscoa grega, ortodoxa e actual, recorda-me os ritos religiosos correspondentes num distante outpost do antigo império português, católicos e orientais. São as ricas encenações, as multidões partilhando do mesmo fervor, o envolvimento no cocoon familiar alargado a uma extensão tribal.
    Depois do calor humano dos gregos, este nosso país atlântico deve parecer dum materialismo quase calvinista…
    Καλώς ήρθατε και πάλι!

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  5. Bonita Páscoa, Suzana, que os gregos celebram e que lhe proporcionaram. Por cá também vamos revivendo muitas tradições e há muitas famílias que se reúnem na Semana Santa. Mas também é verdade que muitas famílias deixaram de se encontrar, por egoísmo, por falta de vontade ou por falta de meios. Há de tudo. Ainda no Sábado ouvi uma senhora que trabalha numa pastelaria aqui do meu bairro dizer que tem muita dificuldade em fazer face às despesas de uma deslocação à sua terra no Norte, onde vivem a Mãe e um irmão. Estavam em causa 200 euros. Não foi passar a Páscoa com a família mais chegada!

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  6. Caro Cagedalbatross, muito obrigada pelo Welcome back :)a contrariar o "quase calvinismo atlântico". É sempre bom estar de volta, apesar de tudo.
    Margarida, por lá evitámos ao máximo lembrar os tempos ruins que se vive, o que me pareceu foi que eles conseguem fazer uma festa com pouca coisa e, apesar de serem aparentemente muito mais pobres que nós em geral, Atenas estava vazia porque muitos tinham ido ter com a família às aldeias. No Domingo ao fim da tarde já se notava muito mais trânsito.

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